Há alguns mitos sobre a relação do brasileiro com o cinema nacional. Estas crenças – tipicamente perpetuadas pelo mercado que separa mais e mais separa salas apenas para produções hollywoodianas e por aqueles que inexplicavelmente parecem torcer contra o próprio país – são de que o brasileiro não gosta de ver filmes brasileiros, ou que o cinema nacional só produz o tal "favela movie", e que há um abismo entre o Brasil e vizinhos como a Argentina no quesito cinema.
A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, que premiou a brasileira na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama por Ainda Estou Aqui, não era necessária para provar o erro desses pensamentos. Ainda assim, o prêmio de Fernanda Torres é importante pelo que ele agrega ao argumento.
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Basta observar sucessos como O Auto da Compadecida 2, recentemente, e Bacurau, há cinco anos, para ver que não precisamos voltar décadas para encontrar produções nacionais bem-recebidas pelo povo verde-e-amarelo. Quem acompanha de perto o cinema nacional – e em 2024 viu filmes como Malu, Oeste Outra Vez e tantos outros – sabe do patamar dos nossos artistas, mas mercado, e as pessoas que menosprezam a vontade do brasileiro de se ver representado na tela são guiados por resultados, e a premiação no Globo de Ouro é, sem sobra de dúvidas, um resultado.
Além de colocar Torres como favorita à indicação ao Oscar (nos últimos 37 anos, apenas duas atuações femininas de premiadas Globo de filme dramático não foram indicadas ao Oscar), a vitória potencializa o movimento de uma verdadeira torcida. Entre em qualquer publicação repercurtindo o Globo de Ouro no Instagram, de qualquer página, e vá nos comentários.
O brasileiro está emocionalmente investido em Fernanda Torres e em Ainda Estou Aqui. Observe este fenômeno por qualquer viés, e a conclusão sempre será esta. O filme de Walter Salles fez R$ 60 milhões na bilheteria (até então), o que representa o quinto maior faturamento de 2024, à frente de blockbusters como Duna: Parte 2, Gladiador II e Beetlejuice Beetlejuice. A crítica, nacional e internacional, mais do que aprova o filme. Sua estreia no Festival de Veneza já veio acompanhada de troféus. Até vitória no Oscar, ainda não garantida, já não é mais um sonho distante.
Em outras palavras, o que falta para desmontarmos de vez essas máximas sobre a relação do brasileiro e a arte cinematográfica? Novamente, não precisamos da bilheteria e do Globo de Ouro para comprovar a qualidade do nosso cinema, mas é justamente a falta desta coisa que os detratores usam para tentar desqualificar as produções nacionais. Feitos como o de ontem invalidam essas ideias. Não é só o brasileiro – o mundo está celebrando Ainda Estou Aqui.
O que nos leva à pergunta: por que isso não acontece mais? Justamente pela força desses equívocos. Falta investimento, em diversos níveis, porque o mundo comercial não olha para isso como algo digno de investir. Ainda Estou Aqui e Fernanda Torres provam o contrário. Não será todo ano que teremos um filme de um nome já forte, mundialmente, como Walter Salles, e nem com a linhagem que vai até Fernanda Montengro e Central do Brasil. É, porém, indesculpável, que demore décadas para termos outro longa-metragem brasileiro competindo lá fora e sendo recebido deste jeito. O último a fazer tal movimento, Cidade de Deus, veio em 2002.
Na melhor das hipóteses, a conquista de Fernanda Torres no Globo de Ouro será um holofote para essa realidade. Não faltam nomes. Diretores como Kleber Mendonça Filho, Fernando Meirelles, Karim Aïnouz e Petra Costa já têm o reconhecimento em festivais como Cannes e Veneza. Não falta qualidade. Não faltam bons filmes. Falta apenas perceber isso.
