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Notícia

Aqui Dentro e Lá Fora (31/03/2010)

Monster e Pluto, de Naoki Urasawa

01.04.2010, às 00H00.
Atualizada em 27.11.2016, ÀS 22H09

Agora, as colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundem e ganham uma periodicidade semanal. Era um projeto antigo e que vai servir pra gente dar mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.

Vamos lá?

AQUI DENTRO: MONSTER

O QUÊ: O dr. Kenzo Tenma, médico japonês na Alemanha, salva a vida de um menino com uma cirurgia milagrosa. O que ele não sabe é que o menino é resultado de um experimento que pode ter criado o sociopata perfeito. Dr. Tenma parte então em uma longa jornada para corrigir seu erro, que pode ter dado vida a um verdadeiro anticristo.

QUEM: Naoki Urasawa, um dos grandes mestres contemporâneos do mangá.

POR QUÊ: Esse “Aqui Dentro” é um pouco diferente. Primeiro, porque a última edição de Monster (o número 10) saiu no Brasil em 2008. Segundo, porque, depois desta, nenhuma outra edição foi lançada, deixando a série inconclusa sem explicações da editora Conrad.

E o que torna este segundo motivo preocupante é o seguinte: Monster é uma obra-prima.

Se você já leu as edições lançadas por aqui, deve saber que é enervante esperar cada volume. Naoki Urasawa não é chamado de “mestre do suspense” à toa. Os mistérios da série, dispostos em pequenos arcos que servem ao grande panorama - a busca de Johann, o menino-anticristo, pelo dr. Tenma -, são construídos com segurança, simplicidade e um toque de terror psicológico que criam expectativas, com o perdão do trocadilho, monstruosas.

A simplicidade é o que mais chama atenção. Monster tem a narrativa veloz dos mangás, mas em quase todos os outros aspectos poderia ser considerada uma HQ ocidental. A leitura é simples, os personagens são bem-explorados e definidos, não há qualquer variação no estilo de desenho (comum a muitos mangás) e os próprios traços de Urasawa, extremamente econômicos, lembram mais o quadrinho americano ou francês do que o japonês.

Nessa simplicidade e economia, a HQ é uma aula de como fazer quadrinhos sem mirabolismos. A forma como o autor explora diálogos curtíssimos e expressões faciais para a narrativa deveria servir de referência para todo autor principiante. E é com essa mesma economia - bem estudada, certamente - que ele consegue provocar terror.

Há uma cena, num dos volumes ainda não publicados no Brasil, na qual Johann deseja provar a uma criança que não há esperança no mundo (os próprios atos do vilão, como dos bons vilões, são simplistas, contidos). Solta-a na zona do meretrício de Praga, onde ela testemunha uma prostituta chapada transando com um senhor de meia idade, num beco. O homem repete “eu sou um professor de respeito” enquanto sodomiza a mulher.

Não há recurso a imagens abstratas, nem deformações, nem jogos de quadros para aumentar o impacto da cena, como se veria em muita HQ contemporânea. Ela é crua, direta, usando apenas ângulos bem escolhidos e aproveitando o contraste entre a criança e o ato dantesco que presencia. Possui um impacto que só os melhores filmes de suspense conseguem.

Monster também tem seus momentos alegres, até cômicos, que quase sempre encaminham-se para a tragédia. É com esse conflito constante que Urasawa explora a área cinza entre bem e mal e os atos simples, mínimos, que constroem os monstros do mundo real. Monster, enfim, faz muito com pouco, de uma forma pouco vista na história das HQs. É o que a torna indispensável para quem quer conhecer os melhores quadrinhos do mundo.

ONDE E QUANTO: A série completa tem 18 volumes, dos quais a Editora Conrad publicou os primeiros 10 em português. Monster já foi lançada em inglês, alemão, francês e outros idiomas no mesmo formato, portanto, se você não quiser esperar a Conrad, o negócio é buscar os importados. Na versão em inglês, da editora Viz, cada volume custa US$ 9,99 (R$ 18).

LÁ FORA: PLUTO

O QUÊ: Num futuro onde robôs vivem com os mesmos direitos dos humanos, uma ameaça misteriosa começa a matar, um por um, os maiores androides da Terra. Gesicht, um policial robô, é quem investiga o caso e descobre uma complexa conspiração internacional.

QUEM: Naoki Urasawa (sim, ele de novo!), baseado nos trabalhos de Osamu Tezuka, o maior nome do quadrinho japonês. Pluto começou a ser publicada em 2003 em homenagem ao ano de nascimento, segundo a cronologia dos mangás, de Astro Boy, o robô criado por Tezuka.

POR QUÊ: Tudo que é dito acima sobre Monster pode ser repetido aqui. Quando a criou, como um projeto especial, Urasawa já era um autor de grande sucesso no Japão, envolvido no seu projeto mais ambicioso - 20th Century Boys (que merece uma coluna futura). A homenagem a Astro Boy, porém, não podia ficar para depois.

Urasawa reinterpreta uma história que é considerada tesouro no quadrinho japonês: Chijou saidai no robotto, “O maior robô da Terra”, volume de Astro Boy que mostra um grande conflito entre os sete maiores robôs do planeta. A nova versão transforma a aventura sci-fi em um suspense policial. E, sendo Urasawa, um suspense policial de primeiríssima linha.

Novamente percebe-se as referências ocidentais do autor. É impossível falar de robôs policiais sem citar Blade Runner, nos visuais do mundo hipertecnológico e no debate moral. A premissa lembra Watchmen, ao fazer um antigo grupo de heróis - no caso, robôs que resolveram assumir novo status após uma terrível guerra - reunir-se em função de assassinatos de seus pares. Por fim, a guerra mostrada na HQ e o ano de publicação de Pluto deixam transparecer uma crítica à intervenção estadunidense no Iraque, que também começou em 2003.

A representação do mundo futurista é brilhante ao ser deixada apenas como pano de fundo. Não há necessidade de explicações sobre como funcionam as novas tecnologias, elas apenas estão lá. A intenção, sim, é explorar as consequências humanas das novas tecnologias. Corre ao fundo da história principal uma narrativa sobre como os robôs atingiram o status de pessoas, com suas próprias casas, profissões e direitos, e o preconceito ainda presente entre os humanos em decorrência desse novo status das máquinas.

Já na história principal, o destaque está em como Urasawa conseguiu transformar uma aventura infantil dos anos 1950 em um suspense contemporâneo aterrorizante - que, ao mesmo tempo, não perde o tom de aventura. Pluto tem, aliás, algumas das melhores cenas de ação já vistas nos quadrinhos, seja em tons contidos nos primeiros volumes - nos quais o vilão permanece nas sombras, em alto grau de suspense -, seja nas megalutas aéreas entre robôs gigantes nos capítulos finais.

Se ainda não ficou claro, estas duas resenhas querem provar que Urasawa é um dos mestres contemporâneos dos quadrinhos, já bastante reconhecido no resto do mundo, mas ainda pouco falado por aqui. Está mais do que na hora de Monster ser concluída e seus outros trabalhos, principalmente Pluto e 20th Century Boys, saírem em português.

ONDE E QUANTO: A versão em inglês, da editora Viz, teve o último dos 8 volumes publicado esta semana nos EUA. Cada um custa US$ 12,99 (R$ 24).

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