Abrir a Netflix e dar play em Stranger Things pela primeira vez traz uma experiência curiosa: letras vermelho-neon com fonte das obras de Stephen King pulsam ao ritmo de um sintetizador. A trilha traz a sensação de algo saído da década de 1980 ao mesmo tempo que soa único e inovador. Isso não acontece por acaso, e um gênero musical inteiro se baseia nesse conceito.
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O trabalho dos compositores Kyle Dixon e Michael Stein - da banda S U R V I V E - faz parte de algo maior, popularmente chamado de Synthwave, ou então Retrowave e Outrun. Independente do nome, a ideia é simples: música com forte teor nostálgico pela trilha sonora de clássicos dos anos 80. Isso significa representar metrópoles banhadas por neon, aventuras em Miami de 1984, passeios noturnos de carro pela cidade ou tensas cenas de assassinato utilizando baterias eletrônicas, sintetizadores frenéticos e ritmos viciantes. Nas palavras de Carpenter Brut, um dos principais nomes do estilo, "é basicamente música dos anos 80 que não existia nos anos 80."
O movimento é recente, fruto de uma geração de usuários de internet com amor pelos trabalhos de John Carpenter (Fuga de Nova York, Halloween) e Vangelis (Blade Runner), a cena de terror italiano, seriados como A Supermáquina (1982) e Miami Vice (1984), e também visual pixelado, colorido e apelativo e sons dos jogos de Mega Drive. As influências são fundamentais para o gênero, e estética é a palavra-chave para entendê-lo. Synthwave gira em torno de construir uma imagem exagerada dos anos 80.
Nos últimos anos, considerando a força que nostalgia oitentista ganhou na cultura popular, o Synthwave deixou os cantos obscuros da internet para ganhar o mainstream - mesmo que o público não tenha percebido logo de cara. Os minutos iniciais de Drive (2011), longa de Nicolas Winding Refn, são marcados pelo personagem de Ryan Gosling dirigindo pela cidade durante a noite ao som dos melancólicos vocais distorcidos e sintetizadores repetitivos de Kavinsky, um dos principais nomes do Retrowave. A cena, que serve como abertura, é carregada de emoção sem ao menos dizer uma única palavra ou sequer mostrar ação - e a trilha sonora tem papel fundamental nisso.
Nas telonas, também não é preciso voltar muito: com Thor: Ragnarok (2017), o diretor Taika Waititi quis apostar numa estética mais voltada às cores saturadas de VHS. Para passar essa ideia durante a San Diego Comic-Con 2017, a escolha da trilha para ilustrar o trailer não poderia ser diferente, com "In the Face of Evil" do Magic Sword indicando o tom retrô e aventuresco que veríamos no filme.
Videogames também têm grande parte no desenvolvimento e popularização do Synthwave. Muitos dos artistas que hoje são consagrados dentro do meio foram inicialmente apresentados em games, como o grupo Power Glove pela trilha de Far Cry 3: Blood Dragon (2013) - paródia jogável de filmes trash oitentistas estrelada por Michael Biehn (Exterminador do Futuro, Aliens). O indie Hotline Miami é frequentemente apontado como o primeiro contato com estilo musical, combinando sua brutal jogabilidade, gráficos pixelados e cores saturadas com batidas frenéticas de MOON e Perturbator - artistas que viram suas carreiras alavancadas após o lançamento do jogo em 2012.
Synthwave dificilmente é o único gênero criado com base na década de 1980: há também o Vaporwave, cuja intenção é propositalmente deturpar nostalgia e cultura oitentista/noventista pelo excesso e repetição. De qualquer forma, é curioso notar como a experimentação estética e sonora dos vários filmes, jogos e séries da época ecoa até os dias de hoje, se manifestando na forma de movimentos artístico e musicais. É como se os anos 80 nunca tivessem acabado.
Texto originalmente publicado em 24 de novembro de 2017. Por conta disso, a seção de comentários está repleta de boas recomendações deixadas ao longo dos anos!