BATMAN: CACOPHONY #3 (de 3)
Kevin Smith acaba de declarar que vai escrever uma nova minissérie de Batman. Vale a pena, então, dar uma olhada no que o escritor fez na sua primeira investida com o morcegão: Cacophony, a minissérie cuja última edição saiu em março.
xxi
Batman Cacophony
032 c
Amazing Spider-Man
Cacophony é uma nova visão do conflito clássico entre Batman e Coringa. Entram no meio o vilão Onomatopéia, que Smith criou em Arqueiro Verde, e os Bat-vilões de terceira Maxie Zeus e Sr. Zsasz.
O que vale na mini: a personalidade do Coringa interpretada por Smith. Na primeira edição, há um momento que até gerou discussão na Internet: Coringa propondo uma relação homossexual com um dos outros vilões, em termos bem "gráficos". A loucura do personagem equivale - ou até excede - o Coringa mais comentado de 2008, o de Heath Ledger em Cavaleiro das Trevas.
O grande problema: por ser mais uma análise da relação Batman e Coringa, a mini inevitavelmente chega na questão "por que Batman não mata o Coringa?". E a resposta é, digamos assim, mal elaborada. Não há dúvidas de que o vilão vai se libertar de novo e causar mais mortes e mais caos. O motivo de Batman não impedir isso é um dos grandes contradições das HQs ditas "sérias" e "adultas".
O outro problema da mini é Walt Flanagan, o desenhista. Flanagan foi escolhido pelo próprio Smith - é amigo pessoal do diretor de cinema, tendo aparecido como extra em quase todos os seus filmes e sendo o gerente da comic-shop Jay and Silent Bobs Secret Stash, em New Jersey, de propriedade de Smith. Flanagan resolveu em algum momento que sabe desenhar e, por sua conexão com o respeitado autor, agora consegue ser contratado pela DC.
Faltam-lhe noções básicas de composição, anatomia e de desenhar a cara de um pesonagem do mesmo jeito a cada quadro. Mais relevante: numa história que equilibra comédia e partes mais sombrias, Flanagan mantém o mesmo tom "desempolgado" o tempo todo. Enfim, para um Bat-trabalho relevante como este, a DC poderia ter brigado por um desenhista mais capacitado.
E veja só: Flanagan vai desenhar todas as 12 edições da nova mini de Batman por Kevin Smith...
AMAZING SPIDER-MAN #593
Há pouco mais de um ano, quando Amazing Spider-Man entrou na fase "Brand New Day", escrevi minha crítica atacando a direção que a Marvel tinha dado à série. Desde então, mudei de idéia. O que não quer dizer que Amazing tenha melhorado.
Veja bem: lembro claramente dos gibis do Aranha no final dos anos 80 e início dos anos 90. Os brasileiros, claro. A série do aracnídeo era das mais vendidas da Editora Abril. Entre as edições 60 e poucos e 80 e poucos, eu me empolgava com as histórias de Tom DeFalco e Ron Frenz (que vinham da Amazing Spider-Man americana) e, embora não gostasse dos desenhos, também acompanhava as de Bill Mantlo e Al Milgrom (da Spectacular Spider-Man).
Naquela época, eu vivia o exato inverso da minha situação atual: poucos gibis para ler, o que me levava a relê-los com frequência. E reli muitas vezes estas histórias do Aranha. Por mais que não se encaixem em nenhuma fase clássica do herói, são uma referência pessoal: Gata Negra, Rei do Crime, problemas financeiros, Tia May em apuros de saúde, o retorno inesperado de Mary Jane Watson, o uniforme negro, Duende Macabro. Isso é o que movimentava minhas leituras repetidas de Peter Parker.
Lendo a fase "Brand New Day" no último ano, confirmei o que pensava no início: Joe Quesada, editor-chefe da Marvel, e Steve Wacker, editor da linha Aranha, querem uma nova fase do aracnídeo que relembre o status quo clássico do personagem: coadjuvantes com destaque, problemas com a identidade secreta, "vilão do mês". Embora Quesada culpe o casamento pelo fim destes "clássicos", acredito que foi um espírito da década de 90 e início desta que pediu transformações radicais todo mês nos gibis. Assim, o "bom e velho amigo da vizinhança" não dava descanso para os leitores - era um novo personagem a cada mês. Coitados dos leitores novos, que tentavam conhecer a série.
"Brand New Day", agora percebo, pode ser o ponto que vai formar leitores como eu. Da mesma forma que tenho meus clássicos pessoais dos anos 80, talvez os leitores de hoje estejam agora lendo e relendo estas histórias e montando as referências que vão lembrar daqui a 20 anos. É uma visão clássica do herói, com doses controladas de suspense e tensão, em histórias que não se espalham pelos quatro cantos do Universo Marvel. É o momento ideal para novos leitores se entrosarem com Peter Parker.
Enfim, o problema pode não estar nas histórias. O problema pode ser o fato de eu não me encaixar mais no público-alvo pensado pela Marvel para "Brand New Day". E, se eu tentar ajustar minha visão para 20 anos atrás, acho que consigo perceber o mérito das HQs aracnídeas de agora.
Falando nisso: o que você, acompanhando a série do Aranha pela Panini ou pelas originais americanas, está achando de "Brand New Day"? E há quanto tempo você lê HQs do Aranha?
E se vamos entrar nesta questão de marketing, surge outra questão: se "Brand New Day" não é para mim e a Marvel quer que eu, há mais de 20 anos leitor do Aranha, continue lendo aventuras do herói, o que ela pode produzir para minha geração? É nisso que a editora está devendo.
JORNALISMO EM QUADRINHOS
Recentemente estive numa dessas bancas de revista gigantescas, que tem literalmente revistas de todo o mundo, e pude ficar alguns minutos folheando. Encontrei uma coisa que me surpreendeu: o jornalismo em quadrinhos parece ser uma coisa que está "pegando".
Acabei levando duas revistas: a 032c, alemã (com textos em inglês), e a XXI, francesa. A primeira é semestral, a segunda, trimestral. Sim, revistas européias têm nomes, periodicidades e várias outras coisas bem diferentes. Mas enfim: escolhi as duas porque ambas traziam reportagens em quadrinhos.
Na 032c era uma matéria sobre o futuro de Dubai, o país dos Emirados Árabes Unidos que é o futuro do turismo hiper-tecnológico, falando dos projetos arquitetônicos em desenvolvimento atualmente. Quem assina a matéria são dois arquitetos, que preferiram contar sua história em forma de quadrinhos: no futuro, a transformação sociocultural e arquitetônica de Dubai é mostrada através da vida de um menino de elite e de seu motorista da classe baixa, entre outros personagens que ajudam a montar esse panorama do que uma das maiores cidades do mundo virá a ser.
Na XXI, ok, já se podia esperar quadrinhos sendo uma revista francesa (há alguns anos se falava que 1 em cada 3 franceses é leitor de quadrinhos; é o segundo maior mercado consumidor de gibi do mundo, depois do Japão). A matéria é sobre a vida no campo, da plantação à colheita nas quatro estações, da perspectiva de um desenhista que decidiu trocar sua prancheta na cidade por um trator.
Sim, são histórias, com personagens, com balões de fala, com narrativa estruturada, com emoção, com vigor. Isso já é aceito no jornalismo há anos. A novidade está em usar a linguagem dos quadrinhos.
Na imprensa brasileira, aqui e ali aparecem algumas reportagens em HQ. Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo já encomendaram matérias produzidas desta forma. Nossa Revista Omelete, lançada em março de 2007, publicou uma reportagem do José Aguiar sobre o mercado europeu de quadrinhos no formato de HQ. E há vários outros exemplos. (A Piauí, uma ótima revista jornalística brasileira, também dedica bastante espaço a quadrinhos - mas, até onde lembro, a maioria das HQs dela não se caracteriza como reportagem, e sim no gênero ficcional.)
Nos EUA, a moda ainda não pegou. O New York Times e alguns outros jornais mais "pra frente" já encomendaram resenhas ou matérias de uma página em forma de quadrinhos, mas são poucos os exemplos. O interessante é ver iniciativas como a da editora Hill & Wang, que tem uma linha dedicada a quadrinhos-reportagem sobre a história dos EUA.
Um dos últimos lançamentos deles foi 08: A Graphic Diary of the Campaign Trail, escrito pelo jornalista Michael Crowley e desenhado pelo quadrinista Dan Goldman. É um dos primeiros livros lançados sobre a emocionante campanha presidencial dos EUA no ano passado - se não o primeiro. E é todo em quadrinhos, como as boas HQs devem ser: layouts de páginas variados, bons diálogos, personagens carismáticos, narrativa heróica. Sem deixar de lado a precisão do bom jornalismo.
Joe Sacco - o principal nome do jornalismo em quadrinhos, que publica HQs sobre as zonas em conflito que visita - está criando escola. Ainda são poucos alunos, mas a turma está crescendo. Os quadrinhos já estão lado a lado com a boa literatura ficcional, mas ninguém imaginou que eles poderiam, um dia, estar disputando espaço como reportagens.
Quanto tempo falta para as Vejas e Épocas da vida publicarem uma matéria em HQ?