Manowar: reis do metal, deuses da controvérsia ou apenas uma piada sem graça?

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Manowar: reis do metal, deuses da controvérsia ou apenas uma piada sem graça?

Nos anos 80, quando o metal era injustamente menosprezado, incompreendido e por vezes, ridicularizado, foi bom ter alguém levantando a voz (e que voz, hein Eric Adams?)

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12 min de leitura
18.05.2023, às 17H32.
Atualizada em 18.05.2023, ÀS 17H57

Texto por: Daniel Dystyler, do Wikimetal

Não são poucas as bandas de heavy metal lendárias, aquelas que entraram no Olimpo do Metal, que seguiram uma trajetória mais ou menos parecida, percorrendo o mesmo caminho: Lançaram seus primeiros álbuns beirando a perfeição, e por conta disso atingiram o status de banda eterna. E na sequência lançaram vários outros discos que não alcançaram o mesmo nível dos discos iniciais, ditos “perfeitos”.

É o caso do Iron Maiden, que lançou logo de cara, 7 obras-primas: Iron Maiden (1980), Killers (1981), The Number of the Beast (1982), Piece of Mind, (1983), Powerslave (1984), Somewhere In Time (1986) e Seventh Son of a Seventh Son (1988).

Além de perfeitos, impressiona também a capacidade criativa da banda de lançar jóias desse quilate, praticamente todo ano, sem descanso (no caso do Maiden, o "intervalo" de 1985 serviu para lançar um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos, o Live After Death).

E isso não é exclusividade da Donzela de Ferro. É o mesmo caminho percorrido por exemplo pelo Metallica, do Kill 'Em All (1983) ao Black Album (1991), passando pelo Ride The Lightning (1984), Master of Puppets (1986) e ...And Justice For All (1988) - alguns dirão que a fase de ouro foi somente até o Master ou And Justice, o que dá uma ótima discussão. Assim como outros dirão que a fase de ouro do Maiden continuou até o Fear of the Dark. Um debate válido.

Mas independente de quais discos cada fã considera "perfeitos", o ponto é que indubitavelmente, essas grandes bandas da História lançaram discos incríveis no começo de suas carreiras. AC/DC, Anthrax, Black Sabbath, Judas Priest, Kiss, Queensrÿche, Megadeth e muitas outras são exemplos de bandas que trilharam o mesmo caminho. Talvez um ou outro disco "menos perfeito", mas no geral, obras-primas no início das carreiras que as elevaram ao posto de imortais.

A polêmica: Eu acho que o Manowar entra nessa lista. Porém, com uma grande ressalva - que é o ponto desse texto.

Manowar iniciou sua carreira com 5 discos praticamente perfeitos. Claro que cada um tem suas preferências musicais, mas eu acho que Battle Hymns (1982), Into Glory Ride (1983), Hail To England (1984), Sign of the Hammer (1985) e Fighting the World (1987) são discos perfeitos. Ou quase. De quebra, a banda revelou um dos maiores vocalistas de heavy metal de todos os tempos, o que convenhamos, não é pouca coisa. Pra mim, Eric Adams em seu auge, jogava na mesma divisão que os deuses Bruce Dickinson, Geoff Tate, Ian Gillan, Michael Kiske, Rob Halford, Robert Plant e Ronnie James Dio.

Nessa época, o Manowar ainda conseguiu a proeza de criar uma balada épica, que se afastou do lugar comum das baladas típicas e melosas do metal (alô, Scorpions, Whitesnake e outros) em "Mountains", do álbum Sign of the Hammer.

A banda também inovou ao incluir narrações em algumas canções, contando com atores famosos do porte de um Orson Welles em "Defender", do álbum Fighting The World, ou Brian Blessed em “The Warriors Prayer”, do disco Kings of Metal (1988), ou Christopher Lee, anos depois na regravação do Battle Hymns.

Bem.. Então está tudo certo, né? Tal qual Maiden, Metallica, Queensrÿche e outros, o Manowar começou sua carreira muito bem, com discos perfeitos e depois decaiu, como aconteceu com tantas outras bandas. Nada diferente, certo?

Errado. Tem um abismo de diferenças que vamos tratar aqui.

Sim, o Manowar caiu em termos de qualidade de seus discos. Mas isso é o de menos. Tão de menos que eu ainda defendo que o oitavo disco da banda, Louder Than Hell (1996) poderia entrar na lista de discos antológicos e perfeitos.

Mas independentemente do som, o ponto é que a banda virou uma caricatura de si mesma, datada, sexista, defendendo bandeiras desatualizadas. E pior: repetindo a mesma piada por mais de 30 anos. Por mais legal e engraçada que seja, uma piada repetida várias vezes acaba perdendo a graça, né?

E percebam: Para qualquer banda que tenha uma longevidade da ordem de 20, 30, 40 anos, é normal que existam bolas fora, erros, equívocos, repetições e arrependimentos. Normal, acontece. Mas acumular diversas pisadas na bola, na mesma biografia, chama a atenção. Vejamos, então porque a banda se tornou essa caricatura de si mesma.

DEATH TO FALSE METAL

O Manowar sempre se apoiou num discurso que era um mantra. Quase beirava uma religião. A religião do Metal. Em “Metal Warriors” e em diversas outras músicas, a banda afirma "se você não gosta de metal, você não é meu amigo", o que sumariza a posição e defesa que a banda sempre fez do heavy metal. Morte ao falso metal!

Pois bem, o que isso tem de errado? Nada.

Ao menos, não tinha nada de errado nos anos 1980, quando o metal era um "jovem entrante no mercado" brigando por espaço e sendo constante e injustamente menosprezado, incompreendido e por vezes, ridicularizado. Chamado de um tipo inferior de música, foi muito legal ter alguém levantando a voz para defender o metal (e que voz, hein Eric Adams?). Alguém brigando por nós. 

Essa defesa da bandeira do metal está espalhada por toda a discografia do Manowar. De "Battle Hymn" a "Warriors of the World United"; de "Fighting the World" a "Brothers of Metal"; de "The Gods Made Heavy Metal" a "Number 1."

E essa “luta pelo metal”, não era exclusividade do Manowar. Era algo que os anos 1980 exigiam e inúmeras bandas atenderam ao chamado. O Anthrax com “Metal Thrashin’ Mad”, o Dio com “We Rock”, o Metallica com “Whiplash”, “Hit the Lights”, “Motorbreath” e “Metal Militia” (todas do Kill ‘Em All). No Brasil, o Korzus com “Guerreiros do Metal” e o próprio VIPER com “Soldiers of Sunrise”, só pra citar alguns exemplos.

Muito legal essa defesa do metal. Por algum tempo, por alguns anos... Mas esse mesmo tema por... ahm... 40 anos? Já deu, né? Passou... O metal não é mais o intruso indesejado. Enquanto todas as outras bandas evoluíram para outros temas, discursos e bandeiras, o Manowar parece que se afundou ainda mais nessa luta. Eles seguem lutando, só que contra moinhos de vento, contra inimigos inexistentes. O mundo mudou, os tempos mudaram, o heavy metal mudou, e principalmente, o público do metal mudou. Mas Joey DeMaio, Eric Adams e quem for o baterista e guitarrista da vez seguem convocando os fãs para batalhas inócuas e vazias.

E se esse fosse o único problema, acho que estaria tudo certo. Seria apenas uma banda meio datada, boba, e tudo bem. Mas tem mais.

O FINAL MANOWAR

Ainda na linha da estrutura musical, não vou dizer que o Manowar inventou, mas sem dúvida, eles levaram para outro patamar o final grandioso e épico das músicas, criando até um jargão: O “Final Manowar”. Nas bandas que eu toco com uns amigos, sempre falamos “nessa música vamos fazer um final Manowar”, significando aquele momento que antes de terminar a nota final, cria-se uma nota de tensão que deve demorar alguns segundos, para ser resolvida na nota final, com bateria, guitarra, baixo e (se é pra exagerar, por que não?) o vocal, destruindo tudo até o final apoteótico.

O próprio Metallica, usa isso até hoje no final ao vivo de “Enter Sandman.” E isso é uma coisa bem legal, se usada com sabedoria e moderação. Vejam o final da clássica música do Manowar, “Thor (The Powerhead)”, na qual, entre outras coisas, temos um agudo de Eric Adams que dura mais de 30 segundos - e que ao vivo ele conseguia entregar exatamente igual. Demais, né? Ao menos pros anos 1980, era.

Mas sabe o lance da mesma piada que cansa? Ainda mais se além de repetir, a piada vai sendo esticada e demorada cada vez mais. O final de “Blood of the Kings”, que encerra o sexto álbum da banda, Kings of Metal, chega a ser engraçado de tão exagerado:

A música (bem legal por sinal, na minha opinião - Manowar clássico na veia) vai bem até os 4’ 30” quando ela termina. Ou deveria terminar. Mas não acaba de fato, porque falta só essa resolução para a nota final. E quanto tempo leva até essa nota se resolver? Pasmem, vamos até os 7’ 29”... Sim! Não estou exagerando: São mais 3 minutos só pra resolver a nota final. 3 minutos de “Final Manowar”. E o pior: Não resolve!!! Depois de 3 minutos de angústia pela nota final, vem um fade que vai abaixando… É legal? Pode até ser. Quando você ouve as primeiras vezes. Depois, sinceramente, vamos pra próxima música porque a piada envelheceu.

GIRLS, GIRLS, GIRLS

Outra coisa que não envelheceu bem é o aspecto sexista e misógino de algumas músicas do Manowar. Embora sejam uma minoria, existem músicas baseadas puramente na objetificação sexual das mulheres para glorificação masculina, como é o caso de “Pleasure Slave” do Kings of Metal. Isso sem contar nos diversos shows onde mulheres eram trazidas ao palco com o único objetivo de ficarem nuas, culminando com uma enorme confusão que aconteceu no show de 2010 no extinto Credicard Hall em São Paulo, envolvendo a censura do show.

E OUTRAS “COISINHAS”

Como polêmica pouca é bobagem, nesse mesmo show de 2010, depois de 12 anos sem pisar no Brasil, o Manowar decidiu fazer um show de mais de 2 horas de duração sem nem uma música dos primeiros 8 álbuns da banda. Vou repetir: Nem uma única música dos primeiros 20 anos de carreira, os melhores da banda, foi tocada para os fãs que esperaram mais de uma década para ver os supostos guerreiros do metal.

Eu entendo uma banda querer mostrar o material novo. Entendo também a banda querer tocar o novo disco na íntegra, como o Iron Maiden fez na tour do A Matter of Life and Death (2006). Mas pra isso serve o BIS. Volta e toca 2 ou 3 clássicos e manda o povo feliz pra casa. Mas não tocar nem uma mísera música famosa, é mandar algum recado pros fãs. Não sei bem qual é esse recado, mas me parece uma provocação. Tanto que a reação de muitos fãs, na saída desse show de 2010, foi rasgar e queimar camisetas da banda.

Essas "coisinhas" que o Manowar faz, parece ter como único intuito provocar os fãs. Assim como foi a decisão de aumentar o volume desproporcionalmente, a ponto do som ficar tão distorcido quanto irreconhecível. É isso que aconteceu cinco anos depois, no Monsters of Rock de 2015, quando a banda retornou depois do fiasco de 2010. Estive lá nos 2 dias, e o único show que não deu pra ouvir, de tão alto, foi o do Manowar.

Por que? Claro, pra poder dizer que eles são a banda mais alta do mundo, que inclusive estão no Livro Guinness dos Recordes. De novo, uma piada que já perdeu a graça. O preço pra poder fazer essa piada, é o desperdício de mais um show deles no Brasil.

Mas sem dúvida, a cereja do bolo, veio com a acusação de pedofilia e consequente prisão do guitarrista Karl Logan por posse de material pornográfico de meninas de 4 a 12 anos. A banda de fato, não tem culpa e nem controle sobre o que um determinado integrante decide fazer em sua vida privada (considerando que ele o fez de forma oculta, sem o conhecimento dos outros membros). Mas a curta nota que a banda emitiu, apenas dizendo que “o guitarrista foi afastado e a tour segue normalmente”, me parece muito pouco frente a gravidade do crime cometido.

RESUMINDO

O jornalista canadense Martin Popoff, que escreveu mais de 20 livros sobre heavy metal, afirma que “Manowar é uma filosofia que tenta conectar descrentes do metal, mas ​​que cai no ridículo quando é colocada sob um escrutínio mais sério.

Eu concordo com ele, mas embora essa “filosofia Manowar” (como se refere Popoff) tenha feito a banda carregar essa chancela de ser uma “piada” - afinal fizeram por merecer o título por tudo citado aqui - ao menos durante os anos 80, defender o metal através de músicas inovadoras para época, em um tempo que o metal precisava ser defendido, parece compensar os exageros meio ridículos da banda.  

Se nos dias de hoje, conviver com esses exageros segue compensando (se ainda vale a pena seguir ouvindo os clássicos da banda ou até mesmo ir assistir a um show - eles vem ao Brasil em setembro - apesar de todos os problemas que a banda traz consigo) é uma pergunta que cada headbanger deve responder por si.

Quanto a mim, provavelmente estarei lá para prestigiar uma banda que apesar de tudo, prestou um serviço importante ao heavy metal nos anos 80 quando o metal precisou. E quem quiser pode me procurar no show para conversar mais sobre erros e acertos de uma banda tão controversa. Claro, estaremos com uma cerveja em uma mão e empunhando a espada na outra, pela honra de Thor, Odin e pelo sangue de nossos inimigos abençoados pelo aço, metal e fogo, para entrarmos em Valhalla mais uma vez pela glória eterna, ao som de hinos de batalhas.

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Wikimetal Recomenda: Hurricanes - Purple Clouds

Divulgação. Arte: Wikimeta

A banda Hurricanes lançou recentemente o single “Purple Clouds” via ForMusic Records. A faixa estará presente no primeiro álbum do grupo que tem previsão de estreia ainda para 2023.

“Purple Clouds” traz a essência do blues e rock dos anos 70 combinada com a sonoridade contemporânea. O videoclipe mostra imagens da gravação no estúdio.

“Foi uma das primeiras músicas escritas por mim e pelo vocalista Rodrigo Cezimbra, logo quando chegamos em São Paulo em 2018. Até então ela só havia sido lançada em uma live session mais crua. Essa versão mais completa conta com Jimmy Pappon no hammond e Júlia Danesi e Lucille Berce nos backing vocals, além de uma produção mais refinada!” revelou o guitarrista Leo Mayer.

PARA OUVIR

Hugo Mariutti

Hugo Mariutti

Divulgação

O ex-guitarrista do Shaman e produtor musical Hugo Mariutti lançou seu novo single solo “Ghosts”. A faixa é a música de abertura de seu novo disco solo, The Last Dance, que será disponibilizado em 15/06 pelo selo ForMusic Records.

Musicalmente, a faixa segue a sonoridade que Mariutti vem construindo na carreira solo, que conta também com o single “Too Late”; o músico cita influência das bandas do pós-punk inglês, se distinguindo do heavy metal pelo qual ele é conhecido.

O álbum The Last Dance será o primeiro de Mariutti desde que o fim do Shaman foi anunciado, no começo do ano. O disco sucede A Blank Sheet of Paper (2014) e For a Simple Rainy Day (2017), e conta com 10 faixas inéditas.

O terceiro álbum de Hugo, com previsão de lançamento para início de junho, deve contar também com o single “Blur”, divulgado em fevereiro. “Tento evoluir em cada projeto”, disse o guitarrista. “As composições desse trabalho estavam fora da minha zona de conforto para cantar. Ao invés de adaptá-las, mantive os tons originais para passar maior emoção. Precisei então treinar bastante”.

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