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Entendendo o fenômeno Batgirl

Como a heroína da DC, antes sempre marcada por traumas, tornou-se um símbolo da autoestima da nova geração

Omelete
4 min de leitura
22.02.2016, às 13H05.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H56

Duas notícias recentes comprovam a popularidade da chamada "Batgirl de Burnside", a versão modernizada da Batgirl que os roteiristas Cameron Stewart e Brenden Fletcher criaram em colaboração com a desenhista Babs Tarr quando eles assumiram a série em dezembro de 2014. A primeira é o volume de brinquedos e bonecos de Batgirl apresentado há uma semana na Toy Fair. A segunda é a informação de que Batgirl terá uma série mensal a mais a partir de julho nos EUA.

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Dentro da DC Comics, "batgirlizar" é um verbo que no ano passado foi usado para definir autores e séries que fogem do padrão esperado das HQs de super-heróis, na tentativa de atrair um público leitor mais jovem e diverso. Em Gotham City, Burnside é o distrito da moda - como a Williamsburg de Nova York em anos recentes - mas dizer que a nova Batgirl foi feita para espelhar os hipsters não é suficiente para explicar essa popularidade. Afinal, qual a fórmula do sucesso?

Antes de mais nada, a Batgirl de Fletcher, Stewart e Tarr é radicalmente oposta à versão da heroína que vinha sendo trabalhada desde 2011 nos Novos 52. Como a Barbara Gordon dessa cronologia atual da DC recuperou os movimentos das pernas mas não perdeu o pesadelo de ter sido alvejada pelo Coringa (o ataque do palhaço, narrado em Piada Mortal, foi mantido nos Novos 52 mas reinterpretado, para não deixar Batgirl definitivamente paralítica), os primeiros arcos focavam nesse trauma e na superação do medo. Do Boneco de Pano ao Ventríloquo, os antagonistas dessa fase representavam, acima de tudo, ameaças sexuais.

Já a Batgirl de Burnside - que até agora só enfrentou um vilão com sugestões de violência sexual, o primeiro, Black Riot, ainda num momento de transição da HQ - tem na leveza sua principal característica.

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É uma leveza visual, antes de mais nada: sai o colante tradicional e entra um uniforme menos sexualizado, com jaqueta de couro e botas tipo Dr. Martens, como se fosse possível para qualquer pessoa criar em casa um uniforme similar. O design de páginas, com quadros frequentemente sem bordas, que geram mais espaços brancos entre eles, se assemelha ao projeto gráfico clean de revistas e sites mais modernos. E no traço de Stewart e de Babs Tarr, a HQ se aproxima mais do mangá, mas não de forma ostensiva como em Gotham Academy, e sim num tom mais cartunesco, meio Scott Pilgrim, e que nos seus melhores momentos parece um casamento perfeito entre Akira Toriyama e Bill Watterson.

Se o apelo visual amigável parece ideal para atrair novos leitores, a estrutura das histórias serve de complemento: nessa dúzia de edições que a DC já publicou desde a mudança, o caráter episódico dá o tom, com aventuras que se resolvem em uma edição ou duas. Com frequência, essas histórias começam e terminam com Barbara de volta ao "mundo real", lidando com questões próximas do leitor alvo, como a rotina na escola ou o dia a dia com colegas de quarto. Quando a série trata de arcos maiores, eles não são intrincados demais e se sustentam em temas (principalmente as questões de memória de Barbara) e não em intrigas, o que também ajuda o leitor casual.

O que parece fundamental, porém, para a aceitação da Batgirl de Burnside é o seu espírito em sintonia com a geração dos millennials que sonham com realizações mas não tratam seu potencial como um fardo a carregar. Barbara não se define pelo que faz mascarada: a persona da Batgirl é um ofício do dia a dia, com ela a personagem desfruta de popularidade e sofre percalços, mas não é sua identidade, porque parece importante para ela, acima de tudo, poder ser duas Barbaras numa só.

Uma vez que essa possibilidade se estabelece - e fica cada vez mais longe aquele trauma do passado - a Batgirl do trio não se permite vitimizar. Ela tem seu proprio apartamento, mora com as amigas, e se cerca de questões de inserção (namoros interraciais, casamentos gays) sobre uma base dramática feita de autoestima. Barbara não questiona sua vocação o tempo inteiro, fala de coisas tecnológicas com a naturalidade de quem cresceu na era da web, e tem na multitarefa seu forte (e não uma esquizofrenia, tipo déficit de atenção). Ainda assim, a heroína não deixa de sofrer com as inseguranças típicas da sua idade.

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Nesse sentido parece muito oportuno que o Batman atual, James Gordon, seja também o pai de Barbara. Porque se Batman sempre foi a inevitável figura paterna dos seus ajudantes - não só o maior detetive de todos os tempos mas também o mestre que sempre soube o que é melhor para seus pupilos - Gordon não deixa de ser o pai "normal", falho e até omisso às vezes, o adulto que acredita que supervisiona sua filha mas pouco entende da realidade dela. Essa emancipação - enfim sair debaixo da asa do Batman - é outro elemento que permite que a nova Batgirl trilhe um caminho por mérito próprio. Como resistir?

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