As colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundiram e ganharam uma periodicidade semanal, dando mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.
Veja os destaques da semana:
AQUI DENTRO: KIKI DE MONTPARNASSE
O QUÊ: Biografia em quadrinhos de Alice Prin, a modelo-atriz-cantora-artista francesa que virou musa de vários artistas da Paris da primeira metade do século 20, sob o apelido Kiki. É um dos primeiros lançamentos da nova leva de graphic novels da editora Record, sob o selo Galera Record. Confira o preview.
QUEM: O roteirista José-Louis Bocquet, quadrinista, romancista e biógrafo, e a desenhista Catel Muller, que tem uma longa carreira como ilustradora de livros infantis. Por seu trabalho em Kiki de Montparnasse, a dupla foi selecionada entre os álbuns “essentiels” do Festival d'Angoulême de 2008.
POR QUÊ: Kiki de Montparnasse - o álbum, não a pessoa - é um pacote estranho, talvez um pouco contraditório. É uma HQ, tem as 400 páginas que a tornam o que se prefere chamar de graphic novel, e é também uma biografia, com o rigor das biografias em livro. São duas características formais que a definem como um livro para adultos, independente do conteúdo.
A Record, porém, escolheu lançá-lo dentro de um selo, o Galera Record, claramente direcionado ao público infanto-juvenil. E isto parece a repetição de um preconceito que o mercado editorial devia perder: de que quadrinho é coisa para criança e adolescente. Kiki de Montparnasse não é apenas para estes públicos (certamente não para crianças). Mas o selo na capa parece dizer o contrário.
O prêmio que o álbum recebeu em Angoulême é, a meu ver, o reflexo de um pensamento já avançado sobre o papel dos quadrinhos - que existe no mercado editorial francês -, o de que uma biografia em HQ pode ser algo tão comum e tão culturalmente relevante quanto uma cinebiografia. Ou seja, esta não é “a biografia em quadrinhos” de Kiki de Montparnasse - e sim mais uma biografia de Kiki, no mesmo patamar das já existentes.
Esta noção de posicionamento, aliás, parece ser o principal motivo para o prêmio em Angoulême - para um álbum que, fora isso, tem poucos outros atrativos. A história de Kiki cai na mesma armadilha das cinebiografias: o ritmo do “aí aconteceu isso”, “então aconteceu aquilo”, “depois aconteceu isso”. Falta cadência na história. Tudo bem que nossas vidas também não tenham cadência dramática, mas encontrar esse ritmo mais estético é tarefa do biógrafo - e algo que as biografias mais comuns, em livros, já fazem muito bem.
Uma ideia interessante de Catel e Bocquet é não se perder demais em explicações sobre cada personagem que passa pela vida de Kiki. Quem não souber da importância de Man Ray, de Tristan Tzara, de Robert Desnos e outras figurinhas fáceis do álbum pode consultar um apêndice no final com resumos biográficos. Se isso fizesse parte do álbum, iríamos para o didatismo chato.
ONDE E QUANTO: Kiki de Montparnasse está nas livrarias, com o preço sugerido de R$ 54,90 (são mais de 400 páginas de quadrinhos!). Compre aqui com desconto.
LÁ FORA: AFRODISIAC
O QUÊ e QUEM: Uma sátira dupla: dos filmes de blaxploitation dos anos 70 e dos quadrinhos de super-herói daquela época, pelos mesmos criadores de Street Angel, Jim Rugg e Brian Maruca.
POR QUÊ: Afrodisiac começou só como uma piada do ilustrador Jim Rugg - um nome de super-herói ridículo demais para se jogar fora. Assim, seu personagem fez uma aparição especial na série cult Street Angel - que também fez com o colaborador Brian Maruca - e em participações em antologias. Até 'Afrodisíaco' ganhar seu próprio álbum.
E ele é tudo que se espera de um herói da blaxploitation: confiante, extravagante, sério e sempre cercado de escravas brancas. Para completar, ele tem superpoderes nunca bem explicados, mas que claramente derivam de seu “mojo”. As insinuações sexuais - que já começam na capa - são uma das partes mais divertidas.
E o álbum em si é uma sacada que vai além da sátira. São vários pedaços de histórias, às vezes apenas quadros soltos, que mostram Afrodisiac como o grande herói Marvel dos anos 70 - histórias de conceito bizarro, psicodélico-político-progressista (Richard Nixon aparece como vilão mais de uma vez), desenhos fracos e cores muito mal reproduzidas no papel ruim da época (por mais que o papel do álbum seja bom, os autores editaram as imagens para parecerem fotos de gibis antigos).
Assim como em Street Angel, o negócio aqui é a paródia em ritmo absurdo. Numa das melhores histórias do álbum, Afrodisíaco é assassinado com um tiro no final da primeira página. A segunda página repete à primeira, com a mesma sequência que leva ao assassinato. Na terceira, a mesma coisa, mas descobrimos porque o tempo sempre retrocede - ele seduziu a própria Morte (cheia de curvas por baixo do capuz) que se recusa a deixá-lo morrer. Isso que é mojo. E ainda tem um sacadinha hilária no final.
Para completar, cada história começa com aquela caixa superior com a origem do personagem - típica das HQs Marvel dos anos 70 e 80. A origem, porém, muda a cada história.
ONDE E QUANTO: Afrodisiac tem 96 páginas em capa dura e custa US$ 14,95 (R$ 48).