Todo mundo tem aquele gibi que começou tudo. Não necessariamente o primeiro, ou mesmo o melhor, mas o que marcou o início de fato da paixão pelas histórias em quadrinhos. No meu caso, foram dois. Mesmo que já tivesse lido algumas pequenas pilhas de Batman e O Espetacular Homem-Aranha e uma montanha de Turma da Mônica, os títulos que me jogaram no buraco de coelho que é o mundo dos quadrinhos foram LJA/Vingadores, lançado em edição definitiva pela Panini em 2006, e Biblioteca DC - Os Novos Titãs, volume de luxo da mesma editora que reuniu, em 2008, as primeiras revistas do grupo teen da DC.
Embora fossem duas histórias bem diferentes, escritas, respectivamente, por Kurt Busiek e Marv Wolfman, dois roteiristas de estilos distintos, as artes eram assinadas pelo mesmo nome: George Pérez. Na época, eu obviamente não tinha qualquer noção da importância que o quadrinista tem na indústria, mas esses dois títulos marcaram as primeiras vezes que fiquei realmente embasbacado com uma arte. Passei horas e horas olhando para aquela capa brilhante que reunia os maiores heróis da história de DC e Marvel, para a página dupla em que o Superman segurava o escudo do Capitão América em uma mão e o Mjölnir do Thor em outra e para a planta detalhada da Torre Titã.
Coincidentemente, é de Pérez também a primeira vez que tive que segurar as lágrimas por causa de um “gibizinho de hominho”. O quadro em questão é de outra brilhante parceria dele com Wolfman, Crise nas Infinitas Terras, e traz o sacrifício de Barry Allen, o segundo Flash, correndo além dos próprios limites para impedir que o Anti-Monitor destruísse o multiverso DC. Mesmo já sabendo quase tudo da história - e inclusive já tendo visto o quadro em questão na internet -, o desenvolvimento completo do Velocista Escarlate entendendo que só seu sacrifício salvaria seus colegas da Liga me atingiu como uma voadora. A expressividade que Pérez deu a Barry e a degeneração do corpo do herói são, até hoje, assustadoras e tristes, não importa quantas vezes ele tenha morrido e voltado à vida desde então.
Só depois de alguns anos que fui me tocar que Pérez talvez seja o grande responsável por eu hoje trabalhar com cultura pop. Se eu não tivesse me apaixonado tanto pelas artes que ele criou, não só para os gibis citados, mas para Superman, Mulher-Maravilha, Vingadores e Desafio Infinito, dificilmente buscaria conhecer mais sobre esses personagens. Com certeza não teria feito parte de comunidades do Orkut ou grupos de Facebook para discutir quadrinhos e muito menos entrado no Omelete.
Admito sem a menor vergonha que minha admiração por Pérez vaza - e muito - na minha vida profissional. Meu apreço por ele e sua obra talvez seja o grande motivo de eu constantemente defender, por exemplo, Mulher-Maravilha 1984, uma das adaptações mais divisivas dos últimos anos, mas que emana toda a aura heróica que o quadrinista imprimiu em sua fase à frente da revista da amazona. O contrário, inclusive, vale para Titãs, que testa mais a minha paciência a cada nova temporada ao se afastar a passos largos dos meus amados gibis dos Novos Titãs.
Uma despedida que dói
Quando falamos no visual clássico de um super-herói, muitos nomes gigantes vêm à mente. De Jack Kirby a Jill Thompson, não faltam exemplos de artistas que se tornaram sinônimos da própria indústria depois de acumularem títulos icônicos. Mas, quando penso em qualquer herói, especialmente da DC, é com o traço de Pérez que eles aparecem. Mesmo quando ele não esteve em sua melhor forma, como sua passagem pelo Superman dos Novos 52, era difícil não se sentir atraído pela narrativa que ele criava já em suas capas.
Talvez por isso seja tão difícil computar sua morte. Pérez, para mim, é tão mais que um ídolo, que a notícia de que ele se foi é um baque gigantesco e violento, como se tirassem um pedaço da minha vida à força. Devo a ele muito do meu amor por quadrinhos, por super-heróis e pelo meu trabalho, que, felizmente, envolve tudo o que ele me ensinou a gostar.
Nesses últimos dois anos e meio de Omelete, fiz alguns textos bem difíceis. Noticiei e repercuti mortes de músicos, atores e artistas queridos não só por mim, mas pela comunidade nerd como um todo. Ainda assim, esse talvez seja o mais doloroso. Além da perda de um ídolo, é como se eu registrasse aqui o fim de um ciclo de mais de 15 anos, em que me apaixonei, sonhei e trabalhei guiado por um dos maiores nomes da história dos quadrinhos.
Pérez podia não ser um alienígena, um ciborgue ou um deus nórdico, mas ele tinha o superpoder de criar páginas lotadas e detalhadas, do tipo que você descobre algo novo toda vez que são revisitadas. Páginas que pretendo admirar quantas vezes puder para manter para sempre o legado do homem que as desenhou vivo na minha memória.