Os anos finais de qualquer tendência midiática costumam ser os mais interessantes. Enquanto Hollywood busca a próxima galinha dos ovos dourados nos videogames, as adaptações de quadrinhos ficam cada vez mais experimentais, seja questionando padrões e clichês como em Deadpool e The Boys, ou então nas escolhas duvidosas de propriedades de nicho. Warrior Nun, HQ independente de Ben Dunn, é um bom exemplo do segundo caso.
A série, produzida pela Netflix, segue o mesmo conceito altamente apelativo dos quadrinhos de um grupo de freiras que lutam contra demônios, como parte de uma ordem milenar da igreja católica. O seriado, porém, cria algo inédito ao se focar em Ava (Alba Baptista), jovem tetraplégica recém-falecida que é trazida de volta à vida quando seu cadáver é acidentalmente colocado em contato com o Halo, poderosa relíquia religiosa protegida pela organização. A partir disso, ela precisa aprender sobre seu papel na luta contra o mal.
Warrior Nun é ridiculamente divertida. A premissa tem grande potencial de filme-b e a produção não foge disso - mas também não se limita a fazer algo trash. O programa combina o absurdo das freiras lutadoras com o ritmo e linguagem de uma série adolescente. O resultado é algo com toques das obras da CW ou MTV, que sabe rir de si própria, mas nunca assume o papel de paródia.
Muito disso se dá pelo concisão na hora de contar sua história. É comum que seriados para o público jovem se percam em romances arrastados e inúmeros núcleos de personagem. Aqui, porém, a trama raramente larga Ava, que tem um sólido arco de desenvolvimento. A garota cria empatia no espectador ao se portar como alguém conhecendo a vida pela primeira vez aos 18 anos, e querendo experimentar um pouco de tudo. Momentos do tipo funcionam bem graças ao enorme carisma da atriz portuguesa Alba Baptista, que encara tudo com acidez, bom humor e bastante naturalidade nos seus comentários e ocasional narração.
Eventualmente, ela vê sua aventura de descobrimento atrapalhada pelo peso de uma responsabilidade que não pediu para ter. Esse se prova o cerne de Warrior Nun e também seu diferencial. Ao invés de entregar mais uma história de “O Salvador Escolhido”, a série sempre ressalta os sacrifícios que cada uma das personagens precisa fazer para atender as necessidades de uma organização conhecida pela manipulação e alienação. O texto pode parecer pesado, mas nunca é declamado de forma discursiva. Os conflitos pessoais justificam as motivações e caracterização do elenco, mas, em uma jogada inteligente, a produção entende que temas do tipo servem melhor como subtexto do que expostos aos holofotes.
NUN WITH A MOTHERF*&*ING GUN
Se os debates servem como acompanhamento, o seriado entrega a ação como prato principal. Seria decepcionante se fosse de outra forma. Enquanto Ava amadurece, quem carrega a violência é Shotgun Mary (Toya Turner). A freira munida de duas escopetas, tal qual seu excelente nome sugere, parte em missão paralela para investigar estranhas coincidências que levaram uma missão da Ordem ao fracasso e resultou no assassinato de sua líder e amiga pessoal. Mary parte para a porrada para obter informações e esbarra em uma enorme conspiração sobre disputa de poder e sucessão na Igreja. O arco se inicia como secundário, mas eventualmente se mistura com a jornada de Ava. Assim, cenas de luta, perseguições e mistérios vão ganhando mais e mais espaço na série, que dá ao programa ares de Assassin’s Creed com suas organizações secretas e intrigas medievais.
As lutas de Warrior Nun não são nada extraordinário, mas se saem melhor do que a média, com porradaria intensa, divertida e estilosa. A única coisa que tira um pouco da graça são os efeitos especiais medíocres, que lembram que se trata de uma produção de baixo orçamento. Porém, em uma história de freiras guerreiras que combatem demônios, as falhas apenas dão um gostinho extra de tosqueira bem intencionada.
Warrior Nun acerta no que se pede de uma obra de gênero com conceito absurdo: saber não se levar a sério. A série surpreende com algumas sacadas inteligentes, violência gráfica e uma abordagem inusitada, já que não é todo dia que se vê uma série de Nunsploitation feita para jovens - ainda mais em uma plataforma tão grande quanto a Netflix. O problema da casa grande, porém, vêm na necessidade de criar uma nova franquia, o que resulta em um final anticlimático, cujo único objetivo é criar expectativa para uma renovação. É um truque barato que pode não dar certo. Se funcionar, fica apenas a torcida para que esse universo só fique mais e mais absurdo com o tempo.
Criado por: Simon Barry
Duração: 1 temporada