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<i>Batman: A piada mortal</i>

<i>Batman: A piada mortal</i>

16.06.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H18

Em Batman: o cavaleiro das trevas, Frank Miller mostrou todo o paradoxo existente entre o Homem Morcego e o Homem de Aço. Batman representa as trevas; Super-Homem, a luz. Ambos, no entanto, são homens cujas vidas, devido a diferentes motivos, se resume ao combate ao crime. No caso do Super-Homem, isso é quase como uma pré-destinação. Alienígena, dotado de imensos poderes e criado com carinho e dedicação ímpares por Martha e Jonathan Kent, o caminho do herói seria algo a surgir quase que inevitavelmente na vida de Clark Kent. Já a "vocação" do jovem Bruce Wayne aflorou quando ele presenciou o assassinato de seus pais. Bastou um dia ruim para que a vida de Wayne mudasse para sempre.

Um dia ruim. Para o Coringa, isso é tudo o que é necessário para transformar a vida de uma pessoa. Não só isso, mas basta um dia desses para que uma pessoa completamente sã perca toda a sua sanidade e adentre os caminhos sem volta da loucura. Basta uma tragédia para que uma pessoa prefira o conforto da loucura ao tormento das lembranças daquele dia.

E é disso, essencialmente, que se trata a aclamada Batman: a piada mortal, escrita por Alan Moore e ilustrada por Brian Bolland (que criou talvez a mais icônica imagem do Coringa), com cores de John Higgins. Até então, o Coringa era um homem sem passado. Nada se sabia da vida do Palhaço do Crime antes dele aparecer em Gotham City cometendo suas atrocidades e atormentando a vida de Batman. A obra de Alan Moore trata não só de criar uma origem, e conseqüentemente, uma dimensionalidade maior ao personagem, como de aproximá-lo do leitor. A partir daquele momento, o Coringa deixa de ser o vilão maniqueísta que até então fora, para se tornar um personagem mais humanizado, de forma que quase dá pra entender o porquê dele ser quem é e fazer o que faz. Mas estou me adiantando.

A piada mortal começa com uma visita de Batman ao Asilo Arkham, o sanatório para criminosos insanos de Gotham. O vigilante vai ao Asilo para visitar o Coringa, tentar conversar com o Palhaço do Crime e colocar um ponto final na longa história de ódio que existe entre esses dois homens. Para a surpresa do Homem Morcego, no entanto, o Coringa fugiu do Arkham e colocou outra pessoa em seu lugar. Quando descobre o ocorrido, Batman sai atrás do vilão.

Enquanto isso, no entanto, o Coringa já está colocando seu plano à prova. Ele quer mostrar ao Batman que até mesmo a mais sã das pessoas pode enlouquecer. Assim, decide fazer uma visita ao comissário Gordon. Quando a filha adotiva do comissário, Bárbara (ex-Batgirl, atual Oráculo) atende a porta, recebe um tiro que parte sua coluna. Enquanto os comparsas do Coringa espancam o policial, o Palhaço do Crime despe Bárbara e tira diversas fotos dela naquela situação, com a coluna partida e, provavelmente, sofrendo algum outro tipo de abuso por parte do criminoso. (Isso, no entanto, não fica claro na trama e é apenas uma especulação da minha parte).

Com isso em mãos, o Coringa leva Jim para um parque de diversões, onde tortura o comissário psicologicamente, mostrando-o as fotos de Bárbara. Seu objetivo é enlouquecê-lo, provando a todos, especialmente ao Batman, que não é preciso muito - apenas uma grande tragédia pessoal - para que uma pessoa perca sua sanidade. E que é apenas isso que separa o vilão de todas as pessoas. Todas menos Batman. Afinal, segundo o criminoso, foi exatamente isso que fez com que Batman decidisse vestir a fantasia de um morcego e sair combatendo o crime nas ruas. Coisa que corresponde a mais pura verdade.

Paralelamente, vemos o "dia ruim" do Coringa. Ex-funcionário de uma fábrica química, o futuro Coringa era um comediante frustrado que decide cometer um crime para poder dar uma vida mais digna à sua esposa grávida e seu futuro filho. A idéia é que, se passando pelo criminoso Capuz Vermelho, ele leve dois criminosos mequetrefes através da fábrica química, com o objetivo de assaltar a empresa vizinha, uma fabricante de baralhos. As coisas começam a dar errado quando, no dia planejado para o assalto, sua esposa morre eletrocutada em um acidente doméstico. Sem motivos para seguir seu plano, o vilão acaba sendo coagido por seus novos sócios a se ater ao combinado. Na hora da ação, no entanto, os planos do bando são frustrados pelos seguranças da empresa e por Batman. Os dois criminosos são baleados enquanto que o homem que se passava pelo Capuz Vermelho acaba entrando em pânico ante a presença de Batman e pula em um tonel de produtos químicos. Sai de lá com a pele branca, os cabelos verdes, lábios vermelhos e completamente enlouquecido.

A piada mortal é uma história que quebra diversos paradigmas dos quadrinhos. Antigamente, a relação herói-vilão era simplista. O herói é a representação do Bem e, o vilão, a do Mal. Com o passar do tempo, especialmente depois da revolução proposta por Stan Lee, Jack Kirby e companhia na década de 60, essa relação mudou um pouco. O maniqueísmo e a relação Bem x Mal ainda estão lá, mas o herói deixa de ser um ser perfeito e passa a apresentar problemas e conflitos internos comuns à qualquer pessoa. O vilão, por sua vez, torna-se um ser um tanto quanto mais complexo, apesar de sua importância ainda se manter inferior à do herói. Mas ainda é ele, o vilão, que extrai do herói o que ele tem de melhor e faz com que ele supere seus limites no intuito de subjugar seu antagonista.

Em A piada mortal, Moore explora a psicologia de Batman, Coringa e do comissário Gordon. Todas as tramas paralelas apresentadas no gibi acabam tendo Gordon como seu referencial e é o comissário que concentra a maioria das perguntas que surgem após a leitura da revista. Afinal de contas, se basta um "dia ruim" para levar a sanidade de uma pessoa, porque o mesmo não aconteceu com Gordon? Porque é que Wayne se transformou no Batman, aquele ex-comediante no Coringa e o comissário escapou ileso? Qual é essa força interna que fez com que Gordon resistisse tão bem ao seu "dia ruim" e que faltou a Wayne e ao Coringa?

Alan Moore também brinda seus leitores com um raro momento de sanidade do Coringa, onde ele praticamente admite que é covarde demais para tentar superar sua condição e que prefere a segurança da loucura ao tormento que aquelas recordações lhe trariam. Mais raro ainda é ver Batman não rindo, mas gargalhando de uma piada contada pelo Palhaço do Crime já no fim da história.

É preciso ressaltar, ainda, a qualidade não só da trama quanto do roteiro de Moore. As passagens que mostram as recordações do Coringa são extremamente bem feitas e mesclam passado e presente de maneira brilhante. A utilização das cores de John Higgins para criar atmosferas climáticas e ressaltar não só essas transições como também as seqüências mais calmas ou violentas são outro ponto positivo da obra.

A segunda metade da década de 80 nos trouxe obras referenciais do Homem-Morcego. A piada mortal, ao lado de Batman: ano um e da supracitada O cavaleiro das trevas está entre uma das mais importantes histórias já estreladas pelo Homem Morcego. Mesmo que nesse caso ele passe apenas de um coadjuvante, já que em A piada mortal o protagonista é o Coringa.

Em 1989, A piada mortal foi agraciada com os mais importantes prêmios da Indústria de Quadrinhos, o Will Eisner Awards (melhor escritor, desenhista e álbum gráfico) e o Harvey Award (melhor história, álbum gráfico, desenhista e colorista).

Precisa dizer que é uma história indispensável para qualquer um que seja não só fã do Batman, mas de quadrinhos de heróis em geral?

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