HQ/Livros

Artigo

Festival de Angoulême 2008

O Omelete visitou o maior evento de quadrinhos da Europa

03.02.2008, às 00H00.
Atualizada em 15.12.2016, ÀS 21H01

A primeira vez em que ouvi falar de Angôuleme eu tinha algo em torno de 16 anos. Um amigo mais velho, fanático por gibis me contou sobre a tal "Capital dos Quadrinhos". Mas, naquele tempo, o meu referencial ainda não ia muito além dos heróis Marvel/DC e tal comentário passou meio despercebido. Eu só passei a me interessar novamente por Angoulême depois que tive meus álbuns da série Ernie Adams editados na França. Até hoje, no Brasil, a maior referência como o grande evento de quadrinhos do ocidente é o Comicon de San Diego, principalmente pelo grande número de artistas brasileiros que hoje trabalham para o mercado estadunidense, um dos mais fortes e influentes do mundo quando o assunto é HQ.

Mas no Velho Continente, terra das BDs (bandas desenhadas), não há evento que eclipse Angoulême, que este ano chegou à sua 35ª edição. Mas o que há de tão especial assim por lá? A fim de entender melhor o que significam os quadrinhos na cultura franco-belga, fomos à França durante o evento ocorrido na última semana para conferir se a cidade realmente merecia o título de capital dos quadrinhos.

angouleme - fãs

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Fãs se aglomeram para ver os artistas desenhando

angouleme - smurfix

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Smurf + Asterix = Smurfix
00:00/01:00
Truvid
auto skip

angouleme - asterix e obelix

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Sem a poção mágica, os dois gauleses divulgavam o novo filme

angouleme - portfolio

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Longas filas e muita atenção nas apresentações de portfolio

angouleme - placa

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Até a placa com o nome da rua é em formato de balão

angouleme - memorabilia

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E, claro, muita coisa para comprar

onibus

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Repare que até os ônibus são pintados com quadrinhos

Festival de Angouleme

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O mascote Fauve

angouleme - smurfs

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Exposição de rua celebra os 50 anos dos Smurfs

Cheguei um pouco atrasado graças a uma imprevista troca de trem devido a problemas técnicos. Mas passada a confusão, fomos recepcionados na estação com uma sacola de brindes (o início da inevitável colheita de material do evento). Interessante salientar que, quem ia de trem para o festival, tinha um desconto de 35% no valor da passagem. Estímulo que já demonstra o quanto o evento tem apelo turístico. A cidade, com ares medievais estava enfeitada com banners e cartazes do evento - com a bela arte do argentino José Muñoz ou com Fauve, o gatinho símbolo do evento, criado pelo mega-star (e ex-presidente do Festival) Lewis Trondhein. O comércio também ostenta os quadrinhos no formato de pôsteres e bonecos indicando o quanto a nona arte é apreciada por ali. Um ônibus gratuito levava todos os participantes do evento a cada um dos centros de exposição. Mordomia mais que bem-vinda para os fãs que ostentavam sacolas enormes carregadas de compras. Por sinal, todos tiveram muita sorte por este ser um inverno atípico na Europa. Nada de neve e um sol até que generoso facilitavam a locomoção entre as vielas da cidade.

Muitas HQs, uma só língua

Mas para um evento internacional é importante salientar o estranho fato de que a única língua para tudo no festival é mesmo o francês. Não havia um panfleto bilíngüe, seja em espanhol ou inglês, por exemplo. Português nem pensaria em procurar, pois parece ser um idioma desconhecido na maioria dos eventos culturais europeus fora de Portugal... Mas se você quiser se localizar por Angoulême, pelo menos na época do Festival, não tenha medo. A localização é fácil e há boa vontade por parte das pessoas do festival em tentar compreendê-lo e ajudá-lo. Até por que a cidade, literalmente, exala BD. Ano passado, foram pintados novos murais com temas de quadrinhos famosos enfeitando prédios com personagens como Lucky Lucke e Blank e Mortmer, para somar com os antigos que se pode encontrar por lá. Quadrinhos fazem tanta parte do cotidiano da cidade que até as placas com os nomes das ruas possuem o desenho de um balão.

Essa vocação se estende ainda para museus, como o Centro Nacional de la Bande Déssinée et de l'image, e até na internet, com o excelente site Coconino, um deleite de resgate histórico das artes gráficas.

Ok, eu já devo ter convencido você de que a minha primeira impressão foi a de que o povo de Angoulême realmente leva quadrinhos a sério. Mas e o festival em si, como é? Em vez de comentar sobre um monte de exposições de artistas que (infelizmente) desconhecemos do lado de cá do Oceano, creio que o melhor é tentar passar uma impressão geral do que é estar no meio de um festival dessa magnitude.

O primeiro lugar que visitei foi o pavilhão de Jovens Talentos, onde ouvi alguém me chamar assim que entrei:

"Ei, você é do Omelete?"

Meu crachá denunciou minha presença, mas sabe-se lá por que, fui rebatizado pela organização como "Jesse" e todo mundo no evento achava que eu fosse espanhol. O simpático nome do Omelete também despertava um sorrisinho engraçado nas pessoas... Mas quem foi que me chamou? Era Rafael Salimena, um jovem artista brasileiro na fila para mostrar o portfolio a um editor da Soleil, uma das grandes editoras francesas. O tal editor não apareceu e trocamos para outra fila (ou algo que se assemelhava a uma) onde fiquei com ele por cerca de uma hora trocando impressões sobre o evento. Ele estava desde o dia anterior na via-crucis dos jovens talentos em busca de espaço nesse concorrido mercado. A editora da Glénat foi muito atenciosa com todos que atendeu, mas não deu conta de ver o material de todo mundo, pois precisava ir embora. Rafael não deu sorte. Ficou de voltar no dia seguinte para conversar com outros editores.

Dito e feito: lá estava ele na fila para mostrar o portfólio para o editor da Dargaud, uma das maiores da França. Mais de uma hora depois, ele estava na fila da Soleil de volta. Não deu certo de novo. A editora presente também não viu o material de todo mundo e foi embora para a frustração de nosso colega e de muita gente. Segundo Rafael, isso estava acontecendo direto no festival. Até porque o número de pessoas nessas filas é grande e os editores costumam ser atenciosos. Ali se via de tudo: adolescentes com rabiscos a lápis em sulfite amassado, gente que já publicou algo de maneira independente e roteiristas apresentando seus releases. Não muito diferente do que se vê em eventos semelhantes que acontecem também no Brasil.

Explosão populacional 

É interessante salientar que, no geral, o público do festival é bem normal. Nada de pessoas fantasiadas como seus personagens favoritos. Cosplays, tão comuns para atrair os fãs de mangá, não parecem ser moda na França. E olhe que o evento contava com estandes, artistas e exposições tanto de mangá como de manwas [os quadrinhos coreanos] ou quadrinhos chineses, com direito até mesmo a um prédio separado, o Mangá Building. Fora uma dupla de Asterix e Obelix fajutos divulgando a estréia de seu novo longa-metragem, um mascote de cereal (que pelo jeito era patrocinador de evento) e uma dupla de Barbapapas que atacava os passantes, os personagens que mais se via por ali eram Smurfs.

Em frente ao Hôtel de Ville, prefeitura e castelo sede do evento, havia uma exposição de rua comemorativa do cinqüentenário dos personagens, contando a história dos duendinhos azuis. Inclusive com a venda de estatuetas deles por 10 euros para ajudar o Unicef. O bizarro dessa mostra era a estátua do "Smurfix": misto de Asterix com um Smurf.

No fim de semana, andar pelas ruas era apertado. A cidade tem cerca de 40 mil habitantes e quase quadriplica durante o festival. Além da multidão circulando entre as exposições oficiais e outras menores abertas em bares e restaurantes, ambulantes e fanzineiros vendiam seu trabalho no caminho dos visitantes. Enfim, a maior concentração de amantes dos quadrinhos por metro quadrado que já testemunhei. Alto falantes transmitem os debates nas ruas e entre uma música e outra, anunciam os eventos que estão acontecendo para a multidão.

No meio de quem faz

Dentro dos pavilhões era uma fornalha. Principalmente nos estandes onde os artistas estavam autografando seus trabalhos. No da editora Glénat, antes que não houvesse mais espaço, foi preciso barrar os fãs na entrada para administrar a quantidade de pessoas que circulavam por lá. Mas o mais impressionante era o estande da editora Soleil, onde um exército de autores ocupava quase meio pavilhão numa sessão de autógrafos em escala quase industrial. Foi o único onde identifiquei guardas-costas exclusivos trabalhando...

E realmente, esperar horas por um autógrafo valia a pena, pois a atenção e o capricho dedicado pelos artistas era grande. Muitos até faziam belas artes aquareladas para os fãs maravilhados, do mesmo tipo de original à venda por um preço salgado em outro pavilhão, também intransitável, onde ficavam as memorabílias, sebos e lojas que vendiam pôsteres e originais aos colecionadores. Além das grandes editoras, divididas em dois enormes espaços, estavam presentes também editores alternativos (com produção bem próxima do underground americano ou dos fanzines) em um pavilhão menor, mas igualmente bem freqüentado.

Um dos espaços mais interessantes era a academia Canson, onde artistas consagrados davam aulas de desenho com uma hora de duração a quem estivesse por ali. Essa aula era transmitida em telão aos visitantes.

Muito em pouco tempo

Infelizmente devo confessar que foi impossível ver todas as exposições do evento. Nem que tivesse usufruído todos os quatro dias do festival, não teria conseguido ver (pelo menos com paciência) todas as mostras. As palestras, devido à barreira do idioma, acabei deixando para outra oportunidade, quando meu francês estiver mais afiado. Mas é interessante salientar uma interessante mostra de quadrinhos feitos por crianças da rede pública e as exposições feitas nas igrejas da cidade, onde por sinal era vendido todo e qualquer quadrinho com apelo religioso. Imagine se não havia quadrinhos do Papa Bento XVI por lá.... Na catedral da cidade estava a exposição de Moebius, a mais decepcionante das que visitei. Não pelo trabalho do mestre, sempre ótimo. Mas por ser apenas uma salinha, com um número pequeno de obras, em sua maioria, reproduções. Ele merecia mais. Até porque o nome dele era o maior no cartaz da entrada... As mostras de quadrinhos argentinos e a do italiano Sergio Toppi foram grandes sensações no evento.

Curiosidade: a expo de jovens talentos selecionada pelo festival não fez tanto sucesso quanto os belíssimos pôsteres que enfeitavam o pavilhão. Esses não estavam à venda, mas segundo os assessores que trabalhavam no local, foram muito requisitados. Eu inclusive também queria um, mas voltei para casa de mãos abanando.

Mentira.

Entre uma lembrancinha e outra, voltei para casa com uma compreensão mais abrangente do que são quadrinhos levados a sério como cultura e como negócio. Espero que este artigo, aliado à galeria de imagens abaixo, ajude você a compartilhar comigo minhas impressões do que foi Angoulême 2008. Mas não se preocupe que há mais informação por vir no Omelete sobre o mercado francês: em meu próximo artigo comentarei sobre as conversas que tive com editores de algumas das maiores editoras da Europa. Até lá.

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