O quarteto BLACKPINK em imagem promocional do Born Pink (Reprodução)

Créditos da imagem: O quarteto BLACKPINK em imagem promocional do Born Pink (Reprodução)

Música

Crítica

Sobra cálculo e falta drama no insosso Born Pink, do BLACKPINK

Quarteto mostra lampejos de brilhantismo sufocados por produção preguiçosa

Omelete
5 min de leitura
20.09.2022, às 15H07.
Atualizada em 20.09.2022, ÀS 16H52

Preste atenção na letra de “The Happiest Girl”, balada levada ao piano que dá o pontapé inicial no terceiro ato do Born Pink, e você vai descobrir que… ela não significa nada. Escrita por Teddy Sinclair (no passado mais conhecida pelo pseudônimo popstar Natalia Kills), a canção faz um pastiche pouquíssimo inspirado das baladas de relacionamento tóxico que artistas pop de Rihanna (“Love the Way You Lie”) a P!nk (“Please Don’t Leave Me”), passando por Lady Gaga (“Speechless”) e Beyoncé (“Jealous”), eternizaram como quase rituais de passagem para o estrelato contemporâneo.

Nos quase 4 minutos da canção, a mais longa do disco, as meninas do BLACKPINK declaram a um interlocutor invisível que só o querem quando ele diz ‘não’, mas ao mesmo tempo pedem que os fãs não as santifiquem, pois são tuteladas da dor”. No arranjo, os produtores 24 e Nohc deixam os tons arrastados do quarteto se estenderem por cima de um piano de som aveludado e de um pacote discreto de cordas, talvez querendo simular a intimidade de uma “Stay” (também de Rihanna) ou de uma “Say Something” (A Great Big World com Christina Aguilera).

“The Happiest Girl”, enfim, é um cálculo. É um movimento cínico pensado para empurrar Jennie, Rosé, Lisa e Jisoo por mais um ritual ocidentalizado de estrelato pop, e a sua composição que mistura clichês melodramáticos para expressar uma angústia totalmente genérica, até contraditória (Eu posso parar as lágrimas se quiser/ Mas hoje serei a garota mais feliz do mundo), é a evidência mais óbvia daquilo que faz o Born Pink um desperdício dos talentos e do potencial subversivo do BLACKPINK, um grupo de k-pop tão gigantescamente popular ao redor do globo.

Não há nada de errado em buscar o sucesso, é claro. De certa forma, a consideração de consumo está no coração do fazer pop, mas o desafio ao mercado também. A boa música pop é aquela que olha para as regras do jogo e as compreende bem o bastante para fazer duas coisas: atiçar aquele ouvido treinado que busca por uma melodia redondinha e uma catarse dançante, claro; mas também infringir minuciosamente essas diretrizes arbitrárias para criar algo novo (ou, ao menos, velho de um jeito novo) e irresistível, tão profundamente pessoal quanto vorazmente consumível. É o elemento de crime do qual Lady Gaga falava no começo da carreira.

Como estrelas femininas maiores do k-pop, o BLACKPINK está em posição privilegiada para operar essa subversão de dentro para fora. A música pop coreana vem de um histórico rico de influências ocidentais e orientais, fundidas em uma indústria com regras próprias e procedimentos próprios, que frequentemente produz canções mais ousadas, mergulhadas em uma mentalidade de experimentação livre que pouco se importa com ideais bobos de autenticidade. De certa forma, é justamente a busca honesta pelo sucesso que os faz melhores artistas pop do que os ocidentais: no (bom) k-pop a busca é sempre por te fazer sentir algo com a música, ao invés de te fazer pensar algo sobre o artista que está cantando. É esperto, porque consumimos muito mais com o coração do que com o cérebro.

O Born Pink, no entanto, está extremamente preocupado com o que você vai pensar de suas candidatas a diva pop quando os contidos 24 minutos de suas oito faixas terminarem. De fato, o disco transborda tensão e cautela durante a maior parte das canções, de forma que chega a sufocar o talento individual das integrantes. Em “Shut Down”, por exemplo, Lisa desfila o seu flow impecável por cima do sample de “La Campanella”, de Niccoló Paganini, mas a canção não leva o seu rap para nenhum lugar. Ele está ali como exibição, não como caminho para um desenvolvimento musical ou narrativo, e o resultado é um single competente, mas terminalmente morno.

O mesmo vale para a forma como os vocais delicadamente modulados de Jisoo são jogados para escanteio durante todo o disco, especialmente onde eles poderiam brilhar mais: na melódica “Yeah Yeah Yeah”, que abandona o hip hop e caminha com destreza pela linha entre o new wave e o EDM, emergindo como o destaque óbvio do álbum. Não à toa, essa é a única faixa com créditos de composição para as integrantes, com Jisoo e Rosé contribuindo para a única letra plenamente romântica do disco - um sinal, talvez, que a direção desafiadora da música do BLACKPINK é mais imagem de mercado do que qualquer outra coisa.

Também é Jisoo quem carrega o belo pré-refrão de “Typa Girl”, que aposta tudo no truque de transformar sons de caixinha de música em cordas melodramáticas para representar o choque entre domesticidade e independência da letra - mas rimar “takin’ outcom Chanel” é meio difícil de perdoar, Lisa. Já “Hard to Love” (solo de Rosé) e “Tally” enterram as meninas em uma tentativa tímida de aproximação com o pop punk, acabando por aterrisar mais no rock de veraneio balançado de um Neon Trees ou no emo-rap de um Lil Peep, a depender da referência do ouvinte.

A autocensura que pauta o Born Pink, a vontade de ser menos k-pop para traçar uma trajetória vitoriosa no mercado estadunidense, é frustrante também por causa da faixa de abertura do álbum, “Pink Venom”. Ela é a única que explode com inventividade como as canções coreanas costumam fazer, começando com um coro hipnotizante que declama o nome do grupo e desaguando em uma distorção de instrumentos tradicionais por cima de batidas sintetizadas de hip hop, coroadas pela ousadia de um refrão em anti-drop que inverte as expectativas ainda em outro sentido: é cantado pelas rappers Lisa e Jennie, enquanto as vocalistas Rosé e Jisoo carregam os versos. Há elemento de crime aqui.

Acima de tudo, no entanto, é difícil tirar da cabeça a sensação de que todo esse esforço do Born Pink é, em última instância, fútil. É se curvar à noção xenofóbica e racista de que as estruturas do k-pop não podem e não devem se infiltrar no mercado ocidental, mesmo quando os artistas coreanos fazem isso. Ademais, não importa os números que ele faça na Billboard ou nas vendas internacionais: o disco condena a arte do BLACKPINK a um lugar de coadjuvante na história do pop quando permite que seu sucesso mercadológico venha às custas das transformações que elas poderiam provocar.

No grande livro do pop (com ou sem k-), quem não balança o barco vira nota de rodapé.

Nota do Crítico
Ruim
Born Pink
BLACKPINK
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Ano: 2022

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