Música

Crítica

Nick Cave - One More Time With Feeling | Crítica

Documentário mostra como a perda de um filho mudou o processo criativo e a vivência artística de Cave

16.12.2016, às 17H15.
Atualizada em 16.12.2016, ÀS 18H00

Logo no início de One Morte Time With Feeling, 2016, Nick Cave comenta que já não acredita mais em uma narrativa para chegar perto do que ele acredita ser sua música. E assim se inicia o processo no qual o compositor e cantor conversa, conta passagens de sua vida e aponta diversas ideias enquanto Andrew Dominik, diretor da obra - conhecido por seu trabalho em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford - apresenta não só o fluxo de consciência de Cave, transformado em narração, mas também parte do processo por trás do último disco do músico com a Bad Seeds (sua banda), Skeleton Tree, gravado pouco depois do cantor perder seu filho de 15 anos, Arthur.

Com fotografia pensada para valorizar os detalhes e gravado com uma mistura de tecnologias (preto e branco, cores, 2D e 3D) a obra ganha uma fluidez diferente graças a alternância entre momentos como o que a equipe se atrapalha ao manusear o equipamento e precisa refazer takes, depoimentos e conversar despretensiosas, mais a mistura entre entrevistas e performances musicais. Essa soma de momentos gera uma abordagem não-convencional interessante e que alcança seu objetivo, colocar em destaque os sentimentos de Cave.

Mesmo com tantas ações acontecendo em alguns momentos do longa, prevalecem os pensamentos de Cave, que devaneia sobre sua vida, sobre sua forma de criar e sobre suas mudanças antes desse novo processo. Um dos grandes momentos surge quando o músico fala sobre sua esposa, Susie Bick, e ressalta a bidimensionalidade masculina em referência as diversas facetas femininas, "Homens são bidimensionais, mas as mulheres são 3D pra caralho", exaltando a capacidade dela ser uma surpresa e mudar a cada instante. Um pensamento que consegue ser profundo, sem se obrigar a isso, ou sem precisar apontar para isso, como todo o filme, no final das contas.

Possivelmente a opção de Dominik por gravar com tantos formatos, pode estar ligada a vontade de criar poesia musical com imagens, usando a soma dos já citados momentos em off de Cave, com performances em estúdio, acompanhadas pela Bad Seeds e seu parceiro e amigo de longa data, Warren Ellis, mais alguns momentos nos quais a perda do filho permeia o ambiente.

Nesses momentos a maneira escolhida para abordar a perda se destaca. Em primeiro plano fica sempre o álbum gravado em luto e, em nenhum momento a obra apela para o sentimentalismo fácil que a morte de um filho traz. As perguntas circundam o processo de composição e guia o público até alguns dos porquês de como as músicas surgiram, de como a gravação foi feita... A perda somente permeia o trajeto da obra, mas nunca é colocada em primeiro plano. Ela está ali, ela fez sua ferida, deixou a marca, mas não toma o espaço do que precisa ser ouvido e compreendido: A música e as histórias de Cave.

Em todo caso, talvez, ai está a necessidade de gravar em preto e branco: Colocar a atenção no que interessa; o que é dito. Afinal, é pela narração de Cave que podemos entender um pouco do que o conduziu até seu disco, como ele sentiu tudo isso. E, apesar de, em muitos momentos, ele parecer uma pessoa fria e fechada, frases como "O que acontece quando ocorre um evento que é tão catastrófico que ele simplesmente muda você? Você muda de uma pessoa conhecida para uma pessoa desconhecida. Então, quando você olha para si mesmo no espelho, você reconhece a pessoa que você foi, mas a pessoa sob a pele é outra, diferente", trazem à tona como ele se sente após todo o processo, e como ele se vê ou se viu durante a gravação.

No fim de tudo, essa é uma obra que consegue criar sua própria linha narrativa, ideal para externar algo preso dentro de um artista, mas sem chocar, sem a necessidade de ser explícito. Ele apenas pincela algo trágico e então apresentar como isso foi reverberado nas cores de uma obra musical. Um fato que alterou a vida, a convivência com a família e acabou levando Nick Cave até seu trabalho mais recente, cheio de pensamentos e marcas transformados em músicas. "O tempo/vida é como um elástico. A gente se distancia das coisas até que em determinado momento ele retorna para a gente, com força", Nick Cave. Não adianta fugir.

*O longa foi exibido como parte da Semana Internacional de Música de São Paulo, SIM.

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Nota do Crítico
Excelente!

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