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Diário do FIQ - Dia 3

Todos os dias, um relato do nosso correspondente no 6º Festival Internacional de Quadrinhos de BH

10.10.2009, às 10H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H31

Na sexta-feira tudo começou a embolar. Na verdade, foi só um aviso para quem quer acompanhar a programação completa do do fim de semana.

Depois de um almoço com o gentilíssimo jornalista Marcelo Miranda, cheguei a um evento ainda morno, no início da tarde. Sentei para fazer anotações para entrevistas, li alguns gibis que trouxera na mochila e observei o pessoal chegando aos poucos e enchendo a Tenda Eugênio Colonnese. Vasilis Lolos, ainda de touca, passeia com jinga de skatista pelo estandes. Às 15h, começou a chover e muita gente teve uma pausa olhando pra cima e pensando "de novo não". Mas a chuva foi rápida.

FIQ

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Encontrei nosso também cozinheiro - e estrela das HQs nacionais - José Aguiar recém-chegado de Curitiba. Conversamos sobre nossos programas para a tarde. E aí já começou a impossibilidade de acompanhar tudo: às 16h, iniciavam simultaneamente oficinas com o roteirista espanhol Juan Díaz Canales (roteirista dos ótimos álbuns europeus Blacksad) e com a esposa dele, a também roteirista Teresa Valero.

Guarnido ia falar sobre roteiro. Valero, sobre como apresentar seu projeto de álbums para grandes editoras europeias. Mesmo que eu não tivesse me inscrito previamente em nenhuma, era possível pedir uma vaga extra. Escolhi a de Valero, pois tinha que deixar vagas para verdadeiros roteiristas - como o Aguiar - na de Guarnido.

Valero foi extremamente didática na sua fala sobre os projetos. Apresentou um seu, feito junto à desenhista Montserrat Martin, para um álbum (possivelmente série de álbuns) chamado Curiosity Shop. Faz-se uma capa legal, dá-se exemplos de páginas e descreve-se os personagens. Tudo, claro, num pacote legal e bem apresentável, enviado em PDF a editores. É isso que as grandes editoras da França, como Dargaud, Soleil e outras costumam receber.

Com as perguntas, a conversa voltou-se para detalhes do mercado francês e espanhol. Este último, na verdade, não existe. Valero menciona que um quadrinista espanhol recebe 7 euros por página roterizada e desenhada em uma editora espanhola, enquanto a tabela francesa começa nos 70 euros para roteirista e 150 para o desenhista - a cada página. E, claro, vai muito mais alto dependendo do seu nome. Ela respondeu cada pergunta em detalhe, dando um retrato preciso de como vive um artista de quadrinhos europeu.

* * *

Ao sair da oficina com Valero, encontro um FIQ lotado. Não. Lotadaço! Abarrotado! Entupido! É noite de sexta, afinal, e quem não pôde vir durante a semana finalmente invadiu o lugar. Chegam até novos cosplayers: agora Darth Vaders e soldados do Império.

O mais legal do movimento no lugar, para mim, é ver o pessoal se encontrando, conversando, acertando parcerias, trabalhos grandes e pequenos, vendendo propostas. Ando com a Samanta Flôor, que é minha amiga desde a adolescência, e ela é parada pelos corredores por gente perguntando "não é você que faz os Toscomics?" (sim, ela faz, e eles são ótimos; mas a Samanta é tímida demais para vender para o pessoal no FIQ).

A Samanta, aliás, junto ao Diogo César e o Pablo Mayer - autores de A Casa ao Lado -, contam que almoçaram com Craig Thompson. Receosos diante do autor de Retalhos, antes de saírem para almoçar, ficaram apenas parados olhando-o. De repente, Thompson vem até eles: "Hi, I’m Craig Thompson. How are you?". Diogo diz que cumpriu a promessa que tinha feito a si mesmo, de virar melhor amigo de infância de Thompson.

Conversas, conversas, conversas. E conversas que parecem simples, mas que podem virar o início de contatos (e contratos) mais significativos. Como Pablo Casado e Felipe Cunha, autores de Duo, que andam pelo evento com cópias preparadas, em português e inglês, da antologia Inkshot, reunindo vários autores nacionais. Eles conversam comigo e com outros jornalistas, recebem grandes elogios de Ivan Brandon (o roteirista americano já editou várias antologias e é bem conectado lá fora) e da editora da Dark Horse, Sierra Hahn.

Ou Eduardo Filipe, que já publicou em antologias nacionais, e anda com uma graphic novel pronta - A Balada de Johnny Furacão - na mochila para mostrar aos editores. Ou o nosso próprio José Aguiar, que, depois que faço minha entrevista com Sierra Hahn, passa uma hora falando com ela sobre os álbuns que já publicou. Sierra é extremamente atenciosa e comenta cada página que Aguiar mostra - quanto à minha conversa com ela, em que me contou por que resolveu "comprar" Rafael Grampá para a Dark Horse mesmo em início de carreira, confira a daqui a alguns dias no Omelete.

E tem, claro, os fãs conhecendo ídolos e ganhando autógrafos para guardar para o resto da vida. Há uma sessão de autógrafos oficial de Umbrella Academy, e o estande de 10 Pãezinhos é coberto por uma multidão que quer as canetas de Gabriel Bá nos seus exemplares. Craig Thompson tenta dar uma volta pelos estandes mas é atacado por fãs - mesmo sem uma verdadeira sessão oficial de autógrafos, passa mais de duas horas desenhando meticulosamente no Retalhos de cada um.

Tem outro tipo de conversa: desenhos. Para qualquer lado que você olhe, há gente com bloquinhos fazendo desenhos de observação ou apenas rabiscando o que percebe no FIQ. Para esse pessoal, qualquer momento sentado parece motivo para por lápis e caneta em movimento.

Conversas, conversas, conversas e gente conhecendo gente. Mais do que qualquer palestra, sessão de autógrafos ou estande, esse é o grande valor de qualquer convenção.

* * *

Perdi a exibição do primeiro episódio de Aline, nova série da Globo baseada no personagem de Adão Iturrusgarai. O próprio Adão estava aqui para comentar. Perdi também a conversa sobre quadrinhos e educação, com Paulo Ramos, nosso cozinheiro Waldomiro Vergueiro, Vitor Amaro Lacerda e João Marcos. Mas é como comentei no início: muitas atrações, muitas entrevistas para fazer, tudo no mesmo horário. As escolhas são complicadas, mas têm que ser feitas.

Às 20h vai começar o "Bat Papo" - trocadilho infame para uma conversa sobre Batman, por ocasião dos 70 anos do personagem e da exposição montada no FIQ. Exposição, aliás, que tinha que circular o país inteiro: para quem conhece pouco do personagem, há um histórico detalhado de todas as suas encarnações, com as próprias revistas à mostra e vários textos. Para quem conhece bastante, é oportunidade de ver originais de vários artistas que o colecionador (e organizador da exposição) Ivan Freitas da Costa reuniu ao longo dos anos ou especificamente para este FIQ. O salão da exposição está sempre cheio.

Mas, enfim, o "Bat Papo". A quinze minutos do início, há uma fila enorme para entrada no pequeno teatro. O espaço fica lotado - pela primeira vez neste FIQ. Ivan da Costa é o mediador, e convida uma galera para sentar-se à mesa junto com ele: os desenhistas brasileiros da DC Joe Prado, Rafael Albuquerque, Eddy Barrows e Ivan Reis, o editor sênior da DC Eddie Berganza e, meio perdido na turma, Ben Templesmith (que não trabalha nem para Marvel nem para DC, e só desenhou Batman por esporte).

É um evento para fanboys, e ninguém contesta ou reclama desse fato. Pergunta-se desde qual a Bat-história favorita de cada participante da mesa até o que pensam do retorno de Jason Todd. O auge nerd é quando alguém menciona uma "novidade" ainda não vista nos quadrinhos brasileiros (tipo essa) e ouve-se "Spoiler! Spoiler!" gritado de todos os lados.

* * *

Recebo convite para juntar-me aos convidados do evento em um jantar no hotel onde todos ficam, o Othon Palace. Fica a 10 minutos de caminhada do Palácio das Artes. No caminho, troco algumas ideias com Ben Templesmith, aquecendo para uma entrevista. Ele comenta o clima da Austrália (ele nasceu e morou a maior parte da vida em Perth), em San Diego, nos EUA (onde reside há dois anos), e aqui. Como ele diz que quer frio e umidade, digo para ele conhecer Porto Alegre. Ele comenta que já recebeu a recomendação.

Fico à mesa com todo o pessoal do Bat papo. Ali mesmo, pós-desjejum, já ligo o gravador para oficializar a conversa com Templesmith. Por mais que ele reclame, me diz suas impressões sobre a adaptação cinematográfica de 30 Dias de Noite. O papo completo, que trata do início da sua carreira até hoje, você confere em breve.

Descubro que o restaurante reuniu, na verdade, quase todo o FIQ. Próximo a nós estão os alemães Jens Harder e Reinhard Kleist. Os franceses Cizo e Felder jantam com um dos organizadores do evento, Roberto Ribeiro. José Aguiar e os jornalistas Sidney Gusman, Paulo Ramos e Silvio Alexandre logo mais à frente, Claudio Martini (Zarabatana) e Gual (da Livraria HQ Mix) do lado. E, no meio do restaurante, a "mesa 10 Pãezinhos", com Fábio Moon, Gabriel Bá, Craig Thompson, Sierra Hahn, Becky Cloonan, Vasilis Lolos, Ivan Brandon, Gustavo Duarte, Rafael Albuquerque, Eduardo Medeiros e Mateus Santolouco (os três últimos formam o coletivo Mondo Urbano).

Preciso de mais material para esse diário, então circulo pelas mesas. Na de Sidney, Paulo, Aguiar e Silvio, vemos com atenção cada uma das 50 colaborações do Maurício de Sousa 50 Anos. Depois converso com Gual e Claudio sobre a expectativa quanto à publicação de Jimmy Corrigan - que foi um divisor de águas para o quadrinho literário nos EUA, e que chega aqui em novembro - e sobre a imensa dedicação de cada convidado aos autógrafos (os de Craig Thompson, meticulosos, são os mais comentados).

Na "mesa 10 Pãezinhos", há 10 caipirinhas. O papo ali não é sobre quadrinhos, mas sobre futebol, Pânico na TV e outros assuntos. Do outro lado da mesma mesa, muita risada, mesmo que parte do pessoal esteja com cara de sono.

É quase 1h da manhã. Craig Thompson é um dos que puxa o pessoal para encerrar as atividades do dia e subir para os quartos. Ele passa por mim e pergunta quando teremos tempo de bater um papo. Leve em conta que passei um mês tentando viver na cabeça de Thompson enquanto traduzia Retalhos, então ainda é estranho conversar com o cara pessoalmente. Mas combinamos de nos falar no sábado.

No caminho para pegar um táxi para meu hotel, sou acompanhado pelo trio Mondo Urbano, Gustavo Duarte e Ivan Brandon. Eles querem um boteco - Rafael Albuquerque explica para Brandon: "shitty bar" -, porque as conversas do dia têm que continuar. Mas o meu dia amanhã é longo, então só desejo bom boteco a todos.

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