As constantes repetições em séries de TV voltadas para o público jovem são comuns para todo mundo que já assistiu mais de duas (incluindo as que têm super-heróis no contexto). Algumas das mais famosas do mercado pagaram o preço da “corrida eterna atrás do próprio rabo” e tiveram ou seu prestígio ou sua duração – e até os dois – interrompidos por causa disso. Quase todo drama ou série teen precisa reconhecer esse momento e saber o que fazer para lidar com ele. Às vezes o sucesso é o maior inimigo de uma criação, porque ele vira “o time que está ganhando o jogo”; e quem iria querer arriscar tudo por um punhado de ousadia?
Elite, que chegou com sua quarta temporada na Netflix, se acha muito atrevida. Cercada de jovens que usam o sexo para tudo, ela tem classificação 18 anos e um elenco que mesmo já aparentando os 25 anos de idade, vive um ensino médio eterno. É a famosa “síndrome Barrados no Baile”, que ficou famosa por escalar atores muito mais velhos que seus personagens (Ian Zering tinha 26 anos e Gabrielle Carteris, 29). Para não ter que lidar com questões legais, a prática se eternizou no mercado e poucas vezes atores que assumiram personagens de 15, 16 anos, tinham realmente essa idade.
Embora títulos modernos como Elite tenham se “enfeitado” da ousadia sexual e visual trazida pela Terceira Era de Ouro da Televisão e pelos serviços de streaming, no final das contas, ela está presa na mesma espiral que Barrados inaugurou lá no início dos anos 90. Mesmo com as trocas inevitáveis de elenco, quem chega, chega para ocupar a mesma posição de quem saiu. Os mesmos enredos vão se entrelaçando sem nenhum frescor e o resultado é um produto genérico. A quarta temporada de Elite é um arremedo de si mesma, uma gambiarra temporal, que conta um mistério desinteressante e ignora, descaradamente, a já capenga evolução de seus personagens.
Usar Barrados no Baile como exemplo pode parecer jocoso, já que a série ficou no ar por 10 anos. O fato é que sucesso é o elemento propulsor para o congelamento dos enredos, mas não deve ser considerado na hora de julgar o produto final. Alguns tentaram desafiar essa percepção, entretanto. Em três temporadas, The OC, por exemplo, percebeu que não dava mais para mobilizar todos os personagens num eterno salvamento de Marissa (Mischa Barton). Quando voltaram para a quarta temporada, tudo estava diferente e embora o resultado tenha sido encantador, a audiência preferia o contrário, preferia a eterna repetição.
Se você for uma Amy Sherman-Palladino, consegue escrever várias temporadas de uma história que nunca muda, mas que tem um texto impecável o suficiente para compensar isso (e estamos falando de Gilmore Girls). Provavelmente, na cabeça dos criadores Carlos Montero e Darío Madrona, a compensação de Elite seria o fetiche, que ronda os episódios de uma maneira opressiva. Todas as mulheres são violentadas, todos os casais homoafetivos fazem sexo a cada 2 cenas e a abordagem e linguagem das sequências se aproxima perigosamente do pornô explícito. É uma escolha consciente, legítima, mas que não é usada para compor e sim para compensar, como já foi dito.
Como se livrar de um assassinato
Após a saída de alguns personagens como Carla (Ester Expósito), Lucrecia (Danna Paola) e Nadia (Mina El Hammani), a escola precisava de novos alunos. Para isso, mudaram o diretor, e ele chegou com seus três filhos, Ari (Carla Díaz), Mencía (Martina Cariddi) e Patrick (Manu Ríos). Além deles, o príncipe Phillipe (Pol Granch) também se tornou aluno da instituição. Cada um desses novos personagens adolescentes veio com a missão de se envolver com os membros do elenco que ficaram. Até aí, tudo bem. Mas, enquanto em temporadas anteriores as interações ao menos flertavam com questões sociais e políticas, dessa vez tudo tem a ver com envolvimento romântico (ou melhor dizendo, sexual).
Ari foi usada para ficar entre Guzman (Miguel Bernadeau) e Samuel (Itzan Escamilla). Patrick foi usado para ficar entre Ander (Arón Piper) e Omar (Omar Ayuso). Já Mencía se envolveu com Rebeka (Claudia Salas) e com um outro novo personagem, daqueles que tem uma função tão óbvia na trama que no primeiro episódio em que ele aparece você já sabe porque ele está ali e para que ele serve. Do outro lado, Phillipe e Cayetana (Georgina Amoróz) perdem todas as chances de usar bem o recurso da realeza versus plebe. Uma vez estabelecido esse cenário, NADA sai do lugar e as histórias ficam girando, girando, até que o episódio 8 possa revelar qual membro do elenco será o próximo assassino a sair impune. Se Elite durar mais alguns anos, dá tempo de todo mundo matar alguém antes de ir para faculdade.
O descompromisso dos roteiros com a coerência é surpreendente. Pouco importa o amadurecimento do casal Omar e Ander quando Patrick chega. No curso da temporada, eles regridem e amadurecem de novo umas três vezes. Pouco importa que não faça sentido nenhum Samuel e Guzmán permitirem o jogo com Ari depois de tudo que viveram e passaram juntos. Quem mais tem motivações claras é Rebeka, mas Mencía, seu interesse romântico na temporada, está absorta naquele enredo “o cafetão me persegue” e mesmo que a solução esteja na cara dela, ela não pode ver, afinal de contas precisamos chegar até o capítulo 8. A natureza forte e independente de Rebeka foi aniquilada sem piedade.
No texto sobre o começo da temporada já falamos bastante sobre o recurso do “crime a ser desvendado”, que se esgotou ao ponto de não fazer mais sentido. São tantas mortes nas costas daqueles personagens que ou eles precisariam estar presos, ou loucos. Começar o ano seguinte no colégio como se nada tivesse acontecido é completamente insano. Contudo, lá estão as novas despedidas emocionadas e ano que vem mais um crime. No mundo de Elite, ninguém estuda, ninguém ri, ninguém paga pelos crimes que comete, ninguém usa camisinha... É um universo paralelo vazio e superficial.
De bom dessa quarta temporada, só mesmo o que se viu nas Histórias Breves, lançadas dias antes da temporada regular. São quatro “microséries” de três partes cada uma, focadas em pontos específicos das vidas dos personagens antes do que se veria nos episódios principais. Nada de importante acontece, mas são histórias singelas, com o mínimo de leveza e que nos dão tempo de conhecer um pouco mais dos personagens, já que eles não estão tão apressados assim para tirar a roupa ou empunhar uma arma.
A palavra que descreveria esse quarto ano só poderia ser essa: desperdício. Que venha a quinta temporada... Vamos ver se nela Elite tem algo a dizer.
Criado por: Élite
Duração: 8 temporadas