Em 2024, a sensação é que o k-pop estava constantemente correndo atrás de si mesmo. O sucesso astronômico de alguns grupos que exploraram uma sonoridade (e uma imagem, porque as duas coisas sempre andam de mãos dadas) mais "limpa" do que o usual para a indústria sul-coreana atirou as gravadoras em uma corrida para adaptar e inovar em cima dessa nova tendência.
O resultado foi uma coleção de álbuns que, embora menos guiados pelo espírito anárquico que pauta o melhor do k-pop, ainda atesta como poucos a criatividade absurda que sai daquela indústria todos os anos. Variar e adaptar o mesmo tema de maneira que pareça única e interessante o bastante, afinal, é um desafio e tanto - que muitos dos grupos na lista abaixo cumpriram com excelência inegável.
Confira os 10 melhores álbuns de k-pop de 2024.
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Essa lista faz parte do Omelhor, premiação do Omelete que reconhece os grandes acontecimentos da cultura pop no ano.
10. The Future is Ours: Found - AB6IX
Está virando tradição: todos os anos, o AB6IX aparece na nossa lista de melhores álbuns de k-pop com uma pérola subversiva que merecia ser muito mais ouvida do que foi. O disco do ano passado, The Future is Ours: Lost, é na verdade parte de um díptico com o deste ano, intitulado The Future is Ours: Found, e a continuidade é perceptível - ambos os álbuns mostram o grupo passeando com inteligência entre o eletrônico e o pop rock, brincando com a estrutura da canção pop de maneiras inesperadas e desafiando a demanda por faixas curtas criada pelo mercado de streaming.
Em ambos os álbuns, também, o AB6IX mostra que tem uma das combinações de talento mais fortuitas do k-pop contemporâneo - o timbre característico de Daehwi desaguando na elasticidade de Woong, que nos leva aos raps invariavelmente simpáticos de Woojin e à entrega lânguida de Donghyun (o quebrador de corações do grupo, é claro). “Traveler” os coloca em meio a revoluções de guitarra energizantes, “All Night” no grosso de uma batida de R&B suave, e a deliciosa “Whistle” em uma galhofa eletrônica pesadíssima. Em cada um desses (e ainda em outros) ambientes sonoros, eles fazem a mesmíssima magia funcionar.
9. Metamorphic - StayC
Na época de sua estreia, em 2020, a impressão com o StayC era que elas sabiam navegar o que significava ser um grupo feminino na indústria do k-pop melhor do que ninguém. Com a dose certa de doçura e atrevimento, fofura e impetuosidade, as StayC girls (“it's going down”) se posicionaram no topo do jogo - mas daí, como tão frequentemente acontece no k-pop, o jogo mudou. Metamorphic, primeiro álbum completo do grupo, parece ser a resposta delas a um cenário que abarca um ideário diferente de estrela pop feminina… e é uma resposta genial.
Nada melhor para encapsular essa mudança de ethos do que “Gummy Bear”, com sua melodia fragmentada e suas guitarras abafadas, tão diferente musicalmente da fofa “Teddy Bear”, hit anterior do grupo, quanto é próxima em nome. Diante da demanda mercadológica por produções menos intrusivas (culpo tanto Jack Antonoff quanto o NewJeans por esse esvaziamento sonoro do pop), o StayC responde com canções simples de ganchos açucarados - até difícil escolher o melhor entre “Let Me Know”, “Beauty Bomb” ou “1 Thing”. Verdadeiro ao seu título, o Metamorphic prova que o grupo se transforma sem perder o DNA.
8. Bamesis - BamBam
Quem diria que dentro do superastro que BamBam parece ter nascido para ser morava também um inovador pop. Já em seu quarto álbum solo, o integrante do GOT7 demonstra uma energia imprevisível em Bamesis, que já começa subvertendo expectativas com o single “Last Parade” - pérola pop construída em anticlímax atrás de anticlímax, misturando registros diferentes do cantor para não só construir uma montanha-russa sonora como também provar que, seja em tom de piscadela para o ouvinte ou conduzindo uma melodia mais convencional, ele tem carisma atrás do microfone.
Daí em diante, o artista tailandês não pisa no freio: “Mi Último Deseo” mostra que BamBam ousou mergulhar mais fundo na tendência latina do k-pop do que seus colegas, incorporando uma banda de mariachi inteira à sua melodia viciante; “Ball Like That” resgata algo do gangsta rap aos avessos, dono de sinceridade quase inocente, que vive nos confins mais bregas do k-pop; “Must Be Nice” o joga de paraquedas num dream pop que não estaria fora de lugar no disco do The Postal Service; e “Thank You Come Again” termina o disco justamente com o chamado irresistível do título (“obrigado, venham de novo”). Se a próxima viagem for tão recompensadora quanto essa, pode contar comigo, BamBam.
7. The Star Chapter: Sanctuary - Tomorrow X Together
A primeiríssima vez em que ouvimos um dos integrantes do Tomorrow X Together no disco The Star Chapter: Sanctuary é quando a voz de Yeonjun, carregada de filtros e distorções que o fazem soar quase como se estivesse em “Lonely”, do Akon, canta o título da faixa de abertura “Heaven” com um tom sonhador. É uma mudança de direção marcada e imediatamente perceptível para o grupo que passou anos passeando entre o emocore e um pop analógico grudento, sinalizando que a abertura desse novo “capítulo” na discografia do TXT é muito mais do que só outra virada de página - a sensação é que o livro todo mudou.
A boa notícia é que, embora concorde plenamente com as regras da era do streaming (todas as seis canções do disco marcam menos de três minutos), este novo TXT ainda sabe compor pop como ninguém. Cada uma das faixas do Sanctuary emerge íntegra dessa duração encurtada, apoiando-se em ideias sonoras simples (“Danger” é carregada pelo baixo funkeado à la Michael Jackson em Off the Wall) ou na euforia de um bom vocal em falsete (mesmo com 2:09, “Resist” ainda é a melhor do álbum e vai despertar boas memórias nos fãs do Br’oz) para reposicionar o grupo como um deleite artificial - daqueles que sabemos que não é bom pra gente, mas não conseguimos largar mesmo assim.
6. Pleasure Shop - KEY
Entra ano, sai ano, entra ano, e o SHINee continua aparecendo aqui na nossa lista de melhores álbuns de k-pop - de uma forma ou de outra. Em 2024, foi a vez de um dos nossos integrantes preferidos do grupo, KEY, mostrar que ainda tem cartas na manga mesmo depois de lançar a obra-prima que foi Bad Love (2021) - em Pleasure Shop, ele desfila um synthpop de elegância e energia melódica inegáveis, que se aproxima dos melhores representantes britânicos do subgênero, sempre misturando sofisticação e acessibilidade (Little Boots ia amar esse disco, é o que eu estou querendo dizer).
Sobram excelentes ideias nas seis canções reunidas aqui, do refrão falseteado de “Going Up” à repetição frenética que marca “Overthink”, mas o mais impressionante é como todas elas convergem para criar um todo coerente, exatamente como acontecia no Bad Love. Pleasure Shop é muito mais “rato de boate” do que seu predecessor, mas isso só significa que KEY pode esbanjar o seu alcance com menos culpa - do grave sugestivo ao sussurro íntimo, passando pelos melismas mais surpreendentes, ele domina a pista de dança tanto quanto domina o espaço entre as nossas orelhas. Volte quando quiser, Kibum.
5. With YOU-th - TWICE
Que prazer é ver o TWICE voltando a ser a máquina mais bem azeitada de fazer pop do mundo. Após alguns discos pouco inspirados, o grupo liderado por Jihyo retomou, no With YOU-th, um domínio absurdo da melodia, da projeção de confiança, da comunicação aberta com o público, que fazem popstars de verdade voarem alto. Dos primeiros toques ecoados dos sintetizadores de “I Got You” adiante, o TWICE engaja o ouvinte em uma conversa franca sobre o momento que o grupo vive em sua trajetória, mas também trata de nos lembrar quem está no controle dessa caminhada.
“Duas vezes a magia do Sol e da Lua/ Só espere até me ver desabrochar”, diz o refrão da excelente “Bloom”, provavelmente a canção pop mais perfeita do ano com sua melodia ascendente (a bridge que testa o alcance das vocalistas é simplesmente transcendental) por cima de uma produção que empresta todos os cacoetes de um NewJeans só para lembrar a elas - e a nós - como se faz. Pode até ser que nem sempre ela pegue no tranco, enfim, mas a máquina pop do TWICE é insuperável quando está acelerando solta.
4. IVE Switch - IVE
Para a surpresa de absolutamente ninguém que estivesse prestando o mínimo de atenção, o IVE se adaptou à mais recente mudança de direção do k-pop como as camaleoas pop que são. O IVE Switch, como o próprio nome indica, obriga as integrantes do grupo a se esticar inesperadamente na direção de gêneros pouco explorados anteriormente na discografia - mas faz isso sem perder o fio da meada do que o IVE construiu até hoje. “HEYA”, por exemplo, empresta a batida oriental lânguida de “Eleven” só para distorcê-la em um hip hop frenético que depende muito das entregas vocais carismáticas das meninas.
“Blue Heart”, enquanto isso, as coloca em um synthpop rápido e opressivo que lembra o Blackout de Britney Spears, no melhor dos sentidos possível; e a dupla “WOW”/“Reset” fecha o disco emprestando a percussão eletrônica ardida consagrada pelo NewJeans e pelo Le Sserafim para mostrar que elas também sabem jogar esse jogo. Mas não tem jeito: é em “Accendio” que essa reinvenção do IVE encontra o seu ápice, com uma melodia que serpenteia ao redor da letra de maneira contagiante. No fim das contas, por baixo de todas as invenções da vez, é simplesmente sobre o quão boas elas são no que fazem.
3. Fe304: Break - NMIXX
Desde os primeiros segundos de "Dash", em que Lily recita o gancho melódico da canção em tom grave calculado, o Fe304: Break parece calculado para nos fazer entender que o NMIXX é simplesmente o grupo de k-pop mais inventivo de sua geração. Palco para as experimentações mais absurdas do time de produtores da JYP Entertainment (o bordão das meninas é "NMIXX change up", afinal), as canções do Break relembram o ouvinte o quão delicioso é ser surpreendido por uma canção pop.
Do hip hop ao jazz ao rock em menos de três minutos, a viciante "Dash" dá o tom para misturinhas ainda mais curiosas no restante do disco: "Run for Roses", a melhor da tracklist, é um country pop à la Shania Twain para o século XXI, com uma nota alta rasgada que é um sucesso na pista de dança; "Boom" aposta no anticlímax dos versos de rap intercalados por um um refrão ascendente; "Passionfruit" tem um gancho açucarado que as integrantes recitam por cima de um violão delicado; e "XOXO" não estaria fora de lugar em um álbum do TLC. Mais do que nunca, vale a viagem com elas.
2. Walk - NCT 127
Difícil pensar em um atestado mais definitivo da maturidade do NCT 127 do que a tracklist eclética, elegante e audaciosa de Walk, o sexto álbum completo da unit liderada por Taeyong. Em 11 canções,o disco mostra que o 127 das experimentações baseadas em hip hop e eletrônico ainda está aqui - as viradas da canção-título "Walk" e o refrão desavergonhadamente apelativo de "Pricey" que o digam -, mas também que nasceu deste mesmo grupo uma sofisticação inesperada.
Ela aparece em "Orange Seoul" e "Suddenly", que brincam com instrumentos de sopro para aproximar o grupo do jazz ou da bossa nova; em "Time Capsule" e "Meaning of Love", que abusam dos timbres cristalinos dos vocalistas principais do 127 para entregar um folk pop limpíssimo; e na excelente "Can't Help Myself", uma balada R&B dona de melodia hipnotizante. E, quer saber? É bem bacana poder relaxar ao som do NCT 127, além de bater cabelo com eles.
1. Eternal - TAEMIN
O timbre agudo aéreo de TAEMIN, tanto quanto o seu pendor a usar a sensualidade da dança para tecer textos de transgressão de gênero e refletir sobre a relação do popstar contemporâneo com o corpo como produto, já são pedra fundamental da história do k-pop. Em outras palavras, ele não precisava de Eternal para provar sua vitalidade diante de uma troca de gravadora e do retorno do serviço militar - mas talvez nós precisássemos, para lembrar do poder expressivo absurdo da música pop.
Se o disco começa com o hip hop autoengrandecedor de "G.O.A.T.", aos poucos a proclamação dessa primeira faixa se revela como uma profecia certeira. Em "Horizon", TAEMIN emerge de um mar de sintetizadores rasgados para entregar a canção mais propulsiva do pop de 2024; a envolvente e lânguida "Deja Vu" mostra que ele sabe misturar sexo e culpa como ninguém; e as melodias belíssimas da dupla "The Unknown Sea"/"Say Less" aproveitam para restabelecer TAEMIN como um dos cantores em falsete mais expressivos em atividade.
Sonoramente, textualmente, narrativamente e visualmente rico, o Eternal mostra que o integrante do SHINee continua sendo o artista referencial de seu gênero. Daí o topo da nossa lista: quando o rei está no páreo, ninguém ousaria roubar sua coroa.