Quando a Netflix divulgou o primeiro trailer de O Irlandês (The Irishman), o novo drama criminal de Martin Scorsese, um ponto chamou a atenção. Além de apresentar o tom do filme, que transitará entre o cotidiano de mafiosos na década de 1930 à conspirações envolvendo o assassinato do presidente John F. Kennedy, o vídeo apresentou cenas de seus protagonistas mais jovens. Estrelado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, o longa é baseado no livro homônimo escrito por Charles Brandt. A publicação remonta a carreira de Frank Sheeran (De Niro) como capanga da máfia e dá detalhes sobre sua relação com Jimmy Hoffa (Al Pacino), líder de sindicato que se tornou um grande nome no crime organizado e que desapareceu em 1975.
Conhecido por comandar longas que abordam a máfia, Scorsese já afirmou que o longa não será um novo Os Bons Companheiros, mas uma produção que busca o ponto de vista de “caras mais velhos olhando pro passado". A forma que o cineasta encontrou para fazer com que seus protagonistas - homens que chegaram ao topo de suas carreiras criminosas - pudessem contemplar seus dias de glória foi rejuvenesce-los digitalmente.
As primeiras reações ao visual rejuvenescido de Robert De Niro foram parcialmente negativas, afirmando que o ator não parece jovem. Entretanto, a versão mais nova de Frank Sheeran a aparecer no filme tem 40 anos, enquanto o ator atualmente tem 75 anos.
Durante as filmagens, Al Pacino revelou que viveria Hoffa em diferentes momentos de sua vida, inclusive aos 39 anos de idade. Alguns meses depois foi revelado que não apenas Pacino, mas De Niro também estaria mais jovem na primeira metade do filme. A ousada escolha de Martin Scorsese para não substituir os atores para criar as versões mais jovens de seus personagens revelou seu entusiasmo em relação ao avanço tecnológico na indústria cinematográfica. Em entrevista à Variety, o diretor celebrou as possibilidades que as novas ferramentas dão aos realizadores, afirmando que não é mais preciso se prender a “capturar” uma imagem, podendo agora criar uma, proporcionando a liberdade de se “fazer qualquer coisa”. Liberdade essa que condiz com a filosofia do diretor em seus sets de filmagem.
Scorsese é famoso por conferir autonomia aos atores a ponto de deixá-los livres para improvisar cenas inteiras, como a icônica sequência de Taxi Driver em que Travis Bickle fala consigo mesmo no espelho. É possível que o diretor tenha decidido que apenas De Niro e Pacino, atores consagrados ao encarnar mafiosos em filmes como O Poderoso Chefão e Cassino, poderiam entregar uma performance completa e para isso recorreu aos cada vez mais avançados efeitos especiais. Entretanto, essa preferência quase fez com que o filme não acontecesse por conta do seu enorme orçamento.
O Irlandês seria originalmente lançado pela Paramount, que desistiu do projeto por considerar exorbitante o orçamento de aproximadamente US$ 150 milhões, quantia que seria utilizada em grande parte para custear os efeitos visuais. De acordo com a produtora Thelma Schoonmaker, a empresa responsável pelos efeitos especiais é Industrial Light and Magic, produtora fundada por George Lucas na década de 1970 que é responsável pelo CGI de grandes blockbusters como Vingadores: Ultimato e Jogador Nº 1.
Tanto Scorsese quanto Schoonmaker afirmaram diversas vezes que a produção é um risco, especialmente pela grande possibilidade de se tornar o filme mais caro da carreira do diretor - ultrapassando A Invenção de Hugo Cabret (entre US$ 150 e US$ 170 milhões). A produção foi resgatada pela Netflix, que passou a apostar em filmes que pudessem render prêmios como Roma, de Alfonso Cuarón, vencedor de 3 Oscars, e A Balada de Buster Scruggs, dos irmãos Coen (indicado a 3 estatuetas). O serviço de streaming forneceu então os meios para que o filme fosse produzido de acordo com a visão do cineasta. De acordo com Robert De Niro, o projeto não seria financiável do jeito “tradicional”. Ainda segundo o ator, toda a equipe envolvida está “realmente tentando fazer algo especial que todos gostariam de ver”, uma boa síntese para o que significa o retorno de Martin Scorsese a dramas policiais.