Sexta-feira de FIQ: O caminho do quadrinho até as mãos do leitor

Créditos da imagem: FIQ (Pedro Ferreira - Fora do Plástico)

HQ/Livros

Artigo

Sexta-feira de FIQ: O caminho do quadrinho até as mãos do leitor

Quadrinistas contam das possibilidades de publicação

Omelete
6 min de leitura
06.08.2022, às 12H33.
Atualizada em 07.08.2022, ÀS 12H07

O FIQ-BH, assim como grande parte dos becos dos artistas de eventos brasileiros, é marcado pela produção independente. Como destacou a quadrinista e curadora do evento, Mariamma Fonseca durante a abertura desta 11ª edição do festival, essa é uma cadeia produtiva que muitas vezes passa por uma só pessoa. Desde os estágios embrionários, quando o gibi é apenas uma ideia, até a impressão e distribuição. O independente não é novidade. É uma das principais alternativas dos profissionais de quadrinhos brasileiros para ver suas obras publicadas.

Uma das principais vantagens da autopublicação é a liberdade criativa, conta a quadrinista Laura Athayde, autora de Histórias Tristes e Piadas Ruins e de Aconteceu Comigo - Histórias Reais de Mulheres, que também assina a ilustração do cartaz do FIQ-BH 2022. “A autopublicação é uma das minhas maneiras favoritas de chegar até o meu público. Nela eu fico responsável por todo o processo”, conta. Dessa forma, o artista tem mais autonomia sobre a produção, mesmo que exija uma dedicação de tempo ainda maior. “É muito trabalhoso, muito cansativo e é difícil, depois, para distribuir, mas eu tive muita liberdade no meu primeiro livro, por exemplo, que foi financiado coletivamente”. Laura relembra que pôde desenvolver todos os detalhes do projeto gráfico e que a obra, por fim, teve um custo de produção mais alto do que uma editora provavelmente iria considerar sustentável. Como o financiamento havia sido pelo Catarse, o livro saiu, como a autora mesmo diz: “do seu jeito”.

Essa dinâmica de publicação própria é muitas vezes parte dos passos iniciais de um artista nos quadrinhos. Gabriel Dantas, que assina suas tiras e histórias como Bife de Unicórnio, nas redes sociais, conta que seu primeiro quadrinho publicado foi um zine lançado em um evento voltado para animes, em Natal, Rio Grande do Norte. “Peguei um monte de papel, dobrei, desenhei e fui na gráfica. Foi um pouco no impulso. Depois fui melhorando, pegando dicas de amigos, tentando aos poucos aprender cada etapa de publicação”, comenta. Ao longo desse processo, participando de eventos e consultando outros quadrinistas, Gabriel notou que já estava mais seguro com as etapas do processo e passou a se preocupar, nos últimos zines, com o uso do papel, e cuidados extras com a revisão. 

Muitos leitores não fazem ideia do caminho dos livros que chegam às suas mãos. Nos quadrinhos, tanto a produção independente quanto a das editoras é cheia de etapas que são cruciais para o resultado final. Roteiro, desenho (e cores, quando é o caso), retoques, diagramação, letreiramento, revisão, distribuição, são etapas que nas editoras podem passar por diferentes profissionais e que são aglutinados no modelo independente, mesmo que isso não seja regra. Uma HQ nasce com uma ideia, que pode se tornar um roteiro em texto, ou ir direto para a página, de uma maneira mais intuitiva, como explica Dantas. “Não recomendo”, brinca o autor. É possível dizer que são as diferenças entre os modos de produção de cada artista que tornam o independente tão orgânico.

E nas editoras?

Há décadas lançando quadrinhos, a Conrad Editora tem focado, nos últimos dois anos, em projetos que envolvem a publicação de obras brasileiras. Tanto no digital quanto no impresso, a editora tem aberto espaço para quadrinhos inéditos e republicações de materiais que foram inicialmente autopublicadas. É o caso de Alho Poró, de Bianca Pinheiro, e o sucesso Mayara e Annabelle, de Pablo Casado e Talles Rodrigues

A vantagem da publicação em uma editora passa principalmente pela distribuição, um dos principais gargalos do mercado editorial em um país de dimensões continentais como o Brasil. “Nos títulos que a Conrad compra e publica pela editora, conseguimos ajudar na distribuição porque uma editora tem uma capilaridade muito maior. Isso porque a gente tem uma rede de distribuição mais ampla: vendemos para lojas especializadas, livrarias, para a Amazon e outras lojas online”, explica o editor-chefe da Conrad, Cassius Medauar.

No mercado editorial há mais de 20 anos, Cassius observa que algumas mudanças, com a popularização das vendas online, são vantajosas para os artistas independentes. O Catarse e outras plataformas do gênero, são uma maneira de financiar e sistematizar o envio da obra em questão e também os sites dos próprios artistas. “Vem ficando mais fácil no sentido que muitos autores têm uma base de fãs para comprar essas obras, seja num site ou no financiamento coletivo”, ressalta.

Um outro cálculo necessário, e que faz parte do caminho de uma HQ, é o financiamento não apenas do material em si, enquanto produto, mas também do tempo de desenvolvimento do projeto. Esse aspecto foi abordado no artigo do primeiro dia da nossa cobertura do FIQ e retorna nesta matéria, porque a produção independente é muitas vezes uma produção em tempo extra. Guilherme Kroll, responsável pela Balão Editorial, editora que lançou Aconteceu Comigo, de Laura Athayde, lembra que o financiamento cultural do Itaú foi essencial para o projeto. A autora também reforça que, por meio do edital, conseguiu dedicar mais tempo, afinal estava sendo remunerada especificamente para desenvolver a HQ. 

“Do jeito que o mercado de quadrinhos é estruturado hoje, não é todo ele, mas na sua imensa maioria, o autor precisa ter um trabalho das 8h às 18h e, depois do trabalho, sentar na prancheta e desenhar. Como você quer que essa pessoa produza um quadrinho de 150 páginas em um ano?”, expõe Guilherme. Além de editais e projetos públicos de financiamento, é possível que uma editora financie o trabalho de um quadrinista, abraçando a obra desde o princípio. No entanto, isso tem sido um hábito pouco comum. Cassius explica que a dificuldade em adquirir um título ainda em estágio inicial está relacionado aos custos e também à questão do trabalho interno. “Em geral, as equipes das editoras não são enormes, então há um tempo muito curto para produzir muita coisa. E o custo envolvido será mais alto, quando você pega um quadrinho do zero. Então, esses dois lados empurram as editoras para mais títulos estrangeiros licenciados ou HQs nacionais, já prontas”, conta o editor-chefe da Conrad. 

O que o FIQ propõe para otimizar o contato entre quadrinistas e editoras é a realização da Rodada de Negócios, que aconteceu nos dois primeiros dias desta edição, quarta e quinta-feira. Durante a ação, autores podem apresentar seus projetos para várias editoras, que conseguem também ter um panorama mais próximo da produção nacional. A Rodada promove uma relação mais próxima entre as duas partes, afinal acontece presencialmente, e é uma experiência enriquecedora para os quadrinistas que participam. 

Andar pelos corredores do festival é observar a garra dos quadrinistas brasileiros. A vontade de trazer seus projetos ao mundo. Sem querer romantizar a questão do trabalho com quadrinhos, que tanto tem sido explorada nesta edição do evento, o empenho desses profissionais se destaca. Como disse Laura Athayde, “isso que é muito bonito no FIQ, é tudo muito pessoal. Esses artistas que estão aqui estão tirando suas obras de dentro de si”.  

Você pode ficar por dentro do FIQ, durante os cinco dias de evento, com a cobertura do Fora do Plástico e do Omelete.

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.