Música

Artigo

Planeta Terra 2009

Festival escancara abismo entre clássicos e modernidades

09.11.2009, às 00H00.
Atualizada em 21.03.2017, ÀS 04H01

A edição 2009 do Planeta Terra, que este ano ocupou o velho Playcenter paulistano, pode ser dividido em dois festivais distintos, com um abismo entre eles. De um lado, longe do Carrinho Bate-Bate, nomes clássicos do rock gringo explicaram porque ainda estão na ativa. No outro palco, depois da casa da Monga e perto do Castelo dos Horrores, ficaram as bandas cool que talvez não resistam aos próximos verões. Quem ficou para a história versus quem será atropelado por ela. E, entre feridos pela truculência da segurança local, a vitória da experiência foi folgada.

Sem grandes músicos no horário nobre (além do DJ Zegon, metade da dupla N.A.S.A, que dominou o encerramento do evento), o time nacional ficou restrito às bandas emergentes. Ainda cedo, os brasilienses dos Móveis Coloniais de Acajú garantiram o troféu de destaque nacional, ao lado do Copacabana Club, de Curitiba, que tocaria mais tarde. Os Móveis, liderados por um vocalista de fôlego incansável e uma parede de sopro engajada, vem se colocando como um dos melhores nomes nacionais ao vivo. Efeito semelhante ao quinteto curitibano e seu festeiro rock indie, levado pela voz e figura simpática da minimusa Camila Cornelsen. Do Brasil tocaram também o poderoso instrumental do Macaco Bong e a estreante Ex!.

Planeta Terra 2009

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Esquentando

Primeira banda internacional a se apresentar, ainda com o sol de horário de verão a pino, o Maxïmo Park tomou o palco em show esforçado. Filhotes do pós punk britânico, o quinteto tem uma bagagem de hits bacanas - como "Graffiti" e "Russian Literature", dos dois primeiros e melhores álbuns, que abriram a apresentação - um tecladista talentoso (Lukas Wooller) e o bom e sorridente vocalista, Paul Smith, que não escondia a vontade de abraçar cada um da meia dúzia de fãs na platéia. Mas foi um show de pouco tempero, que não conseguiu conquistar o público fascinado pela entrada gratuita na montanha russa.

Melhor resultado conseguiu o também inglês Patrick Wolf, que abriu o trio gringo de novas bandas no palco indie. Pouco conhecido por aqui, de figura andrógina e figurino exagerado, Wolf desafia os rótulos que coleciona. Mistura sua performance flamboyant à voz poderosa (que, ao vivo, lembra Antony Hegarty). Sua música tem folk, violinos e barroquismos sonoros, mas também ganha guitarras do hard rock farofa oitentista e a companhia de citações de Shakira, Björk e Madonna.

Bem-humorado, declarando amor incondicional pelos brasileiros, Wolf fez a grande apresentação da noite por ali. No repertório, faixas de The Bachelor, lançado este ano, aliadas a grandes canções dos seus outros três discos, como "Tristan", "Bloodbeat" e "Magic Position" - esta última com o cantor já no seu terceiro figurino, travestido de anjo.

Abençoado pela sua inteligência pop, Patrick se deu muito melhor que os seus vizinhos de palco. Grande representante do pop dançante e descartável, a dupla The Ting Tings trouxe dois ou três hits de We Started Nothing, lançado em 2008. Um pouco mais consistentes, o quarteto Metronomy conquistou a platéia moderninha com seu electropop animado. Mas a concorrência de horários com Sonic Youth e Iggy Pop acabaram com os holofotes das duas bandas. Talvez na próxima viagem, em um ambiente melhor, eles ganhem mais moral.

Explodindo

Apesar da extensa programação, a noite só esquentou mesmo às 22h. Foi aí que o festival começou de verdade, sob a chuva, com Kim Gordon e Thurston Moore gritando em "Anti-orgasm", ótima faixa de The Eternal, álbum que o Sonic Youth lançou este ano.

Com novo disco e novo integrante - o ex-Pavement Mark Ibold assumiu o posto de Jim O'Rourke -, os veteranos passaram uma hora e meia sobre o palco, cozinhando uma compensação barulhenta para a desperdiçada apresentação de 2005 no Claro que é rock. E, no meio do caminho, colocaram no bolso todo o resto do festival.

Kim Gordon, de vestido metalizado e com seus quase sessenta anos transparecendo na voz, foi a estrela da noite. Dançou charmosa em "Jams Run Free", conquistou todo mundo ao cantar "Calming the Snake" e alternou o baixo com Ibold para emparedar as três guitarras com Moore e Lee Ranaldo mais a bateria potente de Steve Shelley em longas jams distorcidas que fizeram a alegria dos fãs.

O repertório, basicamente focado no bom The Eternal, ganhou companhia de alguns clássicos dos anos 1980, como "Hey Joni" e "Death Valley '69", que encerrou a irretocável apresentação.

Mais memorável, por sinal, que a porção do Primal Scream, que aconteceu logo antes. Embalados pelas imagens politizadas nos telões, os escoceses fizeram um show que em nada lembrou a última passagem da banda por aqui, em 2004.

Com olhar perdido e cara de enfezado, Bobby Gillespie liderou um show desconectado, como que para cumprir protocolo, sob vários problemas na mesa de som - o vocalista chegou a parar a apresentação algumas vezes por conta de falhas na mixagem. Mas ainda assim os fãs ganharam, ao vivo, uma seleção de grandes hits - "Swastika Eyes", "Movin' on Up", "Rocks" - com faixas de Beatiful Future, de 2008.

Se Gillespie não fez história, Iggy Pop encerrou a noite mostrando, em primeira mão, o show que deve ganhar as manchetes dos jornais lá fora em 2010. Tudo por conta da reforma dos Stooges sem Ron Asheton (morto no começo deste ano) e tirando o clássico guitarrista James Wiliiamson do anonimato.

Parceiro de Iggy nos anos 70, Williamson tem importância fundamental na história do punk, ao ajudar a formatar o som das gravações do cantor na época da gravação de Raw Power, em 1973, e passou os últimos 30 anos longe dos palcos. E é este disco e seu retorno os motes da turnê de Iggy and The Stooges no ano que vem, que veio sendo ensaiada em segredo antes de apresentação brasileira.

Iggy Pop, apesar de ter acabado de lançar um álbum em que canta "Insensatez", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, apareceu mais endemoniado do que em 2005. Tentando esconder a falta de fôlego dos seus bem gastos 62 anos, o americano berrou e dançou o tempo inteiro, ao ponto de sair carregado pelos segurança no final.

Raw Power conduziu boa parte do show, com a banda repaginando clássicos máximos do disco (como "Search and Destroy", "Death Trip" e "Gimme Danger") ao lado de outras gravações dos Stooges ("1970", "Fun House" e "I Wanna Be Your Dog"). Até "Johanna", do obscuro Kill City, gravado por Iggy e Williamson logo após o final dos grupo, em 1975, apareceu no repertório.

Williamson, voltando a pisar no palco como um velho ícone do punk, estava visivelmente nervoso com sua guitarra e ainda deve demorar a se reacostumar com os holofotes. Nesse meio tempo, lá está Iggy, sem camisa e com a calça quase no meio das coxas, arrumando as confusões de sempre.

Tanto que arrastou dezenas de fãs para o palco no meio do show, gerando pancadaria entre público, seguranças e fotógrafos que cobriam o evento. A briga deve gerar muito assunto ainda pelas próximas semanas por aqui, enquanto Iggy continua fazendo seu papel de glorioso punk babão. E rindo da cara de todo mundo.

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