Indicado a três categorias no Oscar 2025, Sing Sing seria um grande filme independente da verdade por trás do elenco. O drama ancorada pela atuação vulnerável e calorosa de Colman Domingo (Euphoria, Rustin) trata com louvor do poder da arte de forma muito prática – enquanto os homens da prisão de segurança máxima que dá nome ao filme atuam, escrevem e interpretam uma peça que eles mesmo imaginam, quase podemos ver as cicatrizes se fechando. O palco está curando.
Entre a direção leve e convidativa de Greg Kwedar e a fotografia cheia de textura de Pat Scola, o filme funciona sem qualquer conhecimento da história real por trás, e especialmente de como ela se infiltra na ficção. Não se trata de um grande segredo. Na verdade, alguns vão deduzir a revelação, confirmada nos créditos do filme, enquanto assistem. Mas a descoberta não só emociona, como também potencializa cada cena que veio antes. Estou enrolando, eu sei. O que peço, como fiz na crítica, é que se isso já é suficiente para te convencer a ver Sing Sing quando o filme entrar em cartaz nesta quinta (13), então não procure mais nada.
Mas se você continua comigo, então vamos lá: quase todo o elenco de Sing Sing está interpretando versões levemente fictícias de si mesmos. Sean "Dino" Jonhson, Mosi Eagle, Patrick "Preme" Griffin, David "Dap" Giraudy, James "Big E" Williams e, claro, Clarence “Divine Eye” Maclin conhecem bem aquela história: eles viveram tudo aquilo. Estes homens não só estiveram atrás das grades, como também passaram pelo programa RTA, de Rehabilitation Through the Arts (Reabilitação pelas Artes, em tradução livre), o motor do filme. Eles de fato descobriram, no teatro e na literatura, uma escapatória da prisão.
Descobrir isso deixa tudo mais poético. Não à toa, as atuações de todo o elenco parecem tão naturais e soltas. Com exceção de Domingo e alguns outros, Sing Sing é composto por atores cujos maiores espetáculos foram realizados sob o olhar de guardas, mas que abriram portas para uma mudança radical de vida: enquanto a média nacional de reincidência nas prisões dos Estados Unidos é acima de 60%, entre os participantes do RTA é abaixo de 5%.
Kwedar se deparou com o RTA por acaso. Auxiliando a produção de um curta documental dentro de uma prisão de segurança máxima, ele se deparou com um programa de reabilitação voltado tanto para homens quanto para animais quando percebeu um detento acompanhado, dentro da cela, por um cachorro. Emocionado com a relação de companheirismo entre eles, o cineasta procurou por iniciativas com o mesmo propósito, e encontrou a história que, agora, ele dramatizou em Sing Sing.
Para ser mais preciso, o que Kwedar adapta no filme – e o que rendeu a indicação a Melhor Roteiro Adaptado no Oscar – é o artigo da Esquire sobre a peça original pensada pelos membros da RTA. Batizada de Breakin’ the Mummy’s Code, ela mistura musical, viagem no tempo com Hamlet, faroeste e outras coisas. É tão divertida quanto parece. "Tinha algo no tom [da obra], o drama inerente do ambiente difícil [da prisão] e a experiência humana transformadora, justapostos à leveza de uma comédia maluca", conta Kwedar. "Pensei que talvez este pudesse ser o pontapé para contar uma história que mostrasse para as pessoas a capacidade de alguns indivíduos, que são ou estereotipados, ou esquecidos.”
Vemos trechos da peça – que foi apresentada ao vivo em Nova York como parte da campanha de Sing Sing para o Oscar – no filme, o que de certa forma fecha o círculo para o elenco. Eles estão encenando, literalmente, a forma como a arte os mudou. O cinema está destacando o teatro e o teatro está informando o cinema. Dos detentos, Divine Eye e Divine G (Domingo) servem como protagonistas de Sing Sing, mas suas participações no RTA começaram de maneiras quase opostas.
Um homem inocente condenado injustamente, Divine G já tinha uma proximidade com as artes antes de chegar à Sing Sing e ao RTA. Na juventude, ele já havia praticado dança e canto, mas o bullying que sofreu na sua vizinhança o fez desistir. Atrás das grades, a biblioteca virou seu refúgio, e enquanto ele estudava direito para tentar provar sua inocência, romances e peças entraram na rotação de leituras e a veia criativa veio junto. Nos palcos do RTA, rodeado de homens que fariam seus bullys correrem de medo, ele encontrou comunidade e esperança.
Eye, por outro lado, não tinha interesse em tais coisas. Escondendo toda a fragilidade enquanto extorquia outros presos e vendia drogas, ele viu os membros do RTA externando suas emoções sem serem julgados e, relutante, se aproximou do grupo. Logo, o lobo solitário estava nos holofotes. "No palco, a história era outra. Era entretenimento", lembra Maclin, que interpreta a si mesmo no filme. "Não demorou muito para que eu percebesse que aqueles caras tinham filhos, como eu. Mães que se importavam com eles, como a minha. Fora do RTA, eu nunca pensaria nos relacionamentos dos outros."
Elenco de membros do RTA atuando em Breaking the Mummy's Code
"Nossas vidas mudaram depois que conhecemos os Divines", afirma Clint Bentley que escreveu Sing Sing junto com Kwedar e ambos Divine G (que tem uma pontinha no filme) e Divine Eye. "Divine G tem intensidade e foco, é uma pessoa que não perde um segundo da vida. Já Clarence tem um carisma irrefreável e uma sabedoria profunda, conquistada com lições duras da vida", adiciona Kwedar. "Os dois foram muito abertos e vulneráveis ao dividir suas histórias com a gente".
Então há o resto da trupe. Após servirem como voluntários em programas de RTA, Kwedar e Bentley sabiam que eles queriam ex-membros da iniciativa no filme. “Eu explicava a eles: ‘Estamos montando esta peça em que você estava, mas não a peça inteira. Vocês desempenharão um papel na peça, mas também desempenharão um papel no filme, interpretando a si mesmos, mas também uma versão diferente de si mesmos’” explica a produtora Monique Walton, responsável por fazer o convite. Soa complicado? Talvez, mas não difícil convencê-los. “Todos estavam tão a bordo e tão apaixonados por atuar,” ela lembra.
Depois de um processo de escalação para encontrar o elenco, sete veteranos receberam papéis principais e outros tiveram participações pontuais. Além de atuar, eles também ajudaram a moldar a história.
Elenco de Sing Sing recriando Breaking the Mummy's Code
“Nós pensamo no filme com muitas cenas roteirizadas”, explica Bentley. “Mas houve muitos momentos onde... onde tudo foi apenas um momento. O roteiro é apenas uma estrutura para os homens fazerem algo. E talvez tivesse uma fala que precisasse ser dita por alguém — ou talvez não. Mas o que realmente desbloqueou o filme foi isso: aprender a dar espaço aos homens que realmente o viveram.”
Kwedar concorda. “Quando tentamos inventar, sempre acabávamos errando. Mas quando saímos do caminho, e criamos espaço, e abríamos nossas mãos para o que viria — há tantas histórias e momentos que são tão específicos e tão profundos, que você simplesmente não consegue escrevê-los,” ele garante
“Você tem que viver estes momentos — como eles viveram,” declara o diretor.
Essa frase, de certa forma, resume a grandeza do filme. Mais do que permitir que os atores contassem suas experiências, Sing Sing oferece ao grupo a oportunidade de viver o que o RTA prega. Se a ideia aqui é a reabilitação, que prova maior há do poder da arte em prol disso do que ver homens que essencialmente aprenderam a atuar interpretando, agora, a eles mesmos? Estes atores escolheram, por livre e espontânea vontade, retornar para a prisão para nos mostrar como saíram dela.