Quando o Übermensch se aproxima da sua sexta faixa, “TAKE ME”, é bem provável que fãs e incrédulos já tenham se rendido a elasticidade excêntrica do novo álbum de G-Dragon - mas dificilmente qualquer ouvinte estará preparado para o que vem a seguir. Continuação da parceria com o produtor alemão Boys Noize, que também assina a canção anterior, “IBELONGIIU”, “TAKE ME” espertamente tira as guitarras disco que assombravam os fundos dos sintetizadores graves da antecessora - ela mesma um dream pop delicioso em que G-D professa que “desde a primeira vez que te conheci, sabia que pertencia a você” - e dá a elas o holofote indisputado da canção.
O resultado, com a adição de uma percussão eletrônica techno e uma linha de baixo que vai acelerando conforme nos aproximamos do refrão, não pode ser descrito de outra forma senão como um milagre pop. Conforme o tom esganiçado de G-Dragon vai se estendendo por mais uma declaração de amor desavergonhada - “me leve, eu sou seu!” - e admoestações desesperadamente alongadas de “babyyyyy”, na dicção distorcida inconfundível do cantor, “TAKE ME” deságua em um solo de guitarra ardido e um pós-refrão viajante que leva o Übermensch a novas alturas musicais e sagra este novo álbum como um retorno à altura do título que costuma se dar ao seu autor: o rei do k-pop.
E é a imprevisibilidade da música que ele faz, no fim das contas, que sagra essa majestade. Übermensch, no entanto,começa com “HOME SWEET HOME”, única faixa do disco remanescente da era de G-Dragon na YG Entertainment (ele deixou a gigante sul-coreana, sua casa desde os anos iniciais do BIGBANG, em 2023). Com o dedo do onipresente Teddy Park na composição, nome por trás de muitos hits do BIGBANG e do BLACKPINK, ela é a canção do Übermensch que mais subscreve àquela noção de G-D como astro do eletrônico áspero e industrial - não é à toa que a produção lembre um pouco o hit “Crooked”, da escolha de sintetizadores ao uso do registro mais rasgado do rapper.
“HOME SWEET HOME” é uma boa canção, claro, até pelos ganchos melódicos inventivos dos synths agudos do refrão e pelo valor nostálgico de colocar G-Dragon para cantar com Taeyang e Daesung mais uma vez - a reunião dos companheiros de grupo no ano passado, para a única performance ao vivo da canção, tem aquela aura de momento histórico -, mas difícil argumentar que ela representa bem o álbum. O que se vê a seguir, por outro lado, é um mega-astro que segue com o pique raro de fazer uma revolução por minuto… ou, pelo menos, uma por faixa.
“POWER” introduz um G-D eloquente com seus sopros espessos que lembram o R&B dos anos 2000 (Beyoncé os utilizaria sem titubear no Dangerously in Love), seu refrão estupidamente grudento e seus versos raivosos e referenciais, retrato honesto de um artista que tem consciência da própria obsolescência, mas se recusa a aceitá-la; em “DRAMA”, coescrita por Diane Warren, o artista parece querer provar a expressividade de seu timbre fragmentado diante de uma melodia imponente e melancólica, assumindo a produção sozinho para entender os filtros e recortes instrumentais que o ajudam nessa missão; e “BONAMANA” dobra a aposta com o seu violão climático e sua melodia sombria à la Nirvana (“Where Did You Sleep Last Night?”) ou Leonard Cohen (“You Want it Darker”).
A mensagem poderia ser, é claro, simplesmente que G-Dragon pode fazer tudo - mas ele não é esse tipo de artista, tampouco. Conforme Übermensch vai se aproximando de seu fim com os sintetizadores e corais recortados da ótima “GYRO-DROP”, ele emerge como um álbum enganosamente romântico. E romântico não só no sentido de conter declarações de amor e desejo cheias de abandono, sem mácula do cinismo ou da dificuldade expressiva que marcam as canções de amor da nova geração, mas também por ver a arte como um espaço de expressão irreprimido por gêneros, convenções e expectativas.
Batizado em homenagem à palavra alemã para “super-homem”, usada por Friedrich Nietzsche para definir o ser humano que escolhe o caminho menos confortável para viver sua verdade, Übermenesch é uma declaração de singularidade em um mundo dado a aglomerar-nos no plural, ao custo de traços da nossa identidade. Pudera: G-Dragon sabe que só se tornou “rei do k-pop” porque não há ninguém exatamente como ele - abrir mão disso não seria só tremendamente improdutivo, do ponto de vista comercial, mas também uma verdadeira tragédia artística. Por ora, ainda bem, dá para encher a boca para dizer "vida longa ao rei".
Übermensch
G-Dragon
Ano: 2025
Produção: G-Dragon