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Crítica

O fim do Demolidor de Mark Waid | Crítica

Roteirista se despede da série em um arco de celebração e terapia

04.09.2015, às 13H55.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Durante três anos, de 2011 a 2014, a premiada HQ Daredevil do roteirista Mark Waid, desenhada inicialmente por Paolo Rivera e depois por Chris Samnee, foi a melhor série mensal da Marvel Comics. Era um triunfo em termos de design e cores, para ressaltar os sentidos do Demolidor e sua tradução visual e para criar uma narrativa mais leve do que as tradicionais histórias soturnas do personagem. E era uma vitória da imaginação: sem recorrer a pesos-pesados como o Rei do Crime, Waid manteve o nível da HQ com vilões escolhidos por suas oportunidades de ação, em histórias que não temiam levar o Homem sem Medo (e os leitores) para fora de suas zonas de conforto.

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Waid stá se despedindo da série (que teve sua numeração zerada em março de 2014 mas manteve a equipe criativa), e a edição 18, a derradeira, saiu nesta semana nos EUA. Marcado pela mudança de Matt Murdock para San Francisco, depois que ele assume publicamente sua identidade em Nova York para derrotar os Filhos da Serpente, o arco que encerra essa era não é tão excepcional quanto o que veio antes, em termos de invenção visual, mas Waid - talvez ciente de que o auge havia passado - consegue diferenciar essas 18 últimas edições ao torná-las, com uma pegada de metalinguagem, uma grande celebração do seu sucesso e uma terapia de acertos com o passado.

Inicialmente, a mudança para San Francisco rende algumas graças (resumidas na incapacidade de Matt prender seu gancho nas palmeiras californianas), mas o fato é que o caráter peixe-fora-d'água desse arco logo se desmancha - justamente porque estamos diante de um Demolidor autocelebratório, longe de se sentir em desvantagem no novo cenário. Como seria de esperar, Mark Waid uma hora transforma essa confiança do vigilante em prepotência, para fins dramáticos, mas não convém entrar em detalhes da trama aqui. Basta dizer que o Rei do Crime entra em cena, finalmente, menos como figura essencial de uma trama específica e mais como peça obrigatória de qualquer ciclo que se encerre na vida de Matt Murdock.

Que ciclo é esse? Essa é a pergunta que se faz ao longo dessas 18 edições, e é interessante notar como as escolhas de Waid acontecem em função dessa reflexão, para espelhar os elementos que desde sempre constituem o Demolidor: então temos um duplo do velho Matt assombrado (o Mortalha), um gatilho que desperta medos represados (a breve participação do Homem-Púrpura), e por fim o antagonismo essencial (a splash page com os quadros de Wilson Fisk imaginando mortes do Demolidor é outra ótima síntese).

Enquanto a subtrama da autobiografia - proposta milionária de contar sua própria história, que Matt recebe na sua nova vida de persona pública - trata de tornar mais transparente essa intenção de encerrar um ciclo, há outros componentes que contribuem mais para esse espírito testamental. Os filhos do Homem-Púrpura, a filha do Coruja, a morte que espreita Foggy, o Mestre das Proezas tentando se eternizar apesar da sua época ter passado: tudo isso em Daredevil se presta a mostrar a passagem do tempo, a velhice, o fim das coisas. Embora os quadrinhos americanos de super-herói sempre evitem ao máximo "envelhecer", Mark Waid consegue aqui tornar esse acúmulo de vivências bastante evidente, sem fechar portas para os futuros recomeços que certamente virão na HQ.

É o passado de Matt Murdock, enfim, e tudo aquilo que representa como formador de caráter desse super-herói, seu traço de personalidade mais marcante. Embora tenha feito da leveza e do despojamento seus lemas nessa fase da HQ, Waid consegue conciliar isso com o peso da História nessas edições derradeiras. Ele revisita o mito primeiro naquilo que tem de mais superficial - a marca, o slogan do "homem sem medo", versões do uniforme vermelho - para depois escavar o que há de mais profundo: os traumas, as poucas mas fundamentais alianças e amizades. Seu Matt Murdock começa deparando com um holofote novo na Califórnia das celebridades do cinema - o que também espelha o sucesso de Waid e Samnee na série - e termina encontrando para si uma paz entre o velho e o novo Demolidor.

Nota do Crítico
Ótimo

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