Por que a Netflix triunfou com Sweet Tooth, mas fracassou com Legado de Júpiter

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Por que a Netflix triunfou com Sweet Tooth, mas fracassou com Legado de Júpiter

Plataforma soube manter essência de obra de Jeff Lemire, mas se perdeu na mensagem do gibi de Mark Millar

14.06.2021, às 09H19.
Atualizada em 14.06.2021, ÀS 11H30

Dois dos principais lançamentos da Netflix nos meses de maio e junho, O Legado de Júpiter e Sweet Tooth tinham algumas coisas em comum, apesar das tramas e temas completamente opostas. Ambas as produções foram baseadas em trabalhos de quadrinistas renomados, publicadas por selos conhecidos por tratar de temas mais maduros e cujas histórias, no final das contas, traziam mensagens de esperança. Outra coincidência foi o quanto a plataforma de streaming alterou o material original, incluindo tramas e personagens inéditos, além de mudar a ordem de alguns acontecimentos. Os resultados, no entanto, não poderiam ter sido mais diferentes.

Enquanto grande parte da crítica elogiou Sweet Tooth por sua carga emocional e ótimas atuações, O Legado de Júpiter foi massacrada por seu ritmo, efeitos especiais e história mal desenvolvida e, apesar de ter sido relativamente bem recebida pelo público, foi cancelada pela Netflix no começo de junho. Mas, se as coincidências eram tantas, das origens às alterações na trama, por que os resultados foram tão diferentes?

Essencialmente, essa pergunta pode ser respondida com uma frase simples: respeito. Sim, Sweet Tooth mudou alguns elementos-chave do que foi criado por Jeff Lemire e, apesar de muitos fãs terem ficado apreensivos quando Robert Downey Jr. afirmou que deixaria a série mais acessível para todos os públicos, a essência do que o quadrinista criou estava lá. A relação de pai e filho que Jepperd e Gus têm foi capturada à perfeição por Nonso Anozie e Christian Convery, e o oportunismo de forças fascistas de usar momentos de crise para ascender ao poder e eliminar aqueles que julgam inferiores está presente como uma sombra tenebrosa em todos os episódios, assim como nas páginas. A série comandada por Jim Mickle e Beth Schwartz não traduz de forma literal o que Lemire fez na DC/Vertigo, mas é sem dúvida uma carta de amor à obra e a seus personagens.

O Legado de Júpiter, por outro lado, pareceu completamente perdida e sem saber o que fazer para surpreender fãs da HQ de Mark Millar ao mesmo tempo em que atrai novos leitores - o selo do quadrinista é, afinal, propriedade da Netflix. A alternativa foi deixar quase completamente de lado o debate sobre anti-heróis de métodos ultraviolentos e heróis clássicos de códigos morais inquebráveis para circular de forma repetitiva em volta de um drama familiar que nunca chega às vias de fato. Os produtores decidiram também resolver todos os mistérios propositalmente deixados pelo quadrinho. Mas o principal crime da adaptação, com certeza, é a completa distorção da mensagem de Millar. Inspirado em Reino do Amanhã, o roteirista questionou se os heróis não se tornam os próprios vilões quando decidem usar força letal para combater o crime. Já a versão da Netflix, que viveu ainda com problemas constantes de bastidores e de orçamento, parece tentar justificar, episódio por episódio, que sim, combatentes do crime devem ter liberdade plena para tirar uma vida.

A diferença básica, desde o primeiro episódio de cada uma das produções, é a compreensão que seus respectivos criadores tinham do material que lhes foi dado. Se Mickle e Schwartz já eram fãs de Sweet Tooth há anos, Steven S. DeKnight aparentemente não entendeu sequer uma linha do diálogo dos gibis que recebeu. O problema de uma adaptação nunca será, necessariamente, mudar o material criado. O MCU vem fazendo isso há anos. Zack Snyder, cujo trabalho no DCEU é divisivo, criou com Jason Momoa uma versão cool do Aquaman que se tornou tão icônica que fez justamente o caminho contrário e transformou o herói nos quadrinhos. O pecado está em mudar tanto que um quadrinho conhecido por ter acontecimentos chocantes a cada duas páginas se torna uma história entediante e cuja única reviravolta está nos últimos cinco segundos.

Quando se trata de levar para as telas um material que já é conhecido e amado por fãs há anos, é necessário mostrar um mínimo de conhecimento e interpretação de texto do que se está adaptando. Qualquer estúdio com um orçamento decente pode recriar uniformes e visuais maneiros, mas apenas aqueles que realmente conseguiram se envolver com o que leram e com o que estavam criando são capazes de desenvolver algo realmente especial.

 

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