Esta semana o mundo da música balançou com o lançamento de uma faixa e um clipe: “This Is America”, novo single do Childish Gambino. A novidade dominou manchetes e conversas, e por mais que o nome do músico esteja sempre pipocando por aí, e já tenha arrecadado algumas indicações ao Grammy, tem muita gente que ainda não sabe; quem raios é Childish Gambino?
Começando pelo mais fácil, Childish Gambino é o nome artístico de Donald Glover, ator conhecido por seus papeis em Community, Atlanta, e no futuro Han Solo: Uma Aventura Star Wars, onde interpretará a versão jovem de Lando Carlissian. Muito antes de ser um dos nomes mais aclamados da TV e da música, Glover, que nasceu na Califórnia, era um estudante na NYU, quando chegou ao radar de Tina Fey e foi contratado para escrever para a série 30 Rock. Depois de três temporadas como roteirista, em 2009 Glover passou a atuar em Community, onde ficou por cinco temporadas, e saiu em 2014. Depois de alguns filmes, em 2016 Glover criou a série Atlanta, onde escreve, ocasionalmente dirige, produz e atua.
Mas a carreira de Donald Glover nas telas não é o tema principal quando se fala de Childish Gambino. Tratado quase como uma outra personalidade, a faceta musical de Glover teve início em 2002, ano em que gravou a mixtape The Younger I Get, que hoje é criticada pelo próprio compositor. Mas foi em 2008 que Glover começou a produzir e compôr sob o nome Childish Gambino, apelido criado a partir de uma ferramenta online que gera nomes inspirados no grupo Wu-Tang Clan. Em entrevista ao Laist na época, Glover explicou que começou a usar o nome diferente para se afastar da carreira como comediante: “Eu não gostaria que as pessoas achassem que as músicas eram uma piada, mas elas acharam isso mesmo assim”.
Childish Gambino se tornou uma personalidade à parte, sob a qual o músico começou a lançar mixtapes: Sick Boi (2008), Poindexter (2009) e dois EPs intitulados I Am Just A Rapper, de 2010, foram o início da deslanchada musical de Gambino, que começou a ser aclamado musicalmente em 2010, com a mixtape Culdesac. O lançamento marcou a parceria do rapper com o compositor Ludwig Göransson, quem conheceu durante as gravações de Community e se tornaria seu produtor em todos os lançamentos até hoje. A parceria com Göransson elevou a sonoridade de Gambino, que marcou sucessos com o seu primeiro EP - intitulado simplesmente EP – trazendo o seu primeiro single mais conhecido de modo geral, “Freaks and Geeks”, que ganhou um aclamado clipe dirigido por Dan Eckman.
Pouco tempo depois, ainda em 2011, Gambino lançou o seu primeiro álbum, Camp, que chegou a posição 11 na Billboard 200. O disco foi o primeiro lançamento do rapper em uma grande gravadora, e começou a gerar uma energia enigmática ao redor do artista, principalmente pelo aclamado clipe de “Bonfire”, também dirigido por Eckman. O intenso vídeo foi rondado de discussões e teorias sobre seu significado, quase tanto quanto o recente “This Is America”. O consenso geral ao redor de “Bonfire” é que Gambino representa um fantasma que é forçado a reviver sua morte toda vez que sua história é recontada em acampamentos:
Na promoção de seu segundo álbum, Childish Gambino se aprofundou ainda mais em uma jornada misteriosa. Com o lançamento de um curta, Clapping for the Wrong Reasons, dirigido por Hiro Murai, e a divulgação de roteiro de filme como “aquecimento” para o álbum Because The Internet, Gambino abriu a deixa para ainda mais teorias por trás de seus vídeos, e conexões entre seu primeiro e segundo álbum. Because The Internet rendeu mais vídeos aclamados, com destaque para “3005”, o primeiro clipe musical em parceria com Murai, que chamou atenção principalmente pelas interpretações por trás de sua simplicidade visual. A teoria maior é que o apodrecimento do urso que acompanha o rapper em uma roda gigante representa a morte da inocência de Gambino:
O disco chegou à 7ª posição na Billboard, ganhou uma indicação de melhor álbum de rap no Grammy e contou também com grandes clipes de Murai para “Sweatpants” e "Telegraph Ave ("Oakland" By Lloyd)". Uma nova mixtape lançada em 2014, rendeu também o ótimo clipe de “Somber”. Em 2015, Gambino começou a dar dicas de seu trabalho sob este nome chegaria ao fim, falando em entrevista ao Today Show: "Childish Gambino é um período de minha vida artística, e sinto que Childish Gambino é um período que deve chegar a um fim. Eu gosto de fins”.
Neste ponto de sua carreira, Gambino já tinha colocado toda uma base de fãs à procura de significados e revirando sua videografia, e não foi por pouco. Um artigo na DJ Booth descreveu bem o mistério por trás do artista: “os fãs de Gambino já estão em um território que beira as teorias de conspiração, mas seus vídeos têm um fator em comum, que serve quase como um tema geral. Em cada um deles, há uma sensação falsa de normalidade, onde o ordinário é apenas temporal até que o paranormal se revele”.
O seu terceiro e último álbum, Awaken, My Love, lançado em dezembro de 2016, representou uma grande ruptura com sua sonoridade antiga, e foca no canto de Gambino, ao invés de rap. Com influências mais abrangentes, de funkadelic, soul e R&B, o disco chegou a 5ª posição e ganhou cinco indicações no Grammy, levando para casa o prêmio de melhor performance tradicional de R&B por “Redbone”. Awaken, My Love marcou também uma estratégia diferente de lançamento, acompanhada com um app de realidade virtual, e nenhum vídeo clipe.
No fim de 2017, Childish Gambino anunciou uma futura aposentadoria de seu trabalho musical, dizendo que o próximo álbum seria o seu último. Assustando fãs de modo geral, o rapper deu poucas notícias sobre seu futuro e se manteve enigmático por muito tempo, até o começo deste mês, quando apresentou o Saturday Night Live e tocou duas músicas novas. No mesmo dia, “This Is America” chegou ao YouTube e causou um rebuliço na internet, atingindo quase 13 milhões de visualizações em 24 horas. O rebuliço em torno do clipe e suas simbologias dominou as redes, e seus fãs continuam analisando minunciosamente cada um de seus aspectos (veja aqui os significados escondidos de "This Is America").
Agora, fãs antigos e recém convertidos aguardam notícias para um próximo lançamento, possivelmente seu último. Seja qual for a sua opinião sobre a música de Gambino, seu talento para criar discussões e dar o pontapé em debates mais do que necessários é inegável, e evidencia uma sede do público por significados maiores. Gambino está em uma crescente jornada, se tornando um dos nomes mais influentes da música, e criando novos patamares para o peso de símbolos e novos formatos de protesto. Como um artista misterioso, porém, resta saber se o mundo ainda tem muito a receber por parte do músico, ou se seu futuro reserva revoluções de nome e estilo. Como o DJ Booth bem descreveu, Gambino é hoje “um herói esquisito nos salvando do tédio ordinário. Ele não é mais um ator que se tornou rapper, ele é um artista atingindo o pico de sua criatividade”.