As colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundiram e ganharam uma periodicidade semanal, dando mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.
Veja os destaques da semana:
AQUI DENTRO: AS INCRÍVEIS AVENTURAS DO ESCAPISTA
O QUÊ: Histórias com o herói criado pelo romancista Michael Chabon em As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay, como se fosse um personagem que atravessou a história das HQs desde a Era de Ouro. A publicação é da editora Devir.
QUEM: Uma seleção de escritores e quadrinistas convidados, dos quais os mais conhecidos são Will Eisner, Howard Chaykin e Harvey Pekar.
POR QUÊ: No livro As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay, Michael Chabon conta a Era de Ouro dos quadrinhos dos EUA (décadas de 1930-1940) da perspectiva de dois quadrinistas fictícios, Joe Kavalier e Sam Clay. A exemplo das grandes criações da época, como Superman, Batman e Capitão América, eles lançam um personagem mestre em fugas chamado Escapista.
Alguns anos após a publicação do livro, a Dark Horse propôs a Chabon publicar as HQs “esquecidas” do Escapista, criando um catálogo ficcional de aventuras do herói. São essas histórias que chegam agora ao Brasil, em uma coletânea que perpassa várias eras do herói.
Tem sua origem, em HQ escrita pelo próprio Chabon. Há histórias “da década de 40”, em que o herói enfrenta nazistas. Há histórias “que desafiaram a moral de sua época”, como uma que fala de eutanásia e outra sobre a Guerra do Vietnã. Cada uma tenta reproduzir os clichês e o estilo do período a que faz referência.
A intenção pode ser interessante, mas o resultado não convence. A culpa pode ser editorial, ou dos autores, ou talvez até da tradução (literal demais e que parece não reconhecer o estilo de texto a que as histórias se reportam). Mas o material não consegue reproduzir a sensação dos quadrinhos das épocas a que se referem. O design das páginas é contemporâneo, assim como os diálogos. A HQ de Howard Chaykin, a dos nazistas, não se parece em nada com uma HQ dos anos 40, fora ter nazistas.
Considerando que a proposta era justamente essa e que há vários exemplos de experiências parecidas de sucesso - como esta -, é uma pena que a coleção de HQs não faça jus ao livro no qual se inspirou.
Destoam no volume positivamente as histórias que trazem uma perspectiva mais autoral. É o caso da de Harvey Pekar e a de Will Eisner - no caso deste, a famosa última HQ que desenhou (tragicamente com o personagem que o tornou famoso: o Spirit). Ao não se preocuparem a falar de qualquer época, fazem jus à fama fictícia do Escapista.
No mesmo sentido, talvez a melhor história do álbum seja a de Brian K. Vaughan (Ex Machina, Y: O Último Homem, Lost), que propõe um momento decisivo na carreira do herói. É bom lembrar que Vaughan escreveu uma minissérie do Escapista após as histórias deste volume, em que trata de um grupo de fãs que compra os direitos para publicar o personagem no século 21. É certamente o melhor resultado desse experimento da Dark Horse.
ONDE E QUANTO: O álbum está nas livrarias e comic shops. Tem 192 páginas coloridas. O preço sugerido é R$ 44,50. Compre aqui com desconto.
LÁ FORA: 3 STORY: THE SECRET HISTORY OF THE GIANT MAN
O QUÊ: O que aconteceria se realmente existisse um homem gigante, cujo crescimento incontrolável o levasse a virar um adulto de três andares de altura, e cada vez mais? Graphic novel da editora Dark Horse.
QUEM: Matt Kindt, estrela em ascensão nos quadrinhos indie dos EUA. Já publicou as graphic novels 2 Sisters e Super Spy, entre outras.
POR QUÊ: Foi notícia recente a compra dos direitos de 3 Story para uma adaptação cinematográfica dirigida pelo roteirista oscarizado (por Milk) Dustin Lance Black. Fora as belíssimas resenhas que ganhou por seus álbuns, em especial por Super Spy, é a primeira vez que o nome de Matt Kindt ganha a projeção merecida.
Kindt é um dos nomes do seleto grupo que gosta de experimentar com a forma das HQs. Nesse grupo, nos EUA, encontram-se Chris Ware, Dash Shaw, Anders Nilsen, Kevin Huizenga e poucos outros.
A HQ começa normal, uma leitura quadro a quadro. De repente, a ação de um quadro acaba mexendo com a de um anterior. A narrativa para e começa então a mostrar desenhos infantis, recortes de jornal ou muda abruptamente de estilo para uma nova cena. Notas de rodapé e setas explicativas mostram ao leitor como entender um quadro. Às vezes o tal textinho no pé da página é um tira de quadrinhos sobre os quadrinhos acima.
São experiências, que tentam expandir o vocabulário dos quadrinhos. E conseguem. São naturais ao ponto de deixar você pensando “como é que ninguém fez isso antes?”. É o tipo de experimentação comum na literatura, que cada vez mais os bons quadrinistas preocupam-se em também fazer.
Kindt aplica essas suas novas ideias formais à história de um homem gigante, Craig Pressgang. Aos 8 anos ele já tem quase 3 metros e continua crescendo. Acaba tornando-se uma celebridade mundial, primeiro por investir numa carreira de artista - seus quadros são só marcas de sua mão gigante -, depois como mero famoso.
O realismo da história aparece nas dificuldades de relacionamento com a esposa dedicada - a arquiteta que constrói uma casa “aumentável” para comportar o marido - e no fato biológico de que, com uma estatura gigantesca, as informações das terminações nervosas podem levar até minutos para chegar ao cérebro. Ou seja, um machucado no pé só é sentido muito depois de ter feito estrago.
Kindt também insere na história o que parece ser sua obsessão: espionagem (duas de suas graphic novels tratam do assunto). Devido a seu “poder”, Craig vira alvo do interesse da CIA, e é utilizado em missões secretas pelo governo dos EUA.
3 Story, apesar de tantos elementos mirabolantes, é uma história sobre solidão. A HQ divide-se em três partes, cada uma com um narrador diferente: a mãe de Craig, sua esposa e sua filha. Cada uma vê o distanciamento do filho quanto mais alto ele sobe para longe das pessoas normais, e menos consegue relacionar-se com quem gostaria de ter por perto.
ONDE E QUANTO: 3 Story saiu no final do ano passado nos EUA pela Dark Horse. Custa US$ 19,99 (R$ 38).