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Artigo

HQ: <i>Pindorama: a outra história do Brasil</i>

HQ: <i>Pindorama: a outra história do Brasil</i>

13.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Já existiram diversas obras no país que se dispuseram a contar a história do Brasil em quadrinhos. Muitos com certeza ainda se lembram das edições de quadrinhos históricos da saudosa Editora Brasil América Ltda. (EBAL), que retratavam cronologicamente os episódios da saga brasileira nos traços naturalistas de Ivan Watsh Rodrigues ou a série de biografias quadrinizadas dos grandes vultos da história brasileira, como Rui Barbosa e Oswaldo Cruz (por Ramon Llampayas) ou Visconde de Mauá (por Nico Rosso).

Eram todas obras sérias, que buscavam, além de dar um destaque patriótico a uma parcela do mercado brasileiro, acompanhando o espírito ufanista dos anos 50 e 60 no país, também convencer pais e educadores de que a linguagem dos quadrinhos se prestava para a veiculação de mensagens de alto nível, voltadas para a educação de crianças e jovens. Vendiam o conhecimento histórico e vendiam também a linguagem dos quadrinhos, mas, em geral, a informação histórica sobrepunha-se à linguagem gráfica seqüencial, resultando em uma leitura nem sempre muito atrativa. Eram obras feitas com muito esmero e valiam o esforço, é claro, constituindo títulos intrinsecamente valiosos para o meio, mas o resultado muitas vezes deixava de agradar aos leitores da forma como o faziam as revistas normais encontradas nas bancas, com super-heróis, aventureiros, mocinhos do faroeste, animais falantes, crianças, etc. Talvez isso acontecesse porque eram feitos para a aprovação dos pais ou professores e não das crianças e jovens, os leitores finais dessas publicações.

Já aí se vê uma grande diferença em relação a Pindorama: a outra história do Brasil, trabalho do experiente quadrinhista Lailson Holanda Cavalcanti recentemente publicado pela Editora Nacional, de São Paulo: a linguagem gráfica seqüencial não se subordina ao objetivo didático, mas dialoga com ele em pé de igualdade, caminhando ambos harmônica e harmoniosamente para o duplo objetivo de educar distraindo (ou, o que talvez seja mais correto, distrair educando...). Talvez por ter esse cuidado, o autor conseguiu produzir um trabalho que consegue ser aprovado tanto pelos leitores como pela crítica em geral.

Esse sucesso tem uma explicação muito simples, singela até: ao elaborar a sua história em quadrinhos, Lailson buscou se colocar no lugar do leitor e imaginou como este se sentiria ao ler o álbum e receber informações sobre a história do Brasil naquela linguagem específica (a dos quadrinhos). Contrariamente a muitos, sabia que o leitor percebe quando está sendo enganado e sempre espera receber do material em quadrinhos essencialmente aquilo pelo que pagou, ou seja, momentos de diversão e entretenimento; para o leitor comum, o aspecto educativo é, em geral, o plus, a agregação de valor, não a finalidade última que o levou a se interessar pela obra em primeiro lugar. Seu compromisso primeiro é com o leitor e a linguagem dos quadrinhos, o que talvez seja a melhor estratégia para sua valorização. Ao compreender isso, Lailson produziu um trabalho bem-estruturado, planejado, com uma pesquisa documental séria e com um cuidado artístico digno dos maiores elogios, ampliando o alcance de sua obra e proporcionando ao leitor um motivo a mais para se fascinar com a linguagem quadrinhos.

A edição atual de Pindorama representa, de fato, uma republicação (ampliada) de material já disponibilizado em outro formato no estado natal de Lailson, Pernambuco, tendo se constituído originalmente em uma das etapas de um projeto cultural criado em 2001 pela parceria entre a Lailson Arte & Comunicação (empresa do autor) e a Barte Escritório de Arte, de Recife, visando valorizar o teor artístico da Arte Seqüencial, ao mesmo tempo em que a utiliza como ferramenta de disseminação cultural e elemento lúdico/didático para conscientização dos vários aspectos da formação da cultura e da História do Brasil.

Contando com o apoio do Sistema de Incentivo à Cultura do Governo do Estado de Pernambuco e com o patrocínio da CELPE - Grupo Iberdrola (um fato raro na produção de quadrinhos no Brasil, que apenas destaca ainda mais a importância da iniciativa), o projeto previa originalmente duas etapas básicas:

  • a publicação de doze fascículos em forma de revistas quadrinizadas, abordando vários pontos da História do Brasil; e
  • uma exposição interativa, que visava permitir ao visitante/leitor/espectador sentir-se como parte da obra artística.
  • As duas etapas foram desenvolvidas com sucesso, os fascículos sendo distribuídos como encarte do Diario de Pernambuco, de Recife, nos meses de dezembro/2001 a fevereiro/2002, e a exposição realizada no Observatório Cultural Malakoff, da mesma cidade.

    O sucesso de ambas as atividades pode ser medido pelos dados numéricos que a elas podem ser relacionados: Pindorama, logo no seu primeiro número, foi responsável por um aumento de 7% na venda avulsa do jornal, atingindo um público de diversos segmentos sociais e diferentes faixas etárias; da mesma forma, mais de mil pessoas visitaram a mostra na primeira semana da exposição.

    Embora o trabalho de Lailson tenha sido amplamente reconhecido, granjeando-lhe inclusive o prêmio HQ-Mix, sua distribuição e impacto junto ao público ficaram basicamente restritos ao estado de Pernambuco e alguns felizardos aficionados do gênero, que conseguiram obter o material diretamente com o autor ou o solicitaram expressamente ao jornal. Nesse sentido, a publicação da Editora Nacional representa mesmo a correção de uma injustiça, ao permitir que o grande público de todos os outros estados do país possam obter da obra de Lailson os mesmos benefícios que os habitantes de Pernambuco (chega de privilégios para o pessoal do Nordeste!).

    A edição da Companhia Editora Nacional, como se poderia esperar de uma editora tão tradicional no país, faz jus à excelência dos quadrinhos de Lailson. Em ótimo papel, colorido firme e bem delineado, boa paginação e divisões claras, é um exemplo de como um álbum de quadrinhos pode ser produzido com qualidade. A obra conta ainda com uma apresentação da profa. Sonia Luyten, sempre precisa em suas avaliações, e com uma introdução do autor, na qual deixa clara sua visão da arte seqüencial (eu diria arte gráfica seqüencial, mas isto talvez seja preciosismo de minha parte...), evidenciando seu aspecto de pesquisador da área, reconhecido até mesmo internacionalmente (Lailson está agora concluindo, a pedido de uma universidade espanhola, uma avaliação histórica do humor gráfico brasileiro). Além disso, o autor é também o detentor de um recorde no país: em 2002 ele completou 25 anos ininterruptos (leia aqui) como chargista no Diário de Pernambuco, tendo publicado, até então, a incomum cifra de 8350 charges (que, atualmente, já devem ter passado de 9000).

    Publicado pela Companhia Editora Nacional, o álbum Pindorama tem 190 páginas coloridas e representa, sem dúvida, uma das melhores obras programadas para lançamento na Bienal do Livro de São Paulo em 2004.

    Maiores informações sobre este trabalho de Lailson Holanda Cavalcanti podem ser encontrados no site, onde está disponível para leitura o primeiro capítulo do livro.

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