Recentemente, David Bowie tem feito a alegria de milhares de fãs com os lançamentos de seus novos singles, deixando todo mundo ansioso para o seu mais novo álbum, ★ (ou Blackstar). Quem já viu os (provocantes) vídeos da faixa-título e o novíssimo "Lazarus" certamente foi impactado pela vanguarda, pela beleza, pela mudança e – principalmente – pela estranheza dessas duas músicas.
Mas se você é fã de longa data, essa estranheza de Bowie é a coisa mais normal do mundo. Ele virou um ícone cultural justamente por nunca ter tido receio de provocar seu público e de causar uma primeira impressão inquieta – por vezes, incômoda – de suas novas ideias.
E é justamente aí que está a graça de Blackstar. Bowie desafia a gente com mais um disco no qual a guinada na direção musical é severa, dando passos largos para longe de The Next Day, uma das melhores surpresas de 2013 e o tão aguardado retorno do Thin White Duke após 10 anos de reclusão. Agora, com a produção do sempre fiel escudeiro Tony Visconti, Bowie abraça em Blackstar uma sonoridade mais dark, menos direta e mais densa no álbum novo.
A faixa-título é uma obra épica, longa e cheia de variações – como uma suíte progressiva – e tem camadas intermináveis de informação pra você decifrar, lembrando alguns momentos do indefectível Station To Station, de 1976, quando Bowie abandonou, em mais uma de suas metamorfoses, a vibe soul de Young Americans para mergulhar dentro de si próprio na maravilhosa e gélida intimidade que viria a gerar a trilogia de Berlim.
"Blackstar", a faixa, já deixa bem claro o que você vai encontrar pelo álbum: um festival de extremos. É jazz, é eletrônica, é sci-fi, é glam. E funciona. A música começa incômoda, dissonante, menor, provocativa como qualquer clássico de Bowie e é intrigante como as transições soam bem, mesmo servindo de conectoras para trechos musicais tão distintos uns dos outros. A parte do meio se transforma num quase blues recheado por um dos mais belos vocais de sua carreira e um solo de sax. Surreal e expansiva, é daquelas músicas que você vai ouvir centenas de vezes e ainda vai descobrir algo novo.
"Lazarus" é densa e contida, explodindo aos poucos e crescendo no final, onde o saxofone toma conta do cenário, ilustrando o desespero do protagonista: “I´ve got scars that can´t be seen” (Tenho cicatrizes que não podem ser vistas).
"Dollar Days" é lindíssima, talvez uma das melhores do disco, e resgata o lado mais lírico e melódico de Bowie, com uma estrutura mais voltada ao pop tradicional e abrindo pra improvisação ao final. Conduzida por um piano, a música já soa como uma balada clássica, bem melancólica. Se a voz de Bowie pode parecer cansada em outras partes do disco, aqui ela está impecável.
"Sue" e "Tis A Pity She Was A Whore" já haviam sido lançadas antes, em 2014, num single. Agora ganharam pequenas mudanças em seus arranjos mas continuam interessantes. "Girl Loves Me" também é uma daquelas músicas com camadas e mais camadas de informação, e ela provoca múltiplas sensações no ouvinte: batidas fortes, cordas sinistras e um Bowie quase epiléptico repetindo sem parar “Where the fuck did Monday go?”.
E assim, Blackstar já soa como um disco maior do que The Next Day. Claro, é outra proposta, mas o trabalho novo parece menos preocupado com o mercado (músicas longas, poucas faixas, menos “amigável”) e mais focado no que Bowie realmente quer dizer. E, ouvindo pela primeira vez, já é notável a profundidade maior das músicas.
Enfim, dizer que Bowie é experimental é chover no molhado. Ele já derrubou tantas barreiras musicais que fica difícil imaginar o que ele ainda vai fazer. E o mais legal de Blackstar é justamente isso: é visualizar um ícone da música pop aos 69 anos de idade, ainda trazendo ideias tão inovadoras quanto às que tinha 40 anos atrás, ao lado de uma banda tão competente, com tanta quebradeira nos ritmos e tempos, e entregando um disco que pode muito bem ser um dos mais interessante de sua carreira.
Como diria um clássico anúncio feito para divulgar o disco Heroes, de 1977: There´s old wave. There´s new wave. And there´s Bowie.