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Diário do FIQ - Dia 1

Todos os dias, um relato do nosso correspondente no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Hor

08.10.2009, às 14H00.
Atualizada em 05.12.2016, ÀS 19H01

Estou atrasado. O 6º Festival Internacional de Quadrinhos começou na terça-feira, dia 6, e só consegui chegar nesta quarta. Repasso mentalmente o que perdi da programação enquanto chego a Belo Horizonte. Mas é só ligar o celular enquanto espero a mala na esteira que chegam mensagens, e-mails e até alertas no Twitter: Belo Horizonte está alagada.

O FIQ se declara este ano a versão brasileira da San Diego Comic-Con. São vários convidados internacionais, vários eventos paralelos. A programação realmente é extensa. Para melhorar a comparação, San Diego teve este ano um alerta de lulas gigantes na costa, poucos antes da realização da Comic Con. Belo Horizonte, então, tem sua própria catástrofe, por mais que seja menos pop e mais terceiro mundo: enchente.

FIQ

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Mas olho pela janela e está sol, muito sol. Assim que você sai do ar condicionado do aeroporto, um bafo de calor. Nem sinal de água. No caminho para a cidade, o ar condicionado do ônibus não dá conta. No táxi para o hotel, mais calor e ninguém de guarda chuva nas ruas. Enfim, nada de enchente.

Mas acalme-se, ela já vai aparecer.

* * *

Ligo o computador no hotel e vejo que tem sessão de autógrafos do Liniers em hora e meia. É pouco tempo se considerar que nem sei onde fica o Palácio das Artes, ponto onde acontece a maioria dos eventos do FIQ.

Descubro, no caminho, que fica no centrão de BH, perto da prefeitura e de outros prédios públicos, e ligado a um grande parque. É um centro cultural com várias galerias, dois teatros, um cinema e bons jardins para relaxar. O FIQ dominou um andar inteiro do lugar, bastante extenso. Depois vou descobrir que é a primeira vez que o evento acontece aqui, e os organizadores estão muito satisfeitos.

O público também: o lugar está cheio. Principalmente de crianças e adolescentes. Hoje é o principal dia de visitação de escolas públicas de BH, pois Maurício de Sousa está aqui para uma palestra e sessão de autógrafos do seu livro comemorativo de 50 anos de carreira.

Quem queria autógrafos do criador da Mônica tinha que pegar senha a partir do meio dia. A sessão começa às 17h e é o momento de pico. Forma-se uma fila gigantesca e um cerco de seguranças para delimitar o espaço onde vão ficar Maurício e quatro artistas mineiros que participaram do livro: Lelis, Raphael Salimena, Victor Cafaggi e João Marcos. A fila se mantém por duas horas, fazendo curvas pelo evento, com bebês, adolescentes e idosos.

* * *

A sessão de autógrafos do Liniers começou um pouco antes. Na FIQ está sendo lançado Macanudo 2 (Zarabatana), sua segunda coletânea de tiras. Como aconteceu em São Paulo no ano passado, vem gente com a mochila carregada de obras do autor, tanto nacionais quanto as só publicadas na Argentina.

Tenho meu momento de tietagem. Óbvio que Liniers não lembra que o entrevistei no ano passado, mas lembra dos livros de Laerte que lhe entreguei de presente. Bato um papo com ele enquanto autografa meu Macanudo 2. O papo é curto porque Liniers se concentra em fazer um desenho especial para cada fã.

Chega uma câmera de TV do nosso lado, com uma apresentadora loirosa que lhe pergunta: por que um desenho diferente, e detalhado, para cada autógrafo? Liniers: "Os cartunistas de quem eu era fã sempre faziam isso, então eu decidi que também teria que fazer."

Converso com Juan Lanusse, agente de Liniers. Além de me presentear com livros de Kioskerman (outro ótimo quadrinista argentino), ele comenta que a Editorial Común - editora fundada por Liniers para publicar seus próprios livros e de outros quadrinistas - está indo muito bem. Mas o mais interessante é que Macanudo está chegando a outros mercados: além do Brasil, já foi lançada em alguns países da Europa e da América Latina. Agora vão para o mercado norte-americano com um grande aliado: Denis Kitchen, o agente que representa a obra de Will Eisner, Robert Crumb e um número seleto de quadrinistas norte-americanos, topou colocar Liniers na sua lista.

Juan também me mostra uma prévia do aplicativo para iPhone com as tirinhas de Macanudo, que vai estar disponível provavelmente daqui um mês. A produtora é a francesa Ave! Comics , a mesma que fez um aplicativo para tiras do francês Lewis Trondheim. Enfim: Macanudo no seu bolso, em breve!

Depois converso com Claudio Martini, editor da Zarabatana. Ele está lançando na FIQ tanto Macanudo 2 quanto Shenzhen, do canadense Guy Delisle - outro convidado do evento, que hoje, pelo que me dizem, está visitando a cidade de Ouro Preto. Martini entrega junto aos livros uma lista de próximos lançamentos da Zarabatana, com material bem interessante.

* * *

Já falei que o lugar estava cheio de crianças? Estava MUITO cheio. Medo de como isso vai ficar no fim de semana.

Consegui avistar alguns conhecidos, que me contaram as palestras de terça-feira. A mesa sobre animação e cinema, com os brasileiros Sávio Leite e Lancast, acompanhados de Guy Delisle, estava morna. Já a sobre humor gráfico estava excelente, com bate-papo entre os franceses Cizo e Felder, Liniers e o mineiro Duke. Os franceses foram o destaque. Se a exposição que eles montaram - Supermercado Ferraille - é prova da presença de espírito dos dois, vai render uma ótima entrevista - que já agendei. E falo da exposição no próximo dirário.

Também topo com Ben Templesmith, o artista australiano de 30 Dias de Noite, Fell e vários outros trabalhos. Ele é alto, esguio e branco como um vampiro. Havia chegado há dois dias em Belo Horizonte, mas hoje só passou rapidamente pela FIQ. Outro para conversar mais tarde.

O ponto onde vejo toda essa gente é a Tenda Eugênio Colonnese, onde ficam estandes de livrarias, editoras e estúdios. O estande da Livraria Leitura é o maior, com um corredor de gibis novos e usados. O trânsito lá dentro era meio conturbado, pelo menos nesse dia. Há estandes da Companhia das Letras e da Panini, de estúdios que desenham e pintam ali mesmo, e de vários coletivos independentes.

De um desses, do pessoal que apropriadamente intitula-se Quadrinhos Dependentes, acabo levando um bolo de revistas. É, em parte, do mesmo pessoal que editou a Samba, boa antologia lançada este ano. Parte dessa mesma turma está lançando a Beleléu, dedicada quase que totalmente a quadrinhos de humor negro.

Em outra das revistas que levo do estande, a Kowalski, a primeira história mostra Cebolinha, Cascão e Franjinha usando, respectivamente, maconha, cocaína e heroína enquanto bolam o plano definitivo para acabar com a Mônica. O plano, que certamente se enquadraria em crime hediondo, dá certo e a cena final envolve Bidu em uma posição inominável. Alguém sugere levar o gibi para pedir autógrafo de Maurício de Sousa, mas acho que ninguém teve estômago.

Para completar a ronda na Tenda Eugênio Colonnese, há um único cosplayer. Veja as fotos na galeria.

* * *

A programação noturna envolve, primeiro, uma conversa com os quadrinistas alemães Reinhard Kleist e Jens Harder. Kleist havia dado uma oficina sobre quadrinhos baseados em fatos reais naquela tarde. Ele já publicou quadrinhos sobre Cuba e Nova York, e sua biografia de Johnny Cash vai sair no Brasil em breve.

Já Harder não tem material publicado aqui, mas está construindo carreira na Europa com grandes álbuns quase sem texto. Ele está envolvido em uma trilogia que conta a história do universo, do big bang ao futuro. O primeiro livro, Alpha, saiu este ano na França com 350 páginas que mostram desde as primeiras formas de vida aquáticas até o homem das cavernas. Os próximos tomos, Beta e Gama, mostrarão o desenvolvimento das sociedades e ideias para o futuro.

Como a palestra começa atrasada, os autores só têm tempo de mostrar um pouco de seus trabalhos no datashow e parte-se para perguntas da plateia. Fala-se sobre o mercado alemão de quadrinhos - que só agora está despertando para o valor literário das HQs -, sobre como eles publicam mais facilmente na França e sobre técnicas digitais x lápis e papel. Depois que ouço que Harder está envolvido com 700 páginas de sua trilogia pelo menos até 2012, pergunto como os autores de lá se sustentam por anos a fio enquanto fazem um único álbum. Ele diz que, além de ter o adiantamento da editora, há bolsas do governo e prêmios que ajudam os artistas a dedicar-se a esses empreendimentos mais ambiciosos nos quadrinhos.

A palestra seguinte é com Renato Canini, grande nome das HQs nacionais que ficou marcado como o desenhista do Zé Carioca que não seguiu o padrão Disney, nos anos 70. Ele comenta este trabalho e outros personagens, como Kaktus Kid e Dr. Fraud, que produziu para várias antologias ao longo dos anos 70 e 80. Desde essa época, seu trabalho se voltou para a ilustração de livros infantis.

Há uma exposição dedicada a Canini no FIQ, que é provavelmente a melhor já armada para sua carreira. Além dos originais, há ilustrações suas impressas em grande formato, que não deixam nada devendo aos artistas de quadrinhos infantis reverenciados pelos americanos, como John Stanley (de Luluzinha e Melvin o Monstro). Seth e Art Spiegelman, quadrinistas atuais que sempre referenciam os clássicos quadrinistas infantis, ficariam de olhos arregalados aqui.

A palestra vira uma conversa entre Canini, com 73 anos, e outros membros da plateia com idade próxima, lembrando os velhos tempos e preocupados com a preservação da memória desses velhos tempos.

* * *

Lembram da enchente? Acho que as notícias haviam chegado muito cedo. Ao chegar à porta do Palácio das Artes, descubro que é impossível sair do lugar sem enfiar o pé na água. E a chuva forte segue noite adentro.

Só dei uma passada rápida pela exposição sobre Batman (obrigatória) e ainda mais rápida pelos dois salões cheios de originais de todos os convidados do evento. Falo mais sobre isso no próximo diário. E ainda tem uma cambada de convidados que aterrisam hoje e amanhã (Craig Thompson, Becky Cloonan, Vasilis Lolos, Moon e Bá, Rafael Grampá...). Mesmo que eu tenha chegado atrasado, o FIQ só começou.

Ah, sim: não deixe de ver as fotos na galeria.

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