O Poço, nova produção original espanhola da Netflix, está dando o que falar entre os assinantes do streaming. Mesmo com pouco tempo dentro do catálogo da plataforma, o filme já figurou entre os Top 10 dos mais assistidos no Brasil, assumindo até a primeira colocação em alguns momentos. Um dos motivos que fez o longa cair na boca do povo é o seu final ambíguo e pouco explicativo, o que resulta em diversas interpretações de quem está assistindo.
CUIDADO, SPOILERS ABAIXO!
Nos momentos finais do filme, durante a missão de levar alimentos para os presos nos últimos níveis, Goreng (Ivan Massagué) e Baharat (Emilio Buale) finalmente encontram a filha perdida de Miharu (Alexandra Masangkay), que estava escondida no último andar da prisão. Ao invés de enviar o último pedaço de comida à Administração como uma mensagem de solidariedade espontânea, Goreng o entrega à criança faminta. Ao compreender que a jovem poderia seria ser, de fato, a verdadeira mensagem a ser enviada, o protagonista se sacrifica para salvá-la e finalmente tirá-la do Poço.
Por que a garota é a mensagem?
Goreng entende que a prisão representa o que há de mais egoísta dentro do seu humano. Ao salvar a filha de Miharu, ele entende que uma vida que está em risco pode ser salva se fizermos uma ação de solidariedade. Como o próprio protagonista diz no final: “nenhuma mudança é espontânea”, ou seja, é necessário passar por todos os níveis para se criar compaixão para com os mais necessitados. Ao salvar a vida da garota, Goreng cria uma ponta de esperança para que essa mudança ocorra.
Dentro de sua própria metáfora, o filme argumenta que há dinheiro, alimentos e recursos para todos, mas isso só se torna real se as pessoas mais poderosas tivessem a solidariedade de compartilhar com os mais necessitados e quebrassem a percepção hegemônica de “quem tem mais, quer sempre mais”. O consumo excessivo leva à desigualdade, que por si só pode levar o ser humano ao seu limite.
O que realmente acontece com o protagonista?
O final de Goreng é ambíguo e não deixa claro o destino do personagem após salvar a filha de Miharu. Ao chegar ao último piso do Poço, ele reencontra o velho Trimagasi (Zorion Eguileor), que mesmo depois de morto continuou o assombrando com conversas fictícias dentro de sua mente. Os dois mais uma vez conversam como bons amigos, com o ancião dizendo para o protagonista que sua missão foi cumprida. A dupla sai andando e deixa o corpo da jovem na plataforma, que sobe de volta em direção à superfície.
Diferente da trama do filme, que tem uma mensagem clara de posições dentro da pirâmide social em que vivemos e como seriam nossas atitudes em cada uma delas, os últimos momentos de Goreng pode ter diferentes interpretações. Uma delas é de que o personagem morreu no processo de tentar salvá-la e a última cena marca o encontro dele com o amigo no outro mundo, deixando para trás tudo o que aconteceu. Outra possibilidade seria a de que, mesmo salvando a menina, Goreng viveu muito tempo dentro da prisão e foi corrompido pelo sistema, o que impossibilitaria o seu retorno junto dela, que representa a esperança uma nova visão. Uma terceira opção, essa um pouco mais presa à realidade, é a de que o protagonista estaria delirando após enfrentar a morte em sua descida pelos níveis mais baixos. Seu encontro com Trimagasi seria apenas outro fruto de sua imaginação e, após salvar a criança, seu destino seria ficar no último nível até que o seu mês derradeiro de confinamento terminasse.
Outra possibilidade
Uma outra interpretação para o final do filme envolve a sobremesa. A menina que Gorent e Baharat encontram no final não existe - uma vez que ela está no andar 333 e está, aparentemente alimentada e limpa (fora que, durante o filme, descobrimos que menores de 16 anos são proibidos de entrar no Poço). Ela seria mais uma das várias ilusões que o protagonista sofre antes de morrer e, na verdade, ela seria a representação da esperança - o fato dela comer a Panacota seria uma metáfora da esperança consumindo o símbolo. No fim das contas, o que chega a superfície é justamente a sobremesa que ninguém comeu, ou seja, a "mensagem" foi entregue. Porém, esse doce remete a uma cena no meio do filme, na qual o chefe de cozinha confronta os funcionários sobre um cabelo encontrado na comida, dando a entender que, para ele, os prisioneiros não comeram por conta do cabelo... ou seja, você pode até se matar por um objetivo, mas quem está acima de você não dará a mínima para os seus esforços e verá apenas o que quer.