Eles estão aqui...novamente!
Em 1982, em Cuesta Verde, a família Freeling foi assombrada por forças misteriosas que demonstravam interesse na pequena Carol Anne. Ela bem que tentou avisar das presenças dessintonizadas no ambiente, evidenciando que os fantasmas da televisão não eram apenas problemas com a captação de imagens, mas acabou sendo levada para uma outra dimensão, convivendo durante um período com espíritos errantes em busca de uma saída do vale dos mortos. Considerado confuso na época do seu lançamento - ora, um crítico de jornal, em 1934, apontou que King Kong era violento, tinha um argumento absurdo e era focado em um erotismo monstruoso! -, Poltergeist demorou para alcançar seu público, provavelmente devido a sua estratégia ambígua de leitura e bifurcada em dois clímaxes (o resgate da garotinha e a aparição dos cadáveres). Ao mesmo tempo em que trazia uma família americana tendo que se unir para enfrentar o Mal absoluto, era evidente a sua crítica à febre dos televisores, capazes de seduzir o espectador por trás de imagens que escondiam as mazelas da sociedade. O jornal Los Angeles Times chegou a dar uma nota regular a essa confusão de sentidos, afirmando que "você nunca tem certeza das regras do jogo."
Leia a crítica de Poltergeist - O Fenômeno (2015)
Apesar dessas análises prematuras, Poltergeist passaria a ser cultuado por um outro lado, o dos bastidores da produção. Debates sobre as responsabilidades na direção - comandado oficialmente por Tobe Hooper, com a sombra de Steven Spielberg - e os episódios trágicos envolvendo o assassinato da atriz Dominique Dunne pelo namorado e mortes estranhas do elenco (a pequena Heather O'Rourke após o terceiro filme) e de outros integrantes da equipe de produção, transformaram o longa em um fenômeno de pesquisas e estudos. Com um orçamento estimado em pouco mais de U$10 milhões, Poltergeist fez sete vezes esse valor nas bilheterias americanas e rendeu duas continuações inferiores, Poltergeist II: O Outro Lado (1986) e Poltergeist III: O Capítulo Final (1988).
Quando foi concebido no início da década de 80, inspirado em Terror em Amityville (Amityville, 1979), A Troca (The Changeling, 1980) e O Iluminado (The Shining, 1980) - embora Spielberg aponte apenas Desafio ao Além (The Haunting, 1963), de Robert Wise, como fonte -, Poltergeist já fazia parte de uma nova fase das produções envolvendo casas assombradas: a partir daí elas seriam centradas na força da família, um retrato do que a América esperava resgatar por conta da fragilidade do período hippie. Além das continuações, tanto de Poltergeist quanto de Amityville, esse modo de valorizar a união familiar contra o sobrenatural atingiria o "terrir" (A Casa do Espanto, 1986) e continuaria na década de 90 (A Casa das Almas Perdidas, 1991). Após um período de seca do estilo, com poucos exemplares de destaque, ele voltaria com força no novo milênio, incendiado pelo trabalho de Alejandro Amenábar em Os Outros (The Others, 2001), e pelo estilo "found footage", com o sucesso de Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007), e seus subprodutos.
Dessa nova safra do gênero, o que mais se assemelha ao longa de 1982 é Sobrenatural (Insidious, 2010), de James Wan, que trazia novamente forças malignas numa casa e o sequestro para o além de uma criança. O filme foi bem nas bilheterias e rendeu uma franquia exagerada, além de ser o responsável pelos acordes mais acentuados da refilmagem de Poltergeist, até o diretor malaio comandar aquele que seria o motor de propulsão, Invocação do Mal (The Conjuring, 2013). O sucesso do "esconde-esconde com palmas" reacendeu o interesse por casas repletas de espíritos, e deu liberdade para que o remake de Poltergeist fosse realizado, confirmando os rumores iniciados em 2008.
Até o comando da produção alcançar as mãos de Gil Kenan, diretor de A Casa Monstro, Poltergeist já havia pertencido ao ucraniano Vadim Perelman (Sem Medo de Morrer, 2007) e, num breve rumor, a Sam Raimi (A Morte do Demônio, 1982). Nesse período, a MGM passou por uma grave crise financeira, que atrasou algumas produções e fortaleceu parcerias; no caso do remake, foi feita com a FOX e a GhostHouse, de Raimi, passando o tratamento do roteiro a David Lindsay-Abaire (de Oz: Mágico e Poderoso, 2013), que trouxe uma releitura do trabalho original, alterando nomes das personagens e boa parte das ações e a promessa de manter a essência.
Quando as primeiras imagens surgiram na internet, o público começou a ver com bons olhos a refilmagem. O elenco escolhido e a aparição do novo boneco de palhaço, um dos pesadelos dos coulrofóbicos da década de 80, eram animadores, embora a censura PG-13 tenha feito os fãs do original ficarem preocupados - desnecessariamente, eu diria, pois há bons filmes de terror com a mesma classificação: O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), Os Outros (2001), O Chamado (The Ring, 2002), A Chave Mestra (The Skeleton Key, 2005), 1408 (2007), Arraste-me para o Inferno (Drag me to Hell, 2009) e Sobrenatural (Insidious, 2010). Ou será que você esperava cenas gráficas de violência e gore nesse remake, se nem o original possuía?
Poltergeist - O Fenômeno foi, enfim, realizado. E o resultado pode ser considerado satisfatório, dependendo, é claro, do que você espera. Não é superior ao original e peca pelos excessos, mas é uma produção simpática e bem feitinha, daquelas que você sai do cinema com uma sensação otimista, deixando no assento a lembrança de alguns saltos e pedaços de unha.
No enredo, a família Bowen acaba de se mudar para uma residência modesta, depois que o patriarca, Eric (Sam Rockwell, de Homem de Ferro 2, 2010), perde o emprego. A morada aparenta tranquilidade, com boa vizinhança e a proximidade de um campo, embora uma velha e enorme árvore já tenha intrigado o pequeno Griffin (Kyle Catlett, de Uma Viagem Extraordinária, 2013), escolhido para dormir no sótão, com teto solar. Ele é irmão da adolescente Kendra (Saxon Sharbino, de Doce Vingança, 2010) e da adorável Madison (Kennedi Clements, de Um Herói de Brinquedo 2, 2014), que possui um "porcórnio" e o hábito de conversar com o guarda-roupas embutido. A mãe, Amy (Rosemarie DeWitt, que viu Invocação do Mal em 2013 e quis participar do remake), também desempregada, está animada com as possibilidades da nova casa, mas sabe que as dificuldades financeiras tendem a ficar piores e pede sempre o incentivo do bem-humorado marido, como um porto seguro para acalmar os problemas.
Logo que ocupam seus cômodos, Griffin assume o protagonismo das ações, tentando mostrar aos pais que a casa esconde segredos e que Madison parece conhecê-los. Com a oscilação da energia mexendo com todos os aparelhos eletrônicos - não só a TV, evidenciando que, desta vez, a crítica é à conexão e as mídias modernas -, a garotinha anuncia que eles são inquilinos de uma multidão de assombrações que já "estão ali" (curiosamente, no original, Carol Anne disse, na verdade, "Eles todos estão aqui" e a dublagem optou por alterar para a frase clássica, que virou a tagline da produção). Os espíritos são, logo, denominados como parte do fenômeno "poltergeist" (do alemão "polten", bater, e "geist", espírito), entidades agressivas que buscam uma saída da dimensão sombria a qual estão presas e que enxergam na pequena uma chave para a luz.
Durante um jantar fora dos pais, com Kendra servindo como babá, o horror vem em doses cavalares com diversas manifestações contra os filhos, ocorrendo as cenas mais esperadas envolvendo o ataque do palhaço e da árvore. Com o sumiço de Madison, os pais entram em contato com um trio de especialistas em experiências paranormais e, por fim, o apresentador de um programa de combate ao sobrenatural, Carrigan Burke (Jared Harris, de Lincoln, 2012), com a esperança de enfrentar o Mal para resgatar a pequena de uma dimensão alternativa, repleta de almas perdidas e desesperadas.
Se por um lado, o novo Poltergeist mantém o argumento original, desenvolvido por Spielberg, e reedita algumas cenas clássicas, por outro, é apenas vítima dos lugares-comuns do gênero, apostando em sustos falsos (a novidade é o "pulo do esquilo"), com o aumento do som. Há boas ideias ali como o efeito das sombras da perdida Madison e a luz cativante que atrai a pequena para o guarda-roupas, servindo como uma simbologia do que representa a saída dos espíritos de sua condição sofredora. Aliás, a garotinha Kennedi é muito talentosa e encantadora, como foi Heather no original; Kyle também atua bem e é bastante convincente como o "superboy". Enquanto no filme de 82, a família dividia entre os membros sua importância, aqui, Griffin é quem rouba os melhores momentos e faz acertadamente o papel do familiar consciente e herói.
Quanto aos aspectos negativos, é impossível não sentir falta do desfile das almas, da piscina de cadáveres e de Tangina (a saudosa Zelda Rubinstein). A versão masculina lembra o Peter Vincent de A Hora do Espanto (Fright Night, 1985), como o apresentador de um programa de investigação sobrenatural, tendo que enfrentar um Mal realmente assustador. Ele não tem o mesmo carisma, até mesmo na expressão da clássica frase "A casa está limpa!". Os efeitos especiais são exagerados no CGI, principalmente quando mostra "o outro lado", algo que o original apenas corretamente sugeriu - a justificativa para o uso do 3D só serve para essa sequência "videogame", com o drone viajando pelo mundo dos mortos.
E se você aguarda ansiosamente pelo famoso ataque do boneco de palhaço, é bem capaz de se decepcionar. No remake, há vários exemplares, mas a cena é rápida e não tem a composição excepcional da trilha de Jerry Goldsmith, enquanto a criatura puxava o garoto com seus longos braços para debaixo da cama. A criação de Marc Streitenfeld (de Prometheus, 2012) é discreta, sem impacto, assim como as ações do novo vilão com sua risadinha incômoda. Também deixa a desejar o abraço da árvore, um dos momentos mais aterradores da década de 80, inspirando diversas películas posteriores.
A direção de Gil Kenan é correta, com bons planos abertos, principalmente no último ato. O passeio da câmera pela residência, com o drone e com os galhos da árvore, é levemente inspirado. Não há aqueles cortes rápidos, nem o agito da câmera nas cenas intensas, que dificultam a compreensão do espectador. Porém, se não compromete, também não favorece o resultado final, não justificando a escolha do responsável pelo divertido A Casa Monstro (e que trouxe dimensões e ângulos muito mais eficientes, até mesmo para uma animação com elementos fantásticos).
Ao final, entre mortos e poucos feridos, o espectador que não costuma exigir muito provavelmente fará uma boa avaliação do novo Poltergeist pelos sustos e alguns momentos de tensão. Os saudosos, que veneram a obra original, avaliarão essa releitura como um desperdício de talento na concepção de uma versão genérica de um clássico. Fico com o meio-termo: um remake inferior (ainda prefiro Insidious, de James Wan, como o oficial), mas carismático, que pode servir de incentivo para uma nova conferida no filme de 82, além de possibilitar o interesse de uma nova geração de fãs do gênero. Jamais, um fenômeno!
* Marcelo Milici é professor, com especialização em Horror Gótico, idealizador do Boca do Inferno , fã de rock´n roll e paçoca.