[Atualização 27/6] A emissora Pop TV resgatou One Day at a Time do cancelamento, e agora a série receberá uma quarta temporada em 2020 - saiba mais.
A televisão é muito reativa ao público e, agora, com gerações cada vez mais interessadas em discutir temas sensíveis, vêm produções prontas para colocar conversas importantes na mesa. A Netflix tem muitas séries do tipo, como Black Mirror, BoJack Horseman e Master of None, mas a que sempre tirou isso de letra é, na verdade, uma sitcom cancelada: One Day at a Time.
Brevemente exibida entre 2017 e 2019, a série era uma comédia de auditório bem comum, remake de um programa homônimo da década de 1970 e até inferior para os padrões de qualidade técnica de várias outras do tipo. Seu diferencial sempre existiu na trama, que ao invés de demonstrar uma família tradicional norte-americana, acompanha Penélope Alvarez (Justina Machado), uma mãe solteira cubana, seus filhos Alex (Marcel Ruiz) e Elena (Isabella Gomez), e a vó Lydia (Rita Moreno) vivendo nos Estados Unidos. Por si só a premissa já abre a possibilidade de muitas abordagens inéditas, e a showrunner Gloria Calderon Kellett e o produtor Norman Lear sempre souberam como explorar isso.
A primeira temporada talvez seja a que mais sofre para encontrar a própria voz, já que tem muito a dizer mas ainda precisa apresentar quem são essas pessoas. As coisas começam a mudar a partir de “Hold, Please”, sétimo episódio que mostra Elena se identificando como lésbica quando precisa encontrar um par para sua festa de aniversário de quinze anos. Isso cria diversas consequências nos capítulos posteriores, desde a dificuldade de esconder de sua mãe, até a luta para Penélope entender ou então, para piorar tudo, a volta de Victor, seu pai divorciado que não aceita ter uma filha “fora do padrão”. A TV sempre teve problemas para retratar fielmente diferentes orientações sexuais - como bissexualidade, por exemplo, que sempre foi alvo de sarcasmo e piadas maldosas, como pontua Caroline Framke na Variety - mas a sitcom parece ter um enorme compromisso com a realidade ao demonstrar a grande dificuldade em ser aceito, e também o enorme poder de cura que vêm de ter apoio da família (mesmo que essa não seja só de sangue).
É nessa leva inicial de capítulos que a série mostra como lidará com tópicos sensíveis: há a representação do preconceito e muitas complicações mas, no fim do dia, os personagens sentam e tem uma conversa honesta sobre o assunto - o que, por extensão, coloca o espectador na sala com eles. As temporadas posteriores só crescem nos temas complicados, como a percepção dos imigrantes nos Estados Unidos, a luta para manter a herança cultural, religião, morte, masculinidade tóxica, uso de drogas e muito mais. Nem sempre o seriado entrega o que o público pensa, mas o processo se mantém apesar de tudo: não importa o quão diferentes são as perspectivas, tudo é conversado. Quando se trata de retratar o cotidiano não há abordagem certa, mas essa soa mais honesta e realista do que apenas dramatizar o que muitos ainda passam diariamente.
Infelizmente, programas tão carregados em tópicos políticos e sociais normalmente não têm vida longa - o produtor Norman Lear que o diga, tendo inúmeros trabalhos cancelados em sua carreira de sucesso. One Day at a Time não teve destino diferente - mas, assim como foi com Brooklyn Nine-Nine (que também trata de muitos temas sensíveis), a enorme legião de fãs se posicionou contra a Netflix assim que as notícias começaram a circular, ao ponto da CBS All Access estar interessada em trazer o programa de volta.
No fim das contas, ao longo de três temporadas, a série demonstrou que bate de frente (e frequentemente supera) muitas das mais aclamadas produções quando se trata de representar a realidade - nos seus melhores e piores momentos. A tarefa é ainda mais complicada quando se leva em conta que, durante toda a sua jornada, o programa se manteve uma comédia, ou seja, precisava arrancar risadas dos temas mais complexos sem nunca torná-los em piadas. One Day at a Time tira isso de letra e mesmo hoje, meses após seu cancelamento, merece ser assistida e, mais importante, discutida e entendida, como a Família Alvarez bem ensinou.