Quando Atypical chegou à Netflix, duas coisas sobre ela ficaram evidentes muito rápido: primeiro, que a série tinha uma sensibilidade irresistível. Segundo, que ela não era um produto que acabaria na lista dos mais assistidos da plataforma. Enquanto outras séries igualmente boas no quesito texto foram sendo canceladas com duas temporadas no máximo, Atypical foi resistindo. Seu transformador terceiro ano se arriscou a tomar decisões que nem mesmo sabíamos se teriam espaço para escopo narrativo. Quando a renovação para um quarto ano chegou, a sensação foi de que em meio a tantas hesitações, até que a série resistiu bem.
Num primeiro momento, a certeza de que a quarta temporada seria a última incomodou. Produções caríssimas, sem nem 10% da qualidade de Atypical, ganham temporadas e mais temporadas; enquanto títulos delicados – e baratos – vão sendo sacrificados com bases argumentativas questionáveis. Quando colocado em perspectiva com os fins de Feel Good e Special, o cancelamento de Atypical soa uma grosseria, um sinal de que toda a “celebração” da diversidade que a Netflix gosta de anunciar em todas as direções, só é mesmo efetiva se o elemento sexual for parte essencial do roteiro.
Contudo, depois de assistir aos episódios finais, é possível encontrar certa paz nessa despedida. Assim como nos títulos citados (e também cancelados), a trama de Atypical não é apoiada em grandes eventos e sim em recortes do dia a dia, como se fossem crônicas. Sem dúvida, essa simplicidade dos roteiros acabou ajudando a criadora Robia Rashid a preparar o final sem que os personagens precisassem de mudanças bruscas. Tudo que aconteceu com os personagens foi absolutamente previsível, mas nem por isso menos encantador. De fato, o forte da série está no texto, no carisma com que coisas tão pequenas vão sendo contadas na tela. Sempre foi assim e nessa última temporada não foi diferente.
Marcha Para os Pinguins
Mesmo com todo minimalismo, Robia não fugiu da cartilha das temporadas finais e levou Sam (Keir Gilchrist) de volta para onde tudo começou: sua paixão por pinguins. Com a loja de eletrônicos em que trabalha fechando as portas, Sam se vê obrigado a pensar em quais serão seus próximos passos na vida. A ideia de se envolver com ativismo surge naturalmente e a temporada se conduz em torno da expectativa de uma viagem do protagonista até a Antártida, onde ele verá, pela primeira vez, seus amados pinguins em seu habitat natural. Essa determinação narrativa é o que se espera de uma série como Atyical. Nada de expectativas óbvias para o espectador. A grande pergunta desse último ano é: será que Sam vai conseguir viajar?
Como aconteceu na temporada anterior, as mudanças mais drásticas continuam acontecendo com Casey (Brigette Lundy-Paine). Depois de sair do armário como bissexual, Casey precisa lidar com o impacto de um relacionamento em meio a uma rotina que já é muito severa. Os roteiros problematizam Izzie (Fivel Stewart) como podem, conseguem criar conflitos discretos, suficientes para sacudir Casey e fazê-la seguir pelo caminho que já parecia o mais certo para ela: o de fazer o que tem vontade e não o que esperam dela. Porém, enredos como o que envolve a mãe de Izzie poderiam ser melhor explorados com mais tempo de tela. A série, entretanto, não tinha esse tempo para ceder.
O tempo foi uma questão que não resultou em erros terríveis, mas que deixou um rastro de dúvida: será mesmo que explorar esse ou aquele novo personagem não resultaria em episódios incríveis? Todos os amigos da faculdade de Sam são ótimos. Já bem perto do final, começa um investimento em Abby (Kimia Behpoornia), uma personagem terciária que de repente revela um imenso potencial e que não terá tempo suficiente para nos encantar ainda mais. Ela se aproxima de Casey, nos leva a considerar como seria se essa proximidade afetasse as duas em um nível mais pessoal, mas essa insinuação precisa ser interrompida; não há tempo de aprofundá-la porque a série acabará dali a dois episódios.
Há outros momentos da temporada em que a inserção de acontecimentos soam superficiais e mesmo que isso não afete a qualidade da série como um todo, são pontas soltas. Não havia necessidade de citar o Alzheimer da mãe de Elsa (Jennifer Jason Leigh) para só trabalhar com isso por duas cenas. Até mesmo o “problema de saúde” de Zahid (Nik Dodani) na temporada acabou entrando nessa categoria. E Zahid é um alívio cômico, com esporádicos momentos de ternura, não precisava ser dramatizado sem que houvesse tempo suficiente para abordar todo o enredo com naturalidade. Isso não muda o gigantismo do personagem em cena, que sempre é engraçado e divertido. Mas, é preciso admitir que o tempo foi um inimigo.
Nos minutos finais, o orçamento da série também atrapalhou o alcance de seus objetivos. A viagem da Sam, é claro, representa a ruptura definitiva, o desligamento total do que o tornava dependente da família. Mas, era também um ponto de catarse que acabou prejudicado pela incapacidade de executá-lo como ele merecia ser executado. Contudo, ali estavam as sequências emocionantes que precisávamos tanto. A despedida de Casey, de Zahid, de Paige (sempre divertida e com figurinos mágicos), dos pais... Há uma delicadeza em Atypical que é controlada (como Sam é controlado), mas que não deixa de ser tocante. É como quando ele precisa abraçar alguém: está cheio de amor, mas é um abraço que não pode durar muito tempo.
Infelizmente é o fim para Atyical. Olhando em perspectiva, acabou sendo a hora certa de encerrar, o momento certo de terminar o recorte. É claro que continuaríamos assistindo se ela continuasse a jornada. No meio de tanto caos dramatúrgico, de tanto drama correndo atrás do próprio rabo, a beleza e a sensibilidade desse mundo vão fazer muita falta. Nessa teia de produções sendo lançadas como numa linha de fabricação maciça, é comum ver muitas séries chegando ao fim. Mas, se despedir de roteiros tão bem escritos e dirigidos não... Isso não é nada típico.
Criado por: Robia Rashid
Duração: 3 temporadas