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HQs de heróis: Seguindo em frente

HQs de heróis: Seguindo em frente

30.06.2000, às 00H00.
Atualizada em 20.11.2016, ÀS 02H04
Causou recente controvérsia em parte dos leitores a divulgação de planos do roteirista Grant Morrison para uma possível mini-série do Quarteto Fantástico, recebida por muitos como ofensiva e inaceitável. Nela, seriam sugeridos elementos incestuosos entre seus integrantes, produto de uma abordagem freudiana em cima da mais tradicional família de super-heróis dos quadrinhos. Para tanto, Morrison justificou-se afirmando estar superada e encerrada a fase retrô-nostálgica. Desta forma, o gênero Super-Heróis, seguiria tendência mais provocativa, com temas adultos e derrubando tabus, estabelecida por Warren Ellis e Mark Millar.

Tendo jogado a proverbial titica no ventilador, Morrison não nos deixa outra alternativa a não ser tentar entender o que está acontecendo. Afinal qual a importância de uma nova tendência para o mercado&qt;&





Uma olhada atenciosa nas últimas décadas de quadrinhos americanos nos faz crer na existência de um movimento pendular que conduz o teor das aventuras de super-heróis. Foram anos que oscilaram entre fases ingênuas e momentos mais cínicos, violentos, nem sempre exaltando o heroísmo.



Em retrospecto, o início da Era de Prata, em parte pelos ataques do psiquiatra Fredric Wertham e, talvez pelo idealismo de criadores como Mort Weisinger e Gardner Fox, mostrou-se mais inocente e de maior apelo infantil que sua antecessora, as HQs de Horror. Afinal, no pacote que encerrava os anos cinquenta, não faltavam animais de estimação super-poderosos e uma profusão de parceiros juvenis. No entanto, a ingenuidade logo cedeu lugar para um aumento gradual nas doses de realismo e relevância, com destaque à atuação de Stan Lee e Jack Kirby. No início dos anos sessenta, esses dois autores apresentaram ao mundo os heróis humanizados de seu recém-criado Universo Marvel. Alguns anos depois, Dennis O’Neil e Neal Adams avançaram um pouco mais, abordando temas como drogas, explosão demográfica e violência contra minorias, em sua série Lanterna Verde/Arqueiro Verde e numa nova e radical abordagem do veterano Batman.



O clímax do realismo veio, porém, na década de 80, quando Frank Miller, Alan Moore e John Byrne, entre outros, encarregaram-se de desconstruir o mito dos super-heróis. Foram obras memoráveis que influenciaram toda uma geração de artistas; nem sempre de forma positiva, haja visto a multiplicação de histórias e personagens violentos, pouco originais e desprovidos de personalidade, tão comuns no início dos anos 90.



SUPER-HERÓI RETRÔ



Foi, em tal cenário pouco animador, que tomou forma mais um redirecionamento ideológico e criativo por parte dos roteiristas, o que nos levou ao chamado “super-herói retrô”, um tratamento que renovou o gênero buscando inspiração no passado de magia e glória das Eras de Ouro e de Prata dos quadrinhos.

Nesta tendência, o nome que mais merece crédito é certamente o de Mark Waid, que iniciou a reação em cadeia ao assumir a revista mensal do Flash e consolidou de vez seus efeitos com a mini-série Reino do Amanhã. Outros que entraram na dança foram Kurt Busiek, Jeph Loeb, Jerry Ordway, Ty Templeton, Mark Millar, Alan Moore e o próprio Grant Morrison. Ele que, aliás, alçou o topo das paradas de vendas com JLA, título que resgatou o espírito original da Liga da Justiça com tramas grandiosas e uma proliferação frenética de idéias.

ELES NÃO ESTÃO AQUI PARA ENFRENTAR SUPERCRIMINOSOS

Quais seriam, então, os motivos da repentina mudança em sua atitude&qt;& O fator que entrego de imediato diz respeito à obra de outro escritor britânico, hoje um dos mais notórios no ramo, mas até recentemente associado a obras de pouca expressão: Warren Ellis. Suas principais criações, as séries contínuas Transmetropolitan, Planetary e The Authority, estão entre as de maior impacto no mercado e mais requisitadas em qualquer loja de quadrinhos.

O caso que requer especial atenção é The Authority, criado por Ellis como evolução da antiga série StormWatch, da Wildstorm, cuja reformulação ele havia iniciado tempos antes. O resultado foi uma versão refinada e perturbadora da JLA, pois Ellis, assumidamente, nunca foi lá grande fã de super-heróis. Mantendo a ação em larga escala – como nas sagas mais recentes da Liga – este notável roteirista recriou arquétipos consagrados. Apollo e Midnighter, que respectivamente equivalem a Super-Homem e a Batman, por exemplo, além de exterminar seus oponentes, formam um casal gay. Warren esteve à frente do título por 12 edições, escolhendo Mark Millar como seu sucessor. Este, até então, era mais lembrado como colaborador de Grant Morrison, possuindo também experiência tanto em temática adulta (Monstro do Pântano), quanto na vertente retrô, onde se destacou por Superman Adventures, inspirado no desenho animado da Warner, desenvolvido por Bruce Timm e Paul Dini.

Em seu arco inicial de histórias Millar, decidiu levar às últimas conseqüências a proposta da série, mostrando os membros da equipe se opondo aos verdadeiros vilões que existem no mundo, assassinando ditadores e tomando em suas mãos os rumos da humanidade. Como dito pelo líder da Authority em resposta a um aflito presidente dos Estados Unidos, eles não são um supergrupo de revistas em quadrinhos enfrentando supercriminosos num mundo onde tudo permanece igual. A polêmica, portanto, vai longe.

MUITAS CABEÇAS, INÚMERAS TENDÊNCIAS

Ainda que seu projeto com o Quarteto nunca saia da gaveta, Morrison logo estará pondo em prática sua nova abordagem na mini-série Marvel Boy, do selo Marvel Knights, centrada num jovem alienígena disposto a acabar com tudo em prol de um mundo melhor. Parece ser mesmo esta a nova tendência. E é, mas apenas parte dela. Há ainda diversos roteiristas seguindo caminhos novos e distintos, à parte da onda retrô, sem necessariamente chocar seu público. É o caso dos cinco títulos da excelente linha America’s Best Comics, todos assinados por Alan Moore, nos quais o roteirista famoso por Watchmen e Do Inferno passeia por gêneros muitas vezes adjacentes ao super-heróistico. É o caso do aventureiro nato Tom Strong ou o drama policial, Top Ten, na cidade onde todos os habitantes têm super-poderes.

Na Gorilla Comics, outro selo estreante, Kurt Busiek, Mark Waid, Karl Kesel, Joe Kelly e George Pérez, entre outros, juntaram-se para gerir, livres de restrições editoriais, projetos pessoais que diferem inteiramente de tudo o que já produziram. No círculo dos super-heróis, o já citado selo Marvel Knights é boa fonte de novidades, entre as quais aponto a premiada série Inhumans, de Paul Jenkins. Seu texto complexo e intimista não nega o passado na linha Vertigo do escritor. Em Powers, da Image, Brian Michael Bendis vai encarar o desafio de mostrar detetives normais investigando crimes ocorridos num meio de super-heróis. E esses são apenas alguns exemplos.

O estilo retrô nos super-heróis pode ainda não estar, de fato, esgotado. Kurt Busiek, em seu Astro City, e Mark Waid, assumindo agora as rédeas de JLA, ainda hão de escrever uma quantidade considerável de histórias dignas de nota, e por um bom tempo.

A MELHOR CHANCE

Morrison pode saber disso, mas também está ciente de que insistir apenas no que já foi feito é perda de tempo. O mercado mundial de quadrinhos, e em particular o americano, não vai bem, perdeu muitos leitores e tem dificuldade para conquistar novos. Quadrinhos, em geral, enfrentam a concorrência de outras mídias e estão estigmatizados por muitos erros cometidos no passado. Este é o momento de novas abordagens, de se fazer valer o dinheiro empregado, tornando-os sempre imprevisíveis. É hora de mergulhar de cabeça na nova tendência, que não pode ser única, mas conter uma pluralidade de gêneros, estilos e públicos-alvos. Já se passaram seis décadas desde a publicação de Action Comics nº 1. Mais do que nunca, é preciso mostrar tudo que se aprendeu nesta longa jornada. Pode ser a melhor chance de sobrevivência para os quadrinhos de super-heróis e entretenimento. Talvez a única.

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