A primeira aparição, por Alan Moore |
Hellblazer 1, com Jamie Delano |
Hellblazer 63, Garth Ennis |
Hábitos perigosos |
Constantine ofende o diabo... |
... e mais tarde toma o troco. |
Hellblazer 120, Paul Jenkins |
A história proibida de Warren Ellis |
Hellblazer 163, Brian Azzarello |
Hellblazer 200, Mike Carey |
O escritor inglês Alan Moore é um gênio vivo dos quadrinhos. Ele escreveu Watchmen, minissérie que é considerada O cidadão Kane dos quadrinhos de super-herói, e consegue superar-se trabalho após trabalho há mais de vinte anos. São dele A Liga dos Cavalheiros Extraordinários, Do Inferno (ambas mal adaptadas para o cinema), V de Vingança (a ser adaptada este ano), Promethea e diversas outras criações.
A carreira do inglês começou nos próprios quadrinhos britânicos, mas deslanchou quando foi convidado a tomar a revista The saga of the Swamp Thing (Monstro do Pântano), da editora americana DC Comics. O Monstro do Pântano era um homem, Alec Holland, vítima de um acidente que o transformara num ser coberto de musgo e em total contato com a natureza. Suas aventuras, a partir da década de 70, tinham tramas macabras e doses comportadas de terror.
Quando Moore assumiu a série em 1984, resolveu chutar o balde e realmente assustar os leitores. Introduzindo idéias bizarras - como a de que o Monstro não era Alec Holland, mas sim uma planta que pensava ser Alec Holland - e elementos de terror sobrenatural, o roteirista aos poucos foi ganhando público e liberdade para elevar ainda mais o suspense. Pouco menos de um ano após sua primeira edição, a editora Karen Berger resolveu abrir mão do selo do Código de Ética dos Quadrinhos - que barrava muito da criatividade assustadora de Moore - e estampar no topo das capas: suspense sofisticado.
Sting nos quadrinhos
Foi nesse contexto, em junho de 1985, vinte anos atrás, na edição 37 de The saga of Swamp Thing, que apareceu o mago loiro, enigmático, desafiador, intrometido, manipulador e detestável, John Constantine.
Moore revelou que a personagem surgiu a partir da vontade dos desenhistas Steve Bissette e John Totleben de desenharem o cantor Sting - na época, vocalista da poderosa banda The Police. Sobrou a Moore dar um sentido ao fato de Sting perambular pelos pântanos. Sua vontade era de se entranhar no universo de personagens místicas do universo DC. Por isso, fez de Constantine uma figura, apesar de recém-criada, com uma longa e misteriosa história de vida, que já o havia colocado em contato com todos magos e figuras sobrenaturais da DC. Sua função nas primeiras aventuras, porém, foi de ensinar ao Monstro do Pântano todo o potencial de seus poderes - ou seja que poderia se regenerar a partir de qualquer pedaço de folha, por exemplo -, preparando-o para as crises que o aguardavam.
Já em sua primeira aparição, Constantine tinha uma namorada morta por forças sobrenaturais. Namoradas, amigos e outros entes queridos serão, a partir daí, vítimas constantes apenas por conhecerem o mago.
Hellblazer
O sucesso de Swamp Thing fez a DC apostar em mais publicações de temática adulta, em fins dos anos 80. Alan Moore, infelizmente, havia deixado a editora por conta de uma briga relacionada aos direitos de Watchmen. A DC, então, enviou Karen Berger à Inglaterra para encontrar escritores e artistas do calibre de Moore, que pudessem levantar uma nova linha de quadrinhos adultos. São resultados desta busca as contratações de Alan Grant (que escreveu Batman por anos), Grant Morrison (Homem-Animal, Patrulha do Destino), Neil Gaiman (Sandman) e Peter Milligan (Shade).
Jamie Delano, outro desta leva de ingleses, foi o escolhido para lançar Hellblazer, a revista-solo de John Constantine, em janeiro de 1988. Delano tinha um texto lírico e imaginação fértil o suficiente para abastecer o clima de terror e suspense que a série precisava. O ilustrador que o acompanhava, o também britânico John Ridgway, vinha da mesma escola de Bissette e Totleben, de Swamp Thing: desenhos mais elaborados, com muitas hachuras e grande uso de sombras. Completando o time, Dave McKean começava uma tradição de arte e design de capas que o consagraria posteriormente em Sandman.
Delano construiu a origem de Constantine e sedimentou a personagem.
Vindo de uma família da classe operária de Liverpool, John havia estrangulado seu irmão gêmeo no útero e matado sua mãe no parto, o que lhe rendeu ódio do pai por toda a infância. Aos 17 anos, mudara-se para Londres. Passou toda década de 70 aprendendo as artes arcanas com um grupo de dedicados ao misticismo. Havia sido líder de uma banda inspirada nos Sex Pistols, a Membrana Mucosa, e após uma experiência sobrenatural malfadada - na qual Constantine acidentalmente mandou uma menina para o inferno - fora interno do hospício de Ravenscar por dois anos.
Delano também fez o possível para destruir a fachada petulante de Constantine, colocando um pouco de sofrimento em sua vida. Foi o escritor que criou Papa Midnite, o inimigo sádico que estrela o filme. Também foi ele que meteu Constantine em suas situações literalmente alucinadas, como receber uma transfusão de sangue de um demônio, vivenciar um inverno nuclear e conhecer versões macabras de contos de fada. Além disso, introduzia questões ecológicas e sociais, inclusive fazendo John viver por um tempo com uma turma new age nas florestas inglesas.
Vertigo
Garth Ennis, segundo escritor regular da série, é o responsável pela fase de maior sucesso da revista. Sua primeira história, Hábitos perigosos, em que Constantine vence um câncer de pulmão ao enganar o demônio, é a mais famosa de Hellblazer. Porém, a grande habilidade de Ennis estava em sua maneira fantástica de escrever personagens e relações críveis - habilidade que utilizou para criar sua própria atmosfera para a publicação, com um novo elenco de coadjuvantes.
A mais importante destes foi, sem dúvida, Kit Waker. A irlandesa, ex-namorada de um amigo falecido de John, tornou-se a paixão da vida do mago. O relacionamento entre os dois é tão forte que Constantine demonstra ter algum coração. Tanto que, quando Kit o deixa, John fica arrasado a ponto de passar a viver nas ruas como bêbado e indigente.
Foi durante a fase de Ennis que Hellblazer começou a fazer parte da linha Vertigo, criada pela DC em 1993 para englobar todos seus títulos de temática adulta. Foi ao entrar na fase Vertigo que Ennis começou a colaboração duradoura com o desenhista Steve Dillon e com o capista Glenn Fabry. O trio posteriormente seria o responsável por Preacher, a série de maior sucesso da linha ao lado de Sandman.
Da Austrália, uma atmosfera pessoal
O australiano Paul Jenkins foi o terceiro escritor. Apesar do belíssimo trabalho do desenhista Sean Phillips durante esta fase - que nunca chegou ao Brasil -, foi o período de menor sucesso do título.
Jenkins também buscou criar sua atmosfera pessoal para Constantine. Deu-lhe novos-velhos amigos, envolveu-o em tramas com Rei Artur e suas lendas e garantiu alguns poucos e breves romances. Logo nas suas primeiras histórias, fez o Demônio (o Primeiro dos Caídos) dar o troco a Constantine por Hábitos Perigosos. E ainda mandá-lo, literalmente, numa visita ao inferno.
É também de Jenkins a história predileta deste que vos escreve: Desperately seeking something, edição número 120, comemorativa de dez anos. Constantine conversa com o leitor enquanto apresenta a vida que leva, e ainda encontra - apropriadamente, num pub - todos seus escritores. Mas geniais mesmo são os trechos finais, onde John reflete sobre a condição de personagem fictício. Um dos melhores quadrinhos dos anos 90.
Columbine e a volta ao princípio
Seguindo a fila, temos a curta passagem de Warren Ellis. O escritor fez o público e a crítica redescobrirem Hellblazer ao longo de dez edições onde trazia de volta o clima de suspense perdido com os anos. Ellis, porém, decidiu abandonar o cargo antecipadamente quando uma de suas edições foi considerada imprópria pela DC e não chegou às bancas. A história tratava de tiroteios em escolas norte-americanas, logo após o massacre da escola Columbine, no Colorado (leia aqui).
Substituindo Ellis às pressas, o novo escritor-sensação Brian Azzarello (100 Balas) foi chamado. Ao seu lado, um também novo desenhista, Marcelo Frusin, e o marcante capista Tim Bradstreet. Azzarello, o primeiro norte-americano a escrever Hellblazer, trouxe John Constantine para os Estados Unidos. Primeiro para aprender um pouco sobre a vida numa prisão de segurança máxima, depois por uma viagem pelo coração da América - e tudo que o país tem de bizarro.
Azzarello resolveu que seu Constantine voltaria a ser a figura confiante e traiçoeira de suas primeiras aparições. Nada de problemas pessoais, inimigos poderosos ou coração. O mago voltou a manipular todos à sua volta, respondendo às ameaças com seu velho sorriso implicante. Foi uma fase em que Constantine reencontrou a petulância.
O momento atual
Mike Carey, o escritor atual, gradativamente desmanchou o sorriso de Constantine. Trouxe-o de volta à Inglaterra e colocou-o diante de novos inimigos e ameaças reais - magos bem mais poderosos - até o ponto atual, em que John acaba de fazer uma nova visita indesejada ao Inferno e testemunhou uma visão alternativa de sua vida. Nas últimas histórias, estão de volta a família de Constantine (irmã e sobrinha) e vários amigos desaparecidos (os que ainda não morreram), que passam a sofrer ameaças nas mãos de seus inimigos.
Os desenhos escuros do argentino Leonardo Manco e o clima mais soturno dado por Mike Carey lembram a fase inicial de Hellblazer, de Delano e Ridgway. O gibi, contudo, vem perdendo leitores e críticos. Com o filme chegando às telas este mês, é possível que isso esteja para mudar.
O texto foi preparado com auxílio de dados da revista Hellblazer Secret files 1 e do website Straight to Hell [http://www.insanerantings.com/hell.]