Explorado à exaustão por quase 30 anos, o gênero de comédia escrachada perdeu, ao longo da década passada, a boa vontade que recebia por parte da crítica durante os anos 2000. Filmes cada vez mais parecidos estrelados por Seth Rogen, Melissa McCarthy, Leandro Hassum, Ben Stiller e principalmente Adam Sandler até iam bem de bilheteria, mas eram massacrados pela mídia especializada, cansada de repetições de piadas escatológicas e ultrapassadas.
Ao mesmo tempo, os anos 2010 mostraram uma queda brutal na qualidade de longas do subgênero buddy-cop, nome dado a comédias policiais protagonizadas por duplas improváveis, com produções que contavam com Sandra Bullock, Bruce Willis e Reese Witherspoon caindo no esquecimento. Em 10 anos, foram poucos os exemplos que realmente mereceram alguma atenção, como Dois Caras Legais ou a franquia Anjos da Lei. Logo, o cenário do lançamento de Coffee & Kareem, nova produção da Netflix, é um pouco arriscado.
Na comédia, o jovem Kareem (Terrence Little Gardenhigh), um garoto negro de Detroit, encontra sua mãe (Taraji P. Henson) transando com o policial branco James Coffee (Ed Helms). Bravo, o menino arma para que o membro de uma das mais perigosas gangues da cidade ataque o policial, quando testemunha o assassinato de outro agente e dá início a uma sequência de eventos exagerados e cada vez mais perigosos.
Embora a impressão passada pelo trailer é de que Coffee & Kareem será apenas mais uma produção medíocre do gênero, o diretor Michael Dowse (Stuber) consegue usar o talento cômico de seu elenco, além de criar uma atmosfera autorreferente que se desapega completamente da realidade. O elenco, que inclui também nomes como Betty Gilpin (GLOW) e David Alan Grier (Desventuras em Série), abraça sem vergonha o ridículo do roteiro de Shane Mack e entrega atuações igualmente extrapoladas e hilárias.
A ação do filme também é exagerada. Em clara homenagem a filmes como Máquina Mortífera e Duro de Matar 3, clássicos do gênero, Coffee & Kareem traz explosões, perseguições em alta velocidade, carros atravessando lanchas e troca de socos e tiros em meio a uma chuva de cocaína. Riscando item a item de sua lista de desejos, Dowse permite que Helms manuseie granadas, Henson atire sem piedade ou consequência no grande vilão e Gardenhigh xingue a torto e a direito com um sorriso no rosto.
O filme, é claro, também não é perfeito. Embora seus exageros proporcionem risadas e a direção alucinante traga boa diversão às cenas de ação, o longa ainda escorrega em uma reviravolta óbvia, antecipada já em seus primeiros minutos. Mesmo que essa obviedade não tire a graça das piadas ou das atuações, ela faz com que a grande revelação do vilão seja recebida com indiferença.
Além disso, o filme usa a relação entre Vanessa (Henson), Kareem e Coffee como uma resolução mágica para o grave problema de violência policial contra cidadãos negros em Detroit, uma das cidades com o maior número de casos reportados de abuso de autoridade dos Estados Unidos. Embora não ignore o problema, Coffee & Kareem também pouco faz para explorá-lo além do relacionamento dos protagonistas. Citada em diálogos soltos no primeiro ato, a discussão tem impacto mínimo nos personagens e na trama, algo consideravelmente difícil na cidade em que a comédia se passa.
Ainda assim, a produção nunca se propôs a ser séria. De seu primeiro take, focado em um copo de café e um donut de creme, à bizarramente satisfatória cena final, Coffee & Kareem cumpre o papel que poucas comédias de grande alcance – e poucos originais filmes da Netflix – conseguiram fazer. Divertido, engraçado e escrachado na medida certa, o longa é uma grande opção para quem precisa se desligar do mundo e dar algumas risadas.
Ano: 2020
País: Estados Unidos
Classificação: 16 anos
Duração: 88 min
Direção: Michael Dowse
Roteiro: Shane Mack
Elenco: Ed Helms, David Alan Grier, Terrence Little Gardenhigh, Betty Gilpin, Taraji P. Henson