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Dark Nights: Metal | Como aprender a não se preocupar e amar a nova saga da DC

Scott Snyder chega ao núcleo de sua mitologia do Batman misturando absurdo, fantasia e uma ou outra justificativa

17.08.2017, às 17H22.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

A DC Comics começou nesta semana a publicar Dark Nights: Metal, saga estrelada pelo Batman e pela Liga da Justiça que o roteirista Scott Snyder diz conceber desde a época em que escrevia a série mensal do Morcego, o que ele fez entre 2011 e 2016. De fato, Metal parece ser o ápice, por acúmulo, do estilo Snyder de escrever: uma sucessão de amarrações de mitologia com tendência literária, feita com um arsenal de metáforas, name-droppings, termos em latim, recordatórios rebuscados e viradas de efeito. É muito fácil se perder em Metal, mas uma forma de evitar isso é entender o que de verdade move Snyder.

É fácil se perder porque mesmo para quem pegou os dois especiais que servem de prólogo - Dark Days: The Forge e Dark Days: The Casting - a trama de Metal pode soar ininteligível. Snyder satura a primeira edição de conceitos (de física, de história do mundo, de mitologia da DC desde a Era de Ouro), de subtramas que se somarão à central, e também de referências; o autor vai buscar nas gavetas da editora nomes que estavam meio esquecidos na continuidade dos Novos 52 (Homem-Borracha, Senhor Incrível, Senhor Milagre, Desafiadores do Desconhecido...) para dar substância e gravidade à nova saga, e talvez seja preciso um almanaque DC aberto para que o leitor acompanhe a leitura. Não por acaso, Snyder reaproveita em Metal #1 o mapa do Multiverso que Grant Morrison havia criado em The Multiversity - e hoje em dia ninguém entende mais de HQs cheias de notas de rodapé do que Morrison.

Por outro lado (e aí entram as motivações de fundo de Snyder), é possível pegar Dark Nights: Metal sem interromper a leitura o tempo inteiro para consultas enciclopédicas e se divertir demais com a HQ, pelo que ela tem na essência: uma estrutura de arquétipos pensada em função do que é mais fantástico, mais fabular. Ver Batman ganhar uma espada de fogo em Dark Days é o principal, por exemplo, porque vai sempre ser a coisa mais fodona do mundo, não importa onde ela foi forjada, com qual metal, embora Snyder explique pacientemente para o fã da DC mais afeiçoado aos pormenores da verossimilhança. O mesmo vale para o robô gigante da Liga da Justiça que abre Metal, e diz muito o fato de Snyder abrir a saga justamente com essa situação absurda tirada dos super sentais. O resto é justificativa da diversão.

É curioso que a Marvel esteja apelando para Vingadores pré-históricos na sua reformulação editorial Marvel Legacy, porque o que Snyder faz é bem semelhante: realizar a maior regressão possível, ligar o presente dos heróis com o passado mais remoto da humanidade, em que símbolos totêmicos de animais, como o pássaro ou o morcego, já serviam para definir o imaginário dos homens e dos deuses. No caso de Metal, especificamente, isso tem a ver com o laço quase fetichista que Scott Snyder tem com a tradição de contar e herdar histórias, e a cebola geracional que ele descasca desde a Corte das Corujas no universo do Batman está finalmente chegando ao seu núcleo - mesmo que seja absurdamente conectado a supostos antepassados da Idade das Pedras.

Em resumo, o que temos aqui é um preâmbulo de saga que, apesar do texto complicado, é no fundo bastante trivial, com profecias de guerras "jamais vistas" provocadas por forças que "deixaram as sombras", motivadas por energias que "cresceram aos poucos com o tempo". Metal relembra que o mito de Batman para Snyder sempre será uma versão livre do mito de Prometeu, com Bruce movido essencialmente pela busca do perigo, travestida de busca pelo conhecimento. Temos aqui um herói que faz todo dia sua própria história, imediatamente transformada em lenda, e o que Dark Nights: Metal trata é de ampliar o escopo desse mito que Bruce Wayne ao mesmo tempo constrói e persegue.

O que vem por aí nas cinco edições restantes? É difícil prever, porque Metal se norteia pelo excesso. Por enquanto, o vilão da saga, seja quem for, já se inscreve nessa busca de Snyder por uma contação de história que seja antes de tudo ontológica, por isso a criatura que assombra os personagens não seria outra senão uma visão, um pesadelo, o mal puro, conceitual, uma besta sem forma que se manifesta como o nosso avesso para encarnar nossos medos. Que a primeira edição termine fazendo referência não a uma dimensão específica e sim ao domínio dos sonhos da DC é o fecho ideal de uma história que começa menos como saga tradicional e mais como conto de fantasia, cujo limite se restringe apenas por aquilo que somos capazes de imaginar.

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