O acordo entre Marvel e Netflix foi anunciado em novembro de 2013. Na época o serviço de streaming não era tão grande quanto é hoje, mas já tinha produções originais de sucesso, como House of Cards e Orange is the New Black. Exatamente por isso a parceria foi vista com bons olhos pela maioria dos fãs e parecia uma boa oportunidade, tanto para dar espaço a novos personagens, quanto para trazer mais usuários para a Netflix.
E o anúncio não foi pequeno, com cinco séries confirmadas de uma vez: Demolidor, Jessica Jones, Punho de Ferro, Luke Cage e o crossover Os Defensores já planejado para o futuro. Nessa época já foi divulgado que as atrações teriam 13 episódios cada, algo que foi positivo em alguns casos, mas gerou problemas de roteiro em outros. Confira abaixo com tudo aconteceu:
Chega o Demolidor
Começar o projeto com Demolidor foi uma escolha muito boa. O personagem é muito querido pelos fãs dos quadrinhos, mas sempre teve uma sombra quando se tratava de live-action, por conta do longa Demolidor - o Homem sem Medo, lançado em 2003 e protagonizado por Ben Affleck. A produção não fez sucesso e decepcionou o público, que continuou sonhando com uma adaptação fiel de Matt Murdock. Exatamente por isso, as notícias de produção eram animadoras: “séries da Marvel na Netflix serão mais realistas”; “séries serão ambientadas no mesmo universo que os filmes”; “séries da Marvel na Netflix serão para superfãs”.
Assim, quando o primeiro trailer de Demolidor foi lançado em 2015, a recepção foi extremamente positiva. O clima soturno de Hell’s Kitchen, a violência do Rei do Crime e a atuação de Charlie Cox soaram perfeitas - confira a nossa crítica.
Jessica Jones e Kilgrave
Tal sucesso deu mais confiança para as duas empresas, que tocavam em paralelo o desenvolvimento das demais atrações. Seguindo o cronograma, Jessica Jones foi a série seguinte, estrelada por Krysten Ritter. Mesmo antes de ser lançada, a produção já dava indícios que seria diferente. A própria protagonista comemorou em 2014 a escolha de uma mulher (Melissa Rosenberg) como showrunner e fotos do set revelaram o romance entre as personagens de Carrie Anne-Moss e Rachel Taylor, o primeiro casal gay da Marvel - saiba mais.
Quando foi lançada em novembro de 2015, Jessica Jones foi bem recebida (leia nossa crítica) e também apresentou Luke Cage (Mike Colter), personagem que futuramente teria sua série própria. Além disso, o grande destaque da temporada foi o vilão Kilgrave (Homem-Púrpura), interpretado por David Tennant. Cruel e obcecado por Jessica, o personagem entregou grandes cenas e, ao mesmo tempo, criou um problema: como superar isso nas próximas temporadas?
O auge
O tempo passou e a Netflix anunciou os elencos de Luke Cage e Punho de Ferro, ao mesmo tempo em que divulgava a segunda temporada de Demolidor com a presença do Justiceiro (Jon Bernthal).
Esse momento, em meados de 2016, foi o auge da parceria entre Marvel e Netflix. Havia uma grande expectativa pelo retorno de Demolidor e a estreia das novas séries, além da confirmação do crossover Os Defensores. Neste momento, as duas empresas conseguiram colocar em prática um universo compartilhado que ainda não se comparava ao do cinema, mas tinha uma lógica própria e funcionava muito bem. Era comum, por exemplo, procurar easter eggs de outros personagens nas séries e ter participações especiais que expandiram tudo isso.
Problemas e apostas para o futuro
Com essa “Fase 1” pronta e elogiada, chegou a hora de apresentar e desenvolver Luke Cage e Punho de Ferro e foi aí, possivelmente, que as coisas começaram a dar errado. Punho de Ferro não agradou e passou longe de ser tão aclamada quanto Demolidor e Jessica Jones. Já Luke Cage sofreu com a questão dos 13 episódios: em muitos momentos a história ficou arrastada, apesar de a trilha sonora e o vilão Cottonmouth serem pontos positivos - leia mais.
Mesmo assim, os planos não mudaram e em maio de 2017 a Netflix divulgou o trailer de Os Defensores, reunindo todos os personagens desse universo. Ao som de Nirvana, a prévia empolgou e, de certa forma, parecia uma oportunidade de corrigir os problemas e “emprestar” parte do sucesso de Demolidor e Jones para o resto do universo compartilhado. Além disso, a Netflix já tinha confirmado a série solo do Justiceiro e o futuro da parceria parecia promissor.
Disney aposta em seu streaming
No entanto, Defensores fez menos sucesso que o esperado (leia a crítica). O encontro dos heróis não gerou tantas críticas, mas também não foi muito elogiado. A produção foi simplesmente mediana, enquanto a expectativa para um grande sucesso era bem alta. Lançada em novembro de 2017, Justiceiro também não deu grandes resultados. Enquanto o personagem foi aclamado em sua passagem por Demolidor, sua série solo se perdeu na própria narrativa e, novamente, sofreu com a necessidade de preencher 13 episódios (confira a crítica).
Se a parte criativa das séries não estava dando o resultado esperado, logisticamente a parceria também entrou em risco já que a Disney anunciou planos para o seu serviço de streaming. Dona dos personagens da Marvel, a empresa decidiu investir em uma plataforma própria, que reunirá propriedades de Star Wars, Pixar, Marvel e, agora Fox. Nos Estados Unidos, isso também refletiu no acordo da Netflix em relação à distribuição de filmes do Marvel Studios. Enquanto antes o lançamento era exclusivo, agora isso estava ameaçado.
Cancelamentos
Com isso, a impressão que fica é que a parceria entre Marvel e Netflix esfriou aos poucos. A empresa do Mickey percebeu que poderia investir no próprio streaming e a Netflix viu os resultados das séries diminuírem com o tempo. Em junho de 2018, um dos executivos da Marvel afirmou que não havia planos para a segunda temporada de Os Defensores e, em outubro do mesmo ano, veio a confirmação do cancelamento de Punho de Ferro. É curioso ressaltar que, neste ponto, o acordo parecia continuar de pé. Afinal, o seriado de Finn Jones era considerado o mais fraco da lista e seu fim parecia uma decisão pontual. Porém, apenas alguns dias depois Luke Cage também foi encerrada e ficou claro que a parceria estava chegando ao fim.
Embora não tenha sido o último cancelamento, o anúncio do fim de Demolidor foi o mais sentido pelos fãs. A série teve a terceira temporada e, apesar de não repetir o sucesso e a empolgação da estreia, ainda era uma das mais elogiadas de todo o universo. Três meses depois, Justiceiro e Jessica Jones também foram canceladas, praticamente colocando um ponto final na parceria. O único lançamento pendente era da 3ª temporada de Jones, que já estava em produção quando os cancelamentos foram anunciados.
Lançados em junho deste ano, os episódios mostraram grande qualidade e encerraram de forma positiva a jornada da personagem de Krysten Ritter. Desde então, conversas surgiram sobre um possível revival das atrações em algumas plataformas, incluindo o Hulu, que agora também faz parte do grupo Disney, mas por enquanto nada foi oficializado.
Lições aprendidas
Olhando em retrospecto, é possível afirmar que a parceria entre Marvel e Netflix teve sim muito sucesso. Embora a questão do número de episódios e desenvolvimento de alguns personagens tenha prejudicado algumas séries, a verdade é que o acordo originou grandes momentos para personagens conhecidos, como o Demolidor, e deu espaço para personagens como Jessica Jones, que ganhou vários novos fãs que não conheciam sua origem nos quadrinhos.
Neste momento é difícil imaginar qual será o futuro dos personagens, ou até se algum ator terá interesse em reprisar seu papel, mas tal experiência serviu como um amadurecimento, tanto para a Netflix na criação de seus conteúdos originais, quanto para a Disney, que tem grandes planos para suas séries de heróis no Disney+ - saiba mais.