
Quando surgiu nas páginas dos jornais norte-americanos, distribuído pelo Hall Syndicate, a personagem foi de encontro à afirmação da maioria dos diretores das empresas desse tipo, que haviam dissuadido seu autor, Henry (Hank) King Ketcham de lhes encaminhar mais tiras sobre crianças levadas, pois, segundo eles, não havia mais espaço para esse tipo de histórias em quadrinhos. De fato, naquela mesma época, outra kid strip, então conhecida como Lil Folks e posteriormente assumindo o nome de Peanuts, encontrava grandes dificuldades para ser aceita pelos jornais do país. Contrariamente ao previsto, e graças à teimosia de Ketcham, isso não foi, surpreendentemente, o que aconteceu com Dennis The Menace. Antes mesmo do final de 1951, mais de cem jornais já estavam veiculando a tira diária. Um ano depois, uma página dominical começou também a ser distribuída pelo Syndicate..
ELENCO CATIVANTE
A razão de um sucesso tão imediato em uma área que aparentemente parecia ter esgotado todos os seus cartuchos pode ocorrer devido a muitos fatores. Provavelmente, segundo lembram alguns autores, a eufonia do título, Dennis The Menace, pode ter ajudado um pouco nessa direção. No entanto, com certeza não foi apenas isso. Acima de tudo, a influência maior ocorreu em virtude de tanto o protagonista quanto as várias personagens coadjuvantes serem figuras muito simpáticas, que calam fundo no leitor médio de quadrinhos, principalmente o norte-americano. Nesse sentido, o universo onde ocorrem as peripécias de Dennis colabora bastante à sua incorporação ao inconsciente coletivo de seus leitores, sendo bastante restrito e de fácil familiarização. Seu pai, Henry Mitchell, engenheiro da aeronáutica, tem uma paciência muito grande com o filho, talvez por estar o dia inteiro fora de casa e só conviver com ele à noite e nos finais de semana; para ele, é fácil brincar de cavalinho com o garoto, contar-lhe uma história antes de dormir e até mesmo levar-lhe um copo de água na cama, mais tarde.
A mãe, a jovem e atraente Alice, talvez por conviver com o menino durante todas as horas do dia, não partilha da tranqüilidade do marido, mostrando-se enérgica e exigente em relação ao comportamento do garoto, que não deixa de disciplinar quando necessário, ainda que, ao fazê-lo, não consiga esconder o grande carinho que sente pelo filho.
George Wilson, o vizinho aposentado e irascível, é talvez o elemento mais fascinante dessa história em quadrinhos, sendo o alvo preferido das atenções de Dennis, que invariavelmente lhe tiram a tranqüilidade com a qual ele tanto sonhou antes de aposentar-se. Martha Wilson, esposa de George, tem, ao contrário do marido, uma paciência quase infinita para com o menino, tratando-o e mimando-o como o neto que jamais chegou a ter.
Alguns amigos da mesma faixa etária fazem contraponto com o traquinas protagonista, destacando-se a fidelidade de Joey, a convicção de Margaret e a serenidade de Gina. Grandpa Johnson, pai de Alice, aparece apenas ocasionalmente. Completa o grupo o cachorro Ruff, companheiro quase inseparável de aventuras e piadas.
AMEAÇA BEM INTENCIONADA
No geral, todas as histórias giram em torno de Dennis e dos acontecimentos em que ele funciona como um verdadeiro estopim. Trata-se de um garoto terrível, sim, que poderia inclusive ser considerado uma ameaça, como a tradução literal do título deixa implicar. No entanto, as ameaças que ele invariavelmente torna realidade, tirando o sossego de pais e vizinhos, não ocorrem em virtude de más intenções ou de uma pretensa índole destrutiva do menino. Pelo contrário, suas trapalhadas ocorrem muito mais em função da sua inocência irrestrita nas pessoas em sua volta: sendo naturalmente generoso, o guri imagina que todos são como ele e age a partir dessa premissa, sempre movido por boas intenções. Com certeza, o Dennis The Menace, de Ketcham, é do bem (contrariamente a uma outra personagem de mesmo nome publicada na revista britânica The Beano, criada por David Law, que segue o estilo Katzenjammer Kids).
A boa índole de Dennis é no fundo compreendida até mesmo por aqueles que mais se irritam com suas traquinagens principalmente a sua eterna e preferida vítima, Mr. Wilson , que, mesmo ao perderem a paciência com o garoto terrível, jamais deixam de ter por ele um carinho muito especial. O mesmo carinho que sentiram todos os leitores durante os seus cinqüenta anos de publicação.
UM ILUSTRADOR VERSÁTIL
Desde o começo, também a arte utilizada nas tiras e páginas dominicais de Dennis The Menace foi um elemento de destaque. Aparentemente, como menciona o estudioso Robert C. Harvey, os desenhos de Hank Ketcham distinguem-se por uma profusão de detalhes significativos, pequenos fragmentos que parecem jogados de forma casual na composição mas que são de fato cuidadosamente selecionados e estrategicamente colocados a fim de acrescentar o sentido de tempo e local e atualidade que Ketcham busca em todos os seus cartuns.
Dono de um preciosismo a toda prova, o autor buscou sempre criar um ambiente em que a realidade de um menino de pouco mais de cinco anos fosse naturalmente absorvida pelos leitores. O que efetivamente ocorreu, transformando o desenhista em um dos mais destacados sucessos editoriais das histórias em quadrinhos norte-americanas.
Nascido em 1920, em Seattle, Washington, Hank Ketcham não teve propriamente uma educação formal no campo artístico, tendo se formado muito mais na atividade prática. Ainda jovem, abandonou a Universidade de Washington e mudou-se para Hollywood, visando dedicar-se à área de animação. Em pouco tempo, conseguiu colocação nesse campo, trabalhando primeiramente para a Lantz Production e posteriormente realizando seu grande sonho de trabalhar para os estúdios Disney.
Ingressou como animador assistente temporário na Walt Disney Productions em 1939, para trabalhar na confecção de Pinocchio. Foi, posteriormente, incorporado como efetivo à equipe de animadores, que contava, então, com grandes nomes da área, como Walt Kelly (criador, da personagem Pogo), Fred Moore e Ward Kimball.
Ketcham permaneceu na Disney até 1941, quando foi servir à marinha americana, em Washington, D.C. Durante a guerra, criou a personagem do diminuto marinheiro Half-Hitch (no Brasil, Meio Quilo), que publicou no Saturday Evening Post. Após o fim do conflito mundial, mudou-se para Carmel, na Califórnia, e trabalhou como freelancer durante alguns anos, até conceber Dennis The Menace, modelado à figura de seu próprio filho, então com quatro anos de idade. No ano seguinte ao lançamento da personagem, seu autor obteve o cobiçado prêmio Reuben (então ainda denominado Billy De Beck award), conferido pela National Cartoonist Society. Tinha, então, apenas 22 anos de idade.
TRAQUINAGENS MULTIMÍDIAS
O sucesso estrondoso obtido por Dennis The Menace permitiu que Ketcham, a partir de então, a ele se dedicasse durante a maior parte de sua vida profissional. Às tiras e páginas dominicais, seguiram-se logo histórias para comic books, publicados pela Standard/Pines Comics, de 1953 a 1958, e pela Fawcett, de 1959 a 1979. No Brasil, as revistas de Pimentinha foram publicadas pelas editoras O Cruzeiro, Vecchi, Saber e Rio Gráfica, do final dos anos 50 a início da década de 80. Uma série televisiva produzida pela CBS, estrelada por Jay North, foi a coqueluche da televisão americana entre os anos de 1959 e 1963. Desenhos animados foram produzidos pela General Mills, sendo exibidos inicialmente de 1988 a 1989, mas ainda em exibição até os dias de hoje (no Brasil, o SBT mantém o desenho em sua programação matinal há anos). E, em 1993, uma grande produção cinematográfica da Warner Bros., produzida por John Hughes e estrelada por Walther Matthaw como o pobre Mr. Wilson, chegou às telas do mundo inteiro, fazendo justiça às peripécias do adorável pestinha dos quadrinhos.
OS COLABORADORES
Desde o início, Ketcham utilizou artistas assistentes em seu trabalho criativo. Assim, já em 1950, para a confecção das histórias destinadas às revistas em quadrinhos, contou com a ajuda de Al Wiseman. Para as páginas dominicais, utilizou-se da colaboração de Bob Bugg e posteriormente de Ron Ferdinand, este último responsável por elas até os dias de hoje. Já as tiras diárias contaram com a mão invisível de Marcus Hamilton desde o início dos anos 80. Isso permitiu que Ketcham pudesse se aposentar oficiosamente como o desenhista da personagem, passando a exercer apenas a função de supervisor geral dos trabalhos, de forma a garantir que não se perdesse o espírito da série.
No momento em que sua personagem completa meio século de existência, Ketcham, vivendo na Califórnia e literalmente milionário, dedica-se à pintura de aquarelas e a seus dois hobbies prediletos: jazz e golfe. Um final bastante afortunado para alguém que só queria trabalhar em desenhos animados.
O FASCÍNIO DA INOCÊNCIA
De uma certa forma, a trajetória de sucesso de Hank Ketcham apenas destaca as façanhas admiráveis de sua obra máxima: atualmente, Dennis The Menace é distribuído pelo King Features Syndicate e publicado, em formato de painéis, em mais de 1000 jornais, em 48 países e em mais de 19 idiomas. E o seu contínuo sucesso é ainda mais surpreendente quando se pensa que ele, como observou a crítica Judith Weinraub, no jornal Washington Post de maio de 1990, vive em um mundo que já não existe mais, um mundo onde as pessoas não se digladiam ou falam obscenidades, as mães estão sempre em casa para cuidar dos filhos e o máximo que se pode chegar da realidade é a comemoração do Natal ou da Páscoa.
O fascínio da personagem, no entanto, talvez esteja ligado mais à característica de inocência ilimitada, elemento indissociável do menino, que tanto agrada aos leitores. Mais que a história de um menino travesso, pode-se dizer, parafraseando Ziraldo ao final de seu principal livro infantil, O menino maluquinho, que Dennis The Menace conta apenas a história de um menino feliz...
Imagens © 1950 - 2001 Hank Ketcham Enterprises, Inc.
Leituras recomendadas
THE HANK KETCHAM STUDIO. http://www.hankketcham.com/
KETCHAM, Hank. The merchant of Dennis The Menace. New York : Abbeville Press, 1990.
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