Na segunda metade dos anos 80, a editora DC Comics resolveu que era hora de arrumar a casa. Naquela época a editora era povoada por um sem número de universos paralelos, cada um com seu próprio elenco de personagens, todos muito parecidos entre si. Era uma legião de Batmen, Super-Homens e Mulheres-Maravilhas, cada um advindo de uma dimensão paralela diferente. Era necessário fazer alguma coisa para enxugar aquele excesso de personagens, para que a DC pudesse entrar em uma nova era. A essa limpeza deu-se o nome de Crise nas infinitas terras. Nela centenas de personagens coadjuvantes - e alguns principais, como a primeira Super-Moça e o segundo Flash (Barry Allen) - perderam suas vidas no confronto contra as forças do poderoso Anti-Monitor. No final da série, entre mortos e feridos salvaram-se aqueles cuja relevância era essencial para a mitologia da editora.
O objetivo essencial de Crise nas infinitas terras era a redefinição dos principais personagens da DC, de forma a apresentá-los novamente a uma audiência mais jovem. Assim, todos os principais personagens da editora, em diferentes níveis de profundidade, tiveram suas origens revistas, mantendo algumas de suas características clássicas e adicionando novos elementos às suas mitologias. Para que tal empreitada desse certo, a DC escolheu a dedo aqueles profissionais que cuidariam de re-introduzir estes personagens aos leitores. O Super-Homem foi entregue a John Byrne, que simplesmente revolucionou o personagem, adicionando elementos à sua mitologia que até hoje despertam tanto o amor quanto o ódio dos fãs do herói kriptoniano; a Mulher-Maravilha ficou nas mãos de George Pérez, que produziu uma seqüência de histórias majestosa, fazendo com que o roteirista fosse até hoje considerado o autor definitivo da princesa de Themyscira; já Frank Miller foi incumbido de retomar as origens de Batman.
Miller trabalhou sua história como uma minissérie dentro de uma série regular (Batman #404-407), visitando os primeiros dias do Cavaleiro das Trevas. Melhor dizendo, não os primeiros dias, mas sim o primeiro ano de atividade do Homem-Morcego em Gotham City. Batman: ano um, como o próprio nome sugere, cobre exatamente os primeiros doze meses da vida de Bruce Wayne como Batman, recontando uma história que todo mundo já conhecia, mas adicionando novos elementos à trama.
Batman: ano um começa com o retorno do jovem Bruce Wayne à sua cidade natal, após um longo período de viagens pela Europa e Ásia. Viagens estas que Wayne aproveitou para adquirir e aperfeiçoar todas as habilidades e conhecimentos necessários para seu objetivo: o combate ao crime. Exatamente no mesmo dia em que Wayne retorna a Gotham, o então tenente James Gordon chega à cidade, egresso de Chicago, para assumir um posto na força policial da cidade.
A partir daí, Miller explora duas frentes diferentes ao longo dos quatro capítulos da minissérie. Uma delas é focada em Gordon e mostra como o tenente se impõe ante toda a corrupção que infesta a força policial de Gotham (combatendo-a por dentro com uma discreta, mas fundamental, ajuda de Batman) e como vai conseguindo cada vez mais apoio de imprensa e da opinião pública. Miller mostra as conseqüências sofridas por Gordon quando ele decide não participar dos esquemas sujos da polícia local e como isso afeta sua vida pessoal, culminando na descoberta de seu caso com a detetive Sarah Essen, e na tentativa de assassinato sofrida por sua esposa e filho recém-nascido. A forma como Gordon passa de antagonista a aliado do Homem-Morcego, sua desconfiança de que o playboy Bruce Wayne e o vigilante são a mesma pessoa, seus primeiros contatos com o promotor Harvey Dent e sua promoção a capitão são outros aspectos explorados por Miller, no intuito de estabelecer os paralelos que tornaram o futuro comissário e Batman não só aliados como amigos até certo ponto.
Outro foco de Miller, obviamente, é o próprio Bruce Wayne. A primeira tentativa frustrada de combater o crime, a consciência de que precisava trazer medo aos criminosos, a confecção do traje do morcego, os primeiros conflitos com a polícia e a relação de amizade com Harvey Dent são mostradas ao longo da série. A forma como o Batman conquista a confiança dos policiais honestos de Gotham e se torna um aliado poderoso da polícia também são mostrados ao longo da história, traçando um retrato bem acabado dos primeiros dias de atuação do Cavaleiro das Trevas.
Além de focar-se em Gordon e Batman/Wayne, Miller também mostra rapidamente a origem da Mulher-Gato, então uma prostituta que, inspirada pelos atos do Homem-Morcego, confecciona um uniforme para si, mas com o objetivo de se tornar uma criminosa. Alguns mafiosos, como Carmine Romano, que seria bastante explorado por Jeph Loeb em O longo dia das Bruxas e Vitória sombria, também são apresentados na minissérie.
Com arte de David Mazzucchelli e cores de Richmond Lewis, que dão um clima noir ao gibi, Batman: ano um não é tão revolucionária quanto Batman: o cavaleiro das trevas ou Batman: a piada mortal. Ela reconta a origem do mito do Batman, mantendo seus principais aspectos intactos, enquanto a atualiza para uma audiência mais moderna. Mesmo não sendo nenhuma revolução, Ano um ainda é uma das melhores histórias do personagem em todos os tempos e item essencial na coleção de qualquer fã do Homem-Morcego.