É inegável dizer que, nas últimas décadas, os animes de maior sucesso no Ocidente foram os shonens de luta. O leitor pode até ter outras preferências, mas quem abriu as porteiras para o sucesso dos animes neste lado do globo foram aquelas animações repletas de personagens carismáticos, lutas de tirar o fôlego e algumas centenas de episódios.
Há dez anos, três shonens de luta bem importantes eram exibidos no Japão e cada um deles compartilhava características em comum. Esses mesmos três animes foram trazidos ao Ocidente e, cada um ao seu modo, foi popularizando a estética da animação japonesa nesse lado do mundo e mostrando que o mercado japonês não se resumia a Dragon Ball. Estamos falando de Naruto Shippuden, Bleach e Fairy Tail, três animes com grande importância para os otakus ocidentais nesses últimos dez anos.
A estrutura do shonen de luta
Caso tenha caído nessa matéria de paraquedas e não faz ideia do que significa a palavra "shonen", vale uma explicação. O termo significa literalmente "garoto", e se refere a uma demografia atentida por diversas revistas no Japão, como a Shonen Jump, Shonen Magazine e a Shonen Sunday.
Em cada uma dessas revistas semanais são publicados capítulos de dezenas de mangás, de autores diferentes, e em comum há apenas o público alvo infantil e juvenil do sexo masculino (embora nada impeça que adultos ou mulheres consumam as histórias). Dentro do universo shonen existem as histórias de esporte, romance, aventura, mistério e as mais famosas, as de luta.
Com o sucesso dos mangás, a editora licencia os títulos para produção de animes para exibição no Japão, e essa transmissão tem como objetivo vender merchandising da série e, claro, impulsionar a venda de mais volumes do mangá em questão.
Os shonens de luta seguem todos uma fórmula semelhante: um protagonista que passa por treinamentos, conhece amigos, enfrenta adversários cada vez mais fortes e passa por um grande crescimento pessoal após muitas aventuras. Como esse tipo de mangá costuma ter dezenas e mais dezenas de volumes, seus respectivos animes costumavam ser igualmente longos: há série que durou não somente anos, mas também décadas no ar, com uma trama folhetinesca e contínua. Foi assim com Hokuto no Ken, Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco e... Naruto.
Naruto e Naruto Shippuden
Das séries citadas no começo da matéria, Naruto é a mais “velhinha”. O mangá de Masashi Kishimoto começou a ser publicado em setembro de 1999 no Japão e foi encerrar somente em 2014, após 72 volumes. Durante muito tempo ele foi um dos pilares da Shonen Jump, e isso fez com que o estúdio Pierrot visse um valor no ninja loiro. Mesmo com um material original já muito rico, os produtores conseguiram a proeza de transformar os 72 volumes da série original em 720 episódios, divididos em duas fases distintas (Naruto e Naruto Shippuden).
Naruto parte de uma premissa bem básica: ambientada em um mundo no qual a prática ninja é muito comum, a história é protagonizada por Naruto, um garoto problemático que possui um grande poder dentro de si. Ele se alia aos jovens Sasuke e Sakura e passa a ser tutelado pelo sensei Kakashi. A partir daí, o jovem encara várias aventuras em busca do sonho de se tornar o Hokage (uma grande posição militar nesse universo).
O anime de Naruto usa e abusa de todos os clichês do shonen de luta, e não entenda isso como ponto negativo. A trama possui arcos de histórias bem claros e conquista o público logo de cara ao apresentar situações nas quais os protagonistas estão em clara desvantagem. Por mais irritante que seja a personalidade do Naruto, não leva muito tempo para o espectador abrir uma brecha e ser conquistado pelo garoto, ou por qualquer outro personagem extremamente carismático.
Após centenas de episódios canônicos e mais alguns fillers em que o protagonista precisa interagir até com um avestruz, o público da história teve a chance de apreciar mais um chavão do gênero: o famoso salto no tempo. A trama ganha o subtítulo "Shippuden", avança alguns anos e acompanhamos Naruto e os demais chegando à fase adulta e enfrentando desafios cada vez mais sérios.
O anime Naruto é um fenômeno no mundo inteiro, provavelmente sendo a série que mais se aproximou do impacto cultural de um Dragon Ball (que, olha só, também teve vários saltos no tempo para envelhecer os personagens). One Piece pode até ser o shonen de luta mais vendido do Japão, mas foi Naruto que conseguiu conquistar o resto do mundo.
Até hoje, décadas após a exibição na televisão brasileira, o personagem ainda rende assunto, aparece entre termos mais comentados nas redes sociais e tem cada um de seus inúmeros aniversários festejado com muita alegria.
Bleach
Assim como Naruto (e One Piece), Bleach foi considerado um dos grandes mangás da Shonen Jump durante os anos 2000. Criado por Tite Kubo, Bleach começou a ser publicado em agosto de 2001 e rendeu 74 volumes, encerrando em 2016. Já seu anime começou em 2004 e seguiu firme e forte até 2012.
Na história, o adolescente Ichigo Kurosaki tem a habilidade de ver espíritos e se assusta quando conhece Rukia, uma shinigami responsável por dar paz às almas. Ichigo ganha parte dos poderes de um shinigami e, com uma espada enorme e golpes maneiros, passa a participar de várias lutas para encaminhar espíritos puros e purificar Hollows.
Bleach segue todos os requisitos do bom anime shonen de luta, com muitos personagens, poderes impressionantes e um estilo único. Podemos dizer que esse lado visual é bem mais acentuado em Bleach, graças ao dom do autor Tite Kubo de aliar a fórmula do shonen a um design muito arrojado. O estúdio Pierrot, responsável pela série animada, incorporou esse lado estético principalmente nas aberturas, todas belíssimas e com músicas empolgantes. Cada abertura de Bleach parece um videoclipe, vale a pena conferir.
Bleach foi trazido ao ocidente pouco depois de Naruto, e tentou conquistar o mesmo público alvo. Embora não tenha conseguido ser o fenômeno do ninja, as aventuras de Ichigo Kurosaki ainda são muito queridas pelos fãs e a série costuma estar sempre entre as mais vistas nos serviços de streaming.
Infelizmente para os fãs, o anime de Bleach foi interrompido em março de 2012 sem dar um final à história, que seguia sendo publicada no mangá sem prazo para acabar. Por sorte já anunciaram uma temporada final para concluir as histórias restantes do mangá, então ainda teremos Bleach em breve.
Fairy Tail
Mas nem só de obras da Shonen Jump são feitos os animes com batalhas empolgantes. Um dos grandes expoentes no começo dos anos 2010 foi o anime de Fairy Tail, criação de Hiro Mashima e publicado semanalmente pela Shonen Magazine.
Hiro Mashima é um dos mais importantes autores de shonen da atualidade, e é conhecido por emendar um trabalho no outro sem muito tempo de férias, isso quando não produz mais de um mangá ao mesmo tempo. Seu primeiro grande sucesso foi Groove Adventure Rave (ou Rave Master, como ficou conhecido no ocidente), lançado de 1999 a 2005. Sem descansar muito, e reaproveitando o design de alguns personagens, Mashima iniciou já no ano seguinte seu maior sucesso: Fairy Tail.
Em um mundo mágico existem várias guildas nas quais guerreiros poderosos se juntam para resolver missões e curtir bons momentos juntos. Os protagonistas principais fazem parte da guilda Fairy Tail e são Natsu Dragneel, que domina o elemento do fogo, a maga celestial Lucy Hearfilia, o feiticeiro de gelo Gray Fullbuster e a poderosa guerreira Erza Scarlet.
Há muita comparação entre Fairy Tail e One Piece, não só pelo traço simples compartilhado por Hiro Mashima e Eiichiro Oda, mas também pela temática das séries. As duas trazem personagens com traços de personalidade fortes, um humor bem acentuado e reforça um dos principais fatores dos shonens de luta: a amizade e a necessidade de se unir forças para conquistar os objetivos. Ah, e as duas séries também parecem apostar na sensualidade de suas personagens femininas.
Como costuma acontecer com os grandes sucessos, Fairy Tail rendeu 63 volumes encadernados e uma animação muito competente produzida pela A-1 Pictures em 328 episódios. Ao contrário de Naruto ou Bleach, o estúdio tentou seguir ao máximo a trama do mangá original e conta com bem menos fillers que os seus colegas. Um dos truques usados para não precisar criar aventuras extras foi a divisão do anime em temporadas, o que possibilitou um descanso para a equipe enquanto aguardavam o autor produzir novas aventuras nos quadrinhos. Curiosamente, o recurso de temporadas passou a se tornar cada vez mais frequente nos animes a partir da metade dos anos 2010.
A primeira temporada de Fairy Tail teve 175 episódios, e foi interrompida em 2013. De lá pra cá o anime ganhou uma nova leva de episódios em 2014 e foi encerrada apenas na temporada de 2018, com 38 episódios finais mostrando o que acontece após o salto no tempo.
Mudanças
Nesses dez anos bastante coisa mudou no mercado dos shonens de luta, tudo graças ao sucesso dos animes fora do Japão. Uma das principais foi a diminuição nas séries, que deixaram de ter centenas de episódios e acabaram focando em séries menores divididas em temporadas, com o mínimo de histórias extras. É o formato atualmente adotado para animes como My Hero Academia e o sucesso Demon Slayer.
Mas um anime longo é algo ruim? Não necessariamente. Embora sejam extensos, esses animes conseguem desenvolver bem seus personagens, suas relações e criam ambientações que aumentam a tensão de quem está assistindo. Trocas de olhares, música emocionante, pausa dramática, todos recursos famosos dos animes de luta usado à exaustão por Dragon Ball e Naruto da vida.
No fim são séries que, se você se permitir, acabará tragado pela história e vai emendar um capítulo no outro. Para os amantes das séries mais longevas, pelo menos elas não morreram: ainda há alguns animes extensos e “quase eternos” sendo lançados no Japão semanalmente.
Enquanto isso, no Brasil...
Se você é fã de shonens, fica o recado: a Funimation, o novo serviço de streaming de animes chegará até o final do ano ao Brasil com um catálogo de centenas de animes legendados e dublados em português.
Enquanto o dia da estreia não chega, é possível cadastrar seu email no site oficial e receber as últimas notícias sobre o lançamento da plataforma.