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Secret Wars | Da Frigideira

Ainda na metade, nova saga da Marvel já é uma grande celebração da figura trágica do Doutor Destino

21.07.2015, às 18H23.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Quem acredita que o original sempre será melhor que o remake vai encontrar na nova Guerras Secretas da Marvel Comics uma exceção contundente a essa regra. Embora esteja apenas na metade - a minissérie em oito edições termina de ser publicada em outubro nos EUA - a versão de Secret Wars de Jonathan Hickman e Esad Ribic já é muito melhor que a de 1984-1985, em termos de narrativa.

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Em comum, as minisséries colocam em cena a figura cósmica dos Beyonders (no singular em 1984, agora no plural) e o protagonismo do Doutor Destino. Ao contrário da minissérie original, porém, parceria da Marvel com a Mattel planejada para vender bonecos do supercrossover, e que teve pouco impacto no Universo Marvel da época (não é por acaso que muita gente só lembra da HQ por criar o uniforme negro do Homem-Aranha), a Guerras Secretas de Hickman não é isolada nem generalista.

Para começar, é preciso ter lido o último ano das séries Avengers e New Avengers, ambas escritas por Hickman, para entender como os heróis sobreviventes - depois das incursões que destruíram todo o universo até o choque entre as Terras do Universo Regular e do Universo Ultimate - se dividem na história, ambientada oito anos depois. De um lado temos a Cabala (mais o vilanesco Reed Richards Ultimate, cuja participação mais firme Hickman parece estar guardando para o clímax); do outro, o grupo liderado pelo Sr. Fantástico do Universo Regular, carregado pela culpa de não ter conseguido salvar seu planeta.

Dois Richards em lados opostos, portanto, que se encontram nessa nova Terra que o onipotente Doutor Destino (abastecido com o poder do Beyonder, como na Secret Wars original) criou para governar, chamada Battleworld, uma colcha com retalhos que ele conseguiu salvar de realidades distintas, desde a Nova York de hoje até o mundo dos X-Men da série de TV de 1992. A explicação do Doutor Estranho para o fato de as pessoas não se importarem que seus mundos acabaram oito anos antes é bem meia-boca ("Quem se lembra de oito anos atrás?", justifica) mas o fato é que essa colcha não afeta a trama da minissérie principal, que se passa num recorte muito particular do Battleworld.

É esse recorte que torna a nova Guerras Secretas uma história bem específica e não uma saga generalista: a corte do castelo de Victor von Doom, epicentro do Battleworld, onde transcorre uma tragédia de estatura shakespeareana. De um lado, Reed, o marido e herói vencido, atrás de uma segunda chance. Do outro, Destino, o regente imperfeito, apesar de seu poder total. Embora a Marvel tenha acabado com a série do Quarteto Fantástico, a editora dá a Hickman, roteirista que despontou justamente com a HQ da equipe, o espaço para contar mais uma grande história desses personagens que ele conhece bem. Seu Destino está mais humanizado do que nunca (e isso não se refere apenas à cena em que ele remove a máscara na edição três) e prova por que é o maior vilão do Universo Marvel.

Cabe ao desenhista Esad Ribic (convidado da CCXP 2015) encaixar essa história de câmara dentro do crossover grandioso que se espera de Guerras Secretas. O resultado lembra aquelas intrigas de palácio ou romances de cavalaria que transcorrem na Europa medieval, enquanto a história do mundo se faz do lado de fora do reino, num épico campal. Ribic intercala os dois relatos de modo eficiente, às vezes colocando a guerra como contexto (com quadros que frequentemente funcionam com primeiro plano e plano de fundo) e em outras simplesmente cruzando as tramas (a ação campal é desenhada e os diálogos na corte ficam restritos às caixas de texto).

Ainda que Guerras Secretas não tivesse essas soluções sofisticadas de narrativa, ou mesmo se Hickman não fosse tão bom de síntese ("Por que deixar Destino reinar? Porque ele é muito bom de brincar de Deus", resume Stephen Strange), já valeria a pena por ser uma rara saga em que cada protagonista tem sua própria agenda. Eles não são simplesmente peões com poderes específicos numa batalha de sobrevivência. Não é nem uma questão de exigir personagens complexos (e os de Hickman certamente são), mas, antes, de permitir que cada super-herói e vilão carregue consigo sua própria história.

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