A edição 2009 do Planeta Terra,
que este ano ocupou o velho Playcenter paulistano, pode ser dividido
em dois festivais distintos, com um abismo entre eles. De um lado, longe
do Carrinho Bate-Bate, nomes clássicos do rock gringo explicaram porque
ainda estão na ativa. No outro palco, depois da casa da Monga e perto
do Castelo dos Horrores, ficaram as bandas cool que talvez não
resistam aos próximos verões. Quem ficou para a história versus
quem será atropelado por ela. E, entre feridos pela truculência da
segurança local, a vitória da experiência foi folgada.
Sem grandes músicos no horário
nobre (além do DJ Zegon, metade da dupla N.A.S.A, que dominou
o encerramento do evento), o time nacional ficou restrito às bandas
emergentes. Ainda cedo, os brasilienses dos Móveis Coloniais de
Acajú garantiram o troféu de destaque nacional, ao lado do
Copacabana Club, de Curitiba, que tocaria mais tarde. Os Móveis,
liderados por um vocalista de fôlego incansável e uma parede de sopro
engajada, vem se colocando como um dos melhores nomes nacionais ao vivo.
Efeito semelhante ao quinteto curitibano e seu festeiro rock indie,
levado pela voz e figura simpática da minimusa Camila Cornelsen. Do
Brasil tocaram também o poderoso instrumental do Macaco Bong
e a estreante Ex!.
Planeta Terra 2009
Esquentando
Primeira banda internacional a se
apresentar, ainda com o sol de horário de verão a pino, o Maxïmo
Park tomou o palco em show esforçado. Filhotes do pós punk britânico,
o quinteto tem uma bagagem de hits bacanas - como "Graffiti"
e "Russian Literature", dos dois primeiros e melhores álbuns,
que abriram a apresentação - um tecladista talentoso (Lukas Wooller)
e o bom e sorridente vocalista, Paul Smith, que não escondia
a vontade de abraçar cada um da meia dúzia de fãs na platéia. Mas
foi um show de pouco tempero, que não conseguiu conquistar o público
fascinado pela entrada gratuita na montanha russa.
Melhor resultado conseguiu o também inglês
Patrick Wolf, que abriu o trio gringo de novas bandas no palco indie.
Pouco conhecido por aqui, de figura andrógina e figurino exagerado,
Wolf desafia os rótulos que coleciona. Mistura sua performance flamboyant
à voz poderosa (que, ao vivo, lembra Antony Hegarty). Sua música
tem folk, violinos e barroquismos sonoros, mas também ganha guitarras
do hard rock farofa oitentista e a companhia de citações de Shakira,
Björk e Madonna.
Bem-humorado, declarando amor incondicional pelos brasileiros, Wolf fez a grande apresentação da noite por ali. No repertório, faixas de The Bachelor, lançado este ano, aliadas a grandes canções dos seus outros três discos, como "Tristan", "Bloodbeat" e "Magic Position" - esta última com o cantor já no seu terceiro figurino, travestido de anjo.
Abençoado pela sua inteligência
pop, Patrick se deu muito melhor que os seus vizinhos de palco. Grande
representante do pop dançante e descartável, a dupla The Ting Tings trouxe dois ou três hits de We Started Nothing, lançado em
2008. Um pouco mais consistentes, o quarteto Metronomy conquistou
a platéia moderninha com seu electropop animado. Mas a concorrência
de horários com Sonic Youth e Iggy Pop acabaram com os holofotes das
duas bandas. Talvez na próxima viagem, em um ambiente melhor, eles
ganhem mais moral.
Explodindo
Apesar da extensa programação,
a noite só esquentou mesmo às 22h. Foi aí que o festival começou
de verdade, sob a chuva, com Kim Gordon e Thurston Moore gritando em "Anti-orgasm", ótima faixa de The Eternal,
álbum que o Sonic Youth lançou este ano.
Com novo disco e novo integrante
- o ex-Pavement Mark Ibold assumiu o posto de Jim O'Rourke
-, os veteranos passaram uma hora e meia sobre o palco, cozinhando uma
compensação barulhenta para a desperdiçada apresentação de 2005
no Claro que é rock. E, no meio do caminho, colocaram no bolso todo
o resto do festival.
Kim Gordon, de vestido metalizado
e com seus quase sessenta anos transparecendo na voz, foi a estrela
da noite. Dançou charmosa em "Jams Run Free", conquistou
todo mundo ao cantar "Calming the Snake" e alternou o baixo
com Ibold para emparedar as três guitarras com Moore e Lee Ranaldo
mais a bateria potente de Steve Shelley em longas jams distorcidas
que fizeram a alegria dos fãs.
O repertório, basicamente focado
no bom The Eternal, ganhou companhia de alguns clássicos dos
anos 1980, como "Hey Joni" e "Death Valley '69",
que encerrou a irretocável apresentação.
Mais memorável, por sinal, que a
porção do Primal Scream, que aconteceu logo antes. Embalados
pelas imagens politizadas nos telões, os escoceses fizeram um show
que em nada lembrou a última passagem da banda por aqui, em 2004.
Com olhar perdido e cara de enfezado,
Bobby Gillespie liderou um show desconectado, como que para cumprir
protocolo, sob vários problemas na mesa de som - o vocalista chegou
a parar a apresentação algumas vezes por conta de falhas na mixagem.
Mas ainda assim os fãs ganharam, ao vivo, uma seleção de grandes
hits - "Swastika Eyes", "Movin' on Up", "Rocks"
- com faixas de Beatiful Future, de 2008.
Se Gillespie não fez história,
Iggy Pop encerrou a noite mostrando, em primeira mão, o show que
deve ganhar as manchetes dos jornais lá fora em 2010. Tudo por conta
da reforma dos Stooges sem Ron Asheton (morto no começo
deste ano) e tirando o clássico guitarrista James Wiliiamson
do anonimato.
Parceiro de Iggy nos anos 70, Williamson
tem importância fundamental na história do punk, ao ajudar a formatar
o som das gravações do cantor na época da gravação de Raw Power,
em 1973, e passou os últimos 30 anos longe dos palcos. E é este disco
e seu retorno os motes da turnê de Iggy and The Stooges no ano
que vem, que veio sendo ensaiada em segredo antes de apresentação
brasileira.
Iggy Pop, apesar de ter acabado de
lançar um álbum em que canta "Insensatez", de Tom Jobim
e Vinícius de Moraes, apareceu mais endemoniado do que em 2005. Tentando
esconder a falta de fôlego dos seus bem gastos 62 anos, o americano
berrou e dançou o tempo inteiro, ao ponto de sair carregado pelos segurança
no final.
Raw Power conduziu boa parte
do show, com a banda repaginando clássicos máximos do disco (como
"Search and Destroy", "Death Trip" e "Gimme
Danger") ao lado de outras gravações dos Stooges ("1970",
"Fun House" e "I Wanna Be Your Dog"). Até "Johanna",
do obscuro Kill City, gravado por Iggy e Williamson logo após
o final dos grupo, em 1975, apareceu no repertório.
Williamson, voltando a pisar no palco
como um velho ícone do punk, estava visivelmente nervoso com sua guitarra
e ainda deve demorar a se reacostumar com os holofotes. Nesse meio tempo,
lá está Iggy, sem camisa e com a calça quase no meio das coxas, arrumando
as confusões de sempre.
Tanto que arrastou dezenas de fãs para o palco no meio do show, gerando pancadaria entre público, seguranças e fotógrafos que cobriam o evento. A briga deve gerar muito assunto ainda pelas próximas semanas por aqui, enquanto Iggy continua fazendo seu papel de glorioso punk babão. E rindo da cara de todo mundo.