As colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundiram e ganharam uma periodicidade semanal, dando mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.
Veja os destaques da semana:
AQUI DENTRO: CACHALOTE
O QUÊ: Esperada graphic novel nacional da Quadrinhos na Cia., com selo de garantia da RT Features, a produtora de Rodrigo Teixeira que está aproximando cinema independente e quadrinhos autorais tanto no Brasil quanto em Hollywood.
QUEM: A estreia em HQs do escritor Daniel Galera, autor de Mãos de Cavalo e Até o Dia em que o Cão Morreu (que deu origem ao filme Cão sem Dono), tem desenhos de Rafael Coutinho, que aos poucos deixa de ser apenas "o filho de Laerte".
POR QUÊ: Difícil dizer se a baleia que abre e encerra as cinco tramas paralelas representa alguma metáfora específica ou é apenas uma boa imagem de impacto. O fato é que a cachalote - a maior das baleias com dentes, segundo a Wikipedia - se encaixa bem no tipo de história de isolamento e inadequação que Galera e Coutinho propõem.
A trama do escritor e da ex-mulher que lhe esconde um segredo é a única que destoa um pouco da linha perder-se-para-se-encontrar das demais. Tanto o astro oriental decadente de cinema de ação quanto o playboy mimado, tanto o escultor em crise quanto o balconista com um fetiche particular se veem enfrentados em sua inércia e chamados a discuti-la. Essa discussão não é fácil; envolve rever visões de mundo.
A relação desses personagens com o mundo, ademais, é o tema central de Cachalote, HQ que honra toda uma tradição cultural do século 20 de tentar entender as individualidades em uma sociedade que não permite o silêncio nem distingue vozes na multidão. Algumas tramas, ecoando de Antonioni a Sofia Coppola, vão literalmente por esse caminho: festas barulhentas, bares lotados na Rua Augusta e até a pista de dança do D-Edge, na Barra Funda, entram na história para pontuar a cacofonia do mundo.
Saber que Galera morou na Praia de Garopaba, longe demais das capitais, durante parte do processo de criação da HQ ajuda a entender essa busca por um silêncio revelador. É Coutinho, de qualquer forma, que dá forma plena a essa procura em Cachalote. A escolha pelo preto e branco ressalta não só o peso da urbanidade quanto os espaços pensados, na narrativa lacunar, para que o leitor os entenda sozinho. Dois exemplos: o fundo preto com linhas brancas torna mais claustrofóbico o cenário da festa de recepção ao ator decadente, e o céu todo branco, de página inteira, na cena em que o playboy encontra um velho amigo em Paris evidencia o vazio a ser preenchido.
Pode soar blasé, mas o fato de Galera, ao final do álbum, agradecer apenas a Rafael Coutinho é compreensível.
ONDE E QUANDO: Nas livrarias. O álbum em brochura tem 280 páginas em preto e branco e preço sugerido de R$ 45. Compre aqui com desconto.
LÁ FORA: A GOD SOMEWHERE
O QUÊ: Graphic novel da DC/Wildstorm sobre um homem que adquire superpoderes e entra em guerra com a família e o mundo, considerando-se um deus.
QUEM: Roteiro de John Arcudi (Gen 13, Superman, BPRD) e arte de Peter Snejbjerg (Livros da Magia, Starman).
POR QUÊ: Sem muita divulgação prévia e criada por autores que não estão muito em voga (apesar de bons), A God Somewhere vem ganhando boas resenhas por dar uma abordagem relativamente nova a um gênero muito explorado: o que aconteceria se, no nosso mundo real, uma pessoa ganhasse superpoderes?
No caso, Eric, um cara de vinte e poucos anos, é atingido em cheio por alguma coisa que destrói seu prédio. Ele sobrevive, e de repente está salvando seus vizinhos junto aos bombeiros, levantando toneladas e até voando. A partir daí, parece que cada dia lhe rende um novo poder. E, na sua cabeça, aquilo só pode ser sinal de que ele foi escolhido como uma nova divindade.
Toda essa história nos é contada pelos olhos de Sam, seu melhor amigo. É ele que testemunha - e documenta, como jornalista - a velocidade com que Eric começa a perder a sanidade e revoltar-se contra a humanidade.
A proposta de Arcudi é discutir o altruísmo: será que uma pessoa, por melhor formação moral que tenha, teria capacidade de lidar com os poderes de um deus? Se todos seus desejos podem ser realizados, o que o levaria a se conter para não realizar os mais obscuros? E se você tem um plano para ajudar a humanidade, o que fazer se a humanidade disser que não quer ajuda?
Não é uma resposta fácil, e Arcudi a aborda com uma estrutura inteligente. A jornada de Eric acaba levando anos, passando de tragédias pessoais até uma guerra que envolve todo o planeta. Mesmo assim, não há grandes apoteoses catastróficas apocalípticas - o drama é sempre humano, em pequena escala, individual.
Gosto dos desenhos de Snejbjerg (ele é dinamarquês) desde Livros da Magia. Sua narrativa é clara, o uso de luz e sombras é brilhante e há pequenas sacadas, como na linguagem corporal de cada personagem, que mostram que as páginas são bem pensadas.
Pode não ser um novo clássico, mas é uma das melhores HQs de super-herói do ano.
ONDE E QUANTO: Só importando. A graphic novel tem 200 páginas e valor sugerido é de US$ 29,99 (R$ 53).