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Crítica

Batman Eterno | Crítica

Série semanal com vocação para novela se leva a sério demais

06.04.2015, às 12H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H30

Depois de 52 edições semanais, a "primeira temporada" de Batman Eterno chega ao fim pela DC Comics nos EUA - no Brasil a Panini publica a série desde fevereiro deste ano - sem ainda encontrar um formato ideal para si. A proposta de trazer escritores e desenhistas diversos para contar um único arco ao longo de um ano, próxima da estrutura das séries de TV, fez desta primeira experiência de Batman Eterno um grande novelão com altos e baixos.

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Roteirista de Batman, best seller da DC e série principal da linha de HQs do Homem-Morcego, Scott Snyder faz valer seu status hoje dentro da editora e é o orquestrador da história de Batman Eterno, iniciada em 2014 como parte das comemorações dos 75 anos do vigilante. Nela, começamos do fim: Bruce Wayne acorrentado ao Bat-sinal, enquanto Gotham se incendeia ao redor. A identidade do vilão responsável por desmascarar o milionário só é conhecida no desfecho da série; até lá, num longo flashback que dura alguns meses dentro da trama, Batman e seus aliados combatem crimes de várias escalas, crises institucionais e destruição generalizada, em casos envolvendo nanotecnologia, paranormalidades e muitas, muitas pistas falsas.

Snyder (que escreve o argumento com James Tynion IV) gosta de pontuar nas suas histórias que Gotham é uma cidade inclemente mas que dá oportunidades para quem quer se reinventar. Essa ideia é esgarçada nesta primeira temporada de Batman Eterno; mais do que nunca Gotham é um carnaval de aspirantes a mascarados (Spoiler começa donzela indefesa e logo vira a maior ninja motoqueira), de vilões com agendas próprias (alguns citados só para fazer volume, como Charada e Ra's al Ghul) e, acima de tudo, é a cidade-prodígio da engenharia civil: numa noite o caos toma conta de tudo (é preciso ter clímaxes constantes para manter o leitor) e no dia seguinte pouco se nota de diferente no cenário.

Na verdade, muita coisa estabelecida em Batman Eterno, em relação a transformações no horizonte, só se desenvolve de fato em séries outras, como a Mansão Wayne sediar o Asilo Arkham (premissa da nova série Arkham Manor) ou Mulher-Gato se tornar a chefona das famílias mafiosas (história que ocupa a HQ da vilã atualmente). Não deixa de ser um paradoxo: Batman Eterno se oferece como um espaço de experimentações - com seus vários autores convidados para dar conta da periodicidade agressiva - mas que se amarra à narrativa central do whodunit e não dá autonomia para que essas novas ideias se desenvolvam dentro da série.

Se Batman Eterno se mostra uma HQ interessante enquanto fábrica de argumentos - Mulher-Gato mafiosa, Arkham destruído, Gordon preso, Julia Pennyworth mordoma, Luke Fox assombrado - poucas dessas ideias são aproveitadas a contento. A série semanal se ocupa mais de tecer um quebra-cabeças com seus muitos núcleos (lembra novela porque até o mordomo tem o seu núcleo dramático) para criar a ilusão de uma conspiração ultraenredada, e no fim alguns desses grupos se acompanham meio por obrigação (o núcleo do gueto, com Bluebird, dificilmente alçará grandes voos fora desta série).

É como se histórias secundárias fossem incorporadas à trama central para engrossá-la, quando na verdade Batman Eterno não tem fôlego de verdade para uma narrativa tão extensa de causas e efeitos. O resultado é frustrante às vezes, como quando Batman rende um grupo de vilões e logo nas edições seguintes eles já estão se reunindo para bolar um novo plano (e haja frase de efeito sempre que Batman chega para pôr fim na zona). Tudo parece acontecer só para revelar que há algo mais nos bastidores, e a história não para de inchar. A sensação de que o grosso da série é feito de fillers sem consequência é inevitável.

Por isso, o ponto alto de Batman Eterno acontece na edição 11, quando a trama passa pelo Rio de Janeiro (e Bruce Wayne participa de um Celebrity Jeopardy!). É o momento em que a série se desarma da falsa gravidade imposta por Snyder e se aproxima mais do nonsense de um Grant Morrison - autor que sabe enxergar no carnaval de mascarados um senso de comédia absurda que teria feito bem à série como um todo. O próprio traço do desenhista Ian Bertram se assemelhe ao de Frank Quitely, parceiro habitual de Morrison. É também a edição mais divertida de Batman Eterno, porque se assume como um "episódio da semana" de fato, integrando a grande rede de conexões sem perder de vista a aventura imediata.

E que a ação se passe durante a gravação de uma novela no Rio talvez sirva de presságio: se Batman Eterno vai se estruturar como um seriado de TV, cheio de fillers cuja vocação é o descompromisso, então que não tenha medo de agir como um.

Nota do Crítico
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