Há uma cena que se repete em Bom de Briga (Battling Boy), HQ do quadrinista Paul Pope criada em 2013 e que agora sai no Brasil. Crianças estão jogando bola, e depois de um lance mais forte ela se perde escadaria abaixo. Um dos garotos precisa buscá-la - momento de solidão que mistura a preguiça de refazer uma ação banal, pegar a bola, e o medo do desconhecido: tudo o que há no mundo além daqueles poucos metros de convívio seguro entre meninos.
O fato de essa cena ser contada duas vezes - uma entre garotos na cidade de Arcópolis e depois entre jovens deuses numa espécie de Olimpo que gravita no espaço - não altera seu sentido. Mesmo que Bom de Briga envolva monstros e deuses, é de todo adolescente de 12 anos e das incertezas do amadurecimento que Pope trata nesta sua pequena aventura.
Conhecido por desenhar minisséries de Batman na DC Comics, como Year 100, Pope nos apresenta aqui o Bom de Briga do título, filho de deuses que é enviado à Terra para defender a pobre cidade de Arcópolis de monstros e, sob essa provação, então tornar-se um adulto. O quadrinista coloca seu inconfundível traço expansivo a serviço de uma história com alguns toques steampunk, e com vilões e situações que parecem uma mistura de Jack Kirby (especialmente no visual dos monstros e na ação) com Charles Dickens (a cidade oprimida, a gangue que rapta crianças à Oliver Twist).
A principal qualidade deste primeiro volume (Bom de Briga termina com um gancho e deve ganhar não só uma continuação mas também prelúdios pela editora First Second Books) é tornar essa mistura de referências bastante harmoniosa. Pope visivelmente aposta nos aspectos mais lúdicos da aventura (as armas todas são cartunescas, da pistola de Haggard West e do canhão de Arcópolis ao relâmpago dos deuses), como um antídoto ao impacto das cenas mais grandiosas de duelos.
O eventual fetiche da violência não interessa a Pope, apenas o comentário sobre outros fetiches, aqueles desde sempre relacionados às histórias modernas de super-heróis, dos desfiles de propaganda ao arsenal de armas. Como não deixaria de ser, esses comentários passam pela obrigatória capa vermelha - mesmo crianças que desconhecem Superman já devem ter brincado com uma - e Bom de Briga sem dúvida ainda precisará dela no futuro.