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Artigo

HQ: <i>Palestina, na faixa de gaza</i>

HQ: <i>Palestina, na faixa de gaza</i>

02.12.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15
Palestina, na faixa de gaza
5 ovos!

Bem vindo ao Inferno, ao Inferno dantesco, à Faixa de Gaza!

Lado a lado com Joe Sacco, mergulhe no que há de pior no planeta Terra, neste momento. Um lugar onde o céu parece estar sempre encoberto por uma cor plúmbea. Um céu baixo, claustrofóbico, esmagador.

Esta é a visão que trazem os desenhos de Joe Sacco que, em muitos momentos, assemelham-se a tons de cinza, ao jogo de claro e escuro que há nas gravuras de Gustave Doré, representando o Purgatório de Dante, na Divina Comédia. Na Faixa de Gaza, descobre-se o mesmo tormento e o que há de divino é a busca pela liberdade.

Nesta nova obra, publicada pela Conrad Editora, Joe Sacco dá continuidade à discussão da questão Palestina, que iniciou em seu primeiro álbum, Palestina, uma nação ocupada (Conrad Editora, 2000). Nesse sentido, o atual representa seu relato pessoal de viagem pela Faixa de Gaza, entre 1991 e 1992, coletando entrevistas de judeus e palestinos.

Utilizando uma série de conversas documentadas com cerca de cem pessoas, Palestina, na Faixa de Gaza o autor mostra como vive, às margens da história, a população expulsa das próprias terras pelos israelenses. Os palestinos parecem atônitos diante de tanta desgraça: as imagens de Sacco retratam pessoas tristes, arqueadas, com os ombros baixos, que se sentem esquecidas do mundo. Por outro lado, as gravações também evidenciam um povo que, ao contrário do que, muitas vezes, a mídia nos mostra, tenta recuperar um espaço digno para a vida, resgatando a sua cultura e memória. Durante as diversas entrevistas, o autor revela depoimentos de homens e mulheres sensíveis e inteligentes.

Com relação aos aspectos gráficos do livro, Sacco destaca-se pelo uso de um dos seus recursos narrativos mais conhecidos, também utilizado em Palestina, uma nação ocupada: transpõe para os quadrinhos uma chuva de papéis, por meio da qual vai narrando os fatos, como se caíssem do alto de um edifício. O interessante nesse aspecto é que, além da leitura das próprias imagens, tem-se também a seqüência quadro a quadro, com desenhos caricaturais e marcantes. Além disso, o autor presenteia os leitores com obsessivos sombreados de gravuras, linhas cruzadas, desenhos altamente habilidosos e um olho clínico para detalhes no plano geral. Por meio de sua soberba arte-gráfica, evidencia a realidade cruel a que os palestinos estão sujeitos.

O céu escuro, carregado, na Faixa de Gaza, só muda em Tel Aviv, onde o jornalista se sente mais familiarizado com a própria cultura ocidental e pode se deliciar com o ar do mediterrâneo, ao lado de duas israelenses. No entanto, não compactua com a opinião das jovens: elas representam a visão de mundo da burguesia israelense local, mostram-se confusas com a questão palestina e se contradizem em seus depoimentos. Desejam a paz; só não sabem qual o melhor caminho para alcançá-la...

Joe Sacco tem já uma considerável trajetória na área de quadrinhos, que vem desde a adolescência, quando, depois de imigrar da Austrália para os Estados Unidos - ele, na realidade, nasceu na ilha de Malta, Espanha, em 1962 -, destacou-se como autor pela Fantagraphics, editora que publica principalmente gibis underground, um gênero com o qual ele sempre teve afinidade.

No Brasil, suas primeiras HQs saíram pela Conrad Editora, em 1999, no título Comic Book: o novo quadrinho norte-americano, no qual teve publicada a história Natal com Karadzic, seu primeiro projeto na linha de jornalismo em quadrinhos, temática que persegue até hoje. Outra publicação sua, Àrea de segurança - Gorazde, foi eleita a melhor história em quadrinhos de 2000 pela revista Time; e, no Brasil, recebeu o troféu HQ Mix de melhor graphic novel estrangeira de 2001.

Suas primeiras influências estão ligadas ao new journalism de Hunter S. Thompson e John Reed, bem como ao lingüista e teórico contemporâneo Noam Chomsky, entre outros. Próximos daquilo que, muitas vezes, denomina-se jornalismo de denúncia, os trabalhos de Joe Sacco destacam-no como um escritor engajado nas questões político-culturais de seu tempo e um ilustrador que busca transmitir, a partir da linguagem das histórias em quadrinhos, a realidade dos heróis vencidos da história. Palestina, na Faixa de Gaza reforça ainda mais essa posição.

O álbum Palestina, na faixa de Gaza, publicado pela Conrad Editora no formato 18 X 27 cm, tem 146 páginas em preto e branco e custa R$ 33,00.

Maria Alice Romano Caputo é pesquisadora do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da USP. É mestre em Ciências da Comunicação pela ECA.

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