Somente duas vezes, na história de mais de 80 anos do Globo de Ouro, uma vencedora do prêmio de Melhor Atriz em Filme - Drama ficou de fora das indicações ao Oscar da sua categoria. E, em ambas as ocasiões, é necessário colocar um asterisco ao lado da estatística.
A primeira foi em 1989, quando Shirley MacLaine venceu o Globo de atriz dramática por Madame Sousatzka. A veterana não foi indicada ao Oscar naquele ano, é verdade - mas vale notar que 1988 foi atípico no Globo de Ouro, uma vez que os votantes decidiram premiar três atrizes na categoria em questão, em um empate técnico de votos. Além de MacLaine, portanto, Jodie Foster (por Acusados) e Sigourney Weaver (por Nas Montanhas dos Gorilas) também levaram estatuetas na cerimônia.
Quando chegou a hora do Oscar, algumas semanas depois, tanto Jodie quanto Sigourney foram indicadas a Melhor Atriz, mas Shirley (que havia vencido o careca dourado alguns anos antes, por Laços de Ternura) ficou de fora, preterida por concorrentes de peso como Melanie Griffith (Uma Secretária de Futuro), Glenn Close (Ligações Perigosas) e Meryl Streep (Um Grito no Escuro) . Foster acabou vencendo o Oscar, é claro.
A segunda vez que uma vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme - Drama passou batida na corrida do Oscar foi vinte anos depois, em 2009, quando Kate Winslet levou o prêmio no Globo por Foi Apenas um Sonho. Foi um ano marcante para a estrela britânica, que saiu duplamente premiada da cerimônia, levando também o Globo de Melhor Atriz Coadjuvante em Filme por seu trabalho em O Leitor.
Acontece que, ao contrário do que costuma acontecer no Globo de Ouro, os votantes do Oscar não escolhem por si mesmos as categorias em que desejam indicar cada performance. Na verdade, são os estúdios que precisam fazer essa escolha, na hora de submeter seus filmes diante da Academia - e a The Weinstein Company, em 2009, decidiu investir seus milhões em uma campanha massiva para Winslet vencer o Oscar de Melhor Atriz… por O Leitor.
É um dos casos mais marcantes, e curiosos, do que os observadores da temporada de premiações hollywoodianas chamariam de “fraude de categoria”. Apesar de ser claramente uma coadjuvante no filme de Stephen Daldry, o apoio do estúdio e a percepção dos votantes de que este era o momento de premiá-la alçaram Winslet a uma vitória inicialmente improvável na categoria de Melhor Atriz - e, diante da possibilidade proeminente de indicá-la por este filme, os votantes da Academia deixaram sua performance em Foi Apenas um Sonho de lado.
Tudo isso é para dizer que, após sua vitória na noite de ontem (5) como Melhor Atriz em Filme - Drama, por Ainda Estou Aqui, a brasileira Fernanda Torres sai absurdamente mais forte na corrida por uma indicação ao Oscar. Caso ela fique de fora, estaria quebrando um tabu que, a depender de quanto você abre espaço para situações excepcionais, já tem 20, 40 ou 80 anos de idade.
E isso é curioso também porque, até ontem, a indicação de Torres estava longe de garantida. No GoldDerby, respeitado site que reúne previsões de especialistas e do público sobre premiações e outros eventos, Torres aparecia na 8ª posição entre as mais prováveis indicadas a Melhor Atriz, atrás de nomes como Mikey Madison (Anora), Karla Sofía Gascón (Emilia Pérez), Cynthia Erivo (Wicked), Angelina Jolie (Maria Callas), Demi Moore (A Substância), Marianne Jean-Baptiste (Hard Truths) e Nicole Kidman (Babygirl) - lembrando que, no Oscar, somente cinco atrizes são indicadas à categoria.
A vitória da brasileira no Globo de Ouro mudou essa perspectiva, com especialistas inclusive começando a especular quem das cinco (até então) favoritas seria preterida para que Torres entre na lista. Não é exagero dizer, portanto, que a indicação de Fernanda Torres ao Oscar 2025 de Melhor Atriz passou de possibilidade razoável a probabilidade forte após a cerimônia de ontem (5). Mas e a estatueta, será que vem?
Nesse sentido, a vitória no Globo de Ouro significa um pouco menos do que costumava significar. A última vez que uma vencedora do Globo de Melhor Atriz em Filme - Drama levou o Oscar de Melhor Atriz foi em 2019, quando Renée Zellweger fez a limpa na temporada de premiações com sua performance em Judy.
Na meia década desde então, as vencedoras do Globo nesta categoria têm entrado na corrida do Oscar, mas também têm perdido o careca dourado. Foi o que rolou com Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores), Cate Blanchett (Tár), Nicole Kidman (Apresentando os Ricardos) e Andra Day (The United States vs. Billie Holiday).
As duas premiações costumavam ser mais alinhadas do que isso - mais de metade das vencedoras de Melhor Atriz - Drama levaram o Oscar de Melhor Atriz nos anos 1990 e 2000, por exemplo -, mas os tempos mudaram. A perda de prestígio do Globo nos últimos anos, após o envolvimento dos organizadores em denúncias de compra de voto e críticas à diversidade dos indicados, levou a uma reformulação interna que colocou a premiação em uma estrada de recuperação de prestígio. Está funcionando, mas é um processo em curso.
O Globo de Ouro também tem uma história longa e bem documentada de ser mais gentil (alguns diriam, mais justo) com intérpretes estrangeiras. Isabelle Huppert (Elle), Liv Ullmann (Os Emigrantes) e Anouk Aimée (Um Homem e uma Mulher) estão entre as atrizes que venceram o Globo, na mesma categoria de Torres, por performances que não são faladas em inglês - as três foram indicadas ao Oscar, mas perderam o prêmio para concorrentes estadunidenses.
E é até natural que isso aconteça. Afinal, os votantes do Globo de Ouro são um grupo limitado jornalistas estrangeiros que fazem cobertura de Hollywood (incluindo alguns brasileiros). Já no Oscar, quem elege os indicados e vencedores são os trabalhadores da indústria hollywoodiana, um grupo selecionado pela própria Academia que, até poucos anos atrás, era bastante limitado a votantes estadunidenses (e do sexo masculino, e brancos, e mais velhos…). Nos últimos anos, diante de clamores por mais diversidade no Oscar, a instituição tem convidado números recordes de novos membros de fora dos EUA - e o resultado já se vê em premiações e indicações inesperadas, como as de Parasita em 2020 e de Drive My Car em 2022.
É tudo, como se pode notar, uma confluência de tendências e variáveis estatísticas complexas que podem levar Fernanda Torres a uma indicação histórica ao Oscar 2025 por seu trabalho em Ainda Estou Aqui. A possibilidade de uma esnobada decepcionante continua existindo, é claro, mas - agora sim, depois do Globo de Ouro - os ventos parecem soprar a favor da brasileira.