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Crítica

Nemesis | Crítica

Uma carta descarada de apresentação a Hollywood

03.03.2011, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H17

“E se o Batman fosse um filho da mãe?”

A chamada do mais recente projeto autoral da dupla de Guerra Civil, Mark Millar e Steve McNiven, dá o tom provocativo à história. Em ritmo de filme de ação anfetaminado, o volume que encaderna quatro edições da série parece um filme de cortes rápidos, que narra as peripécias de um vilão fantasiado. Ele é o homem mais inteligente do mundo e também um dos mais ricos; sua missão, na falta de heróis antagonistas, é humilhar e assassinar os melhores policiais de cada país.

O Nemesis do título, ironicamente coberto de branco da cabeça aos pés, lembra uma versão em negativo do anti-herói italiano Diabolik (este levado ao cinema por Mario Bava em 1968), e nos é apresentado quando está para matar o melhor investigador japonês com requintes de crueldade gigantescos: não basta torturar o pobre homem... ele precisa fazer seu corpo ser trespassado por um trem-bala - que logo em seguida despenca dos trilhos no meio da cidade.

Na sequência, o prato principal: Nemesis vai aos Estados Unidos para sequestrar o avião presidencial e jogá-lo em um centro urbano, para intimidar o policial-gênio Blake Morrow e, claro, chocar os leitores sempre que possível.

A bela arte de linha clara de Steve McNiven faz cada painel lembrar um quadro de animação e conta a história como um storyboard: há páginas de três painéis e splash-pages a rodo, tudo muito cinético e propositalmente exagerado, como em um filme de Tony Scott. A contratação do cineasta para adaptar Nemesis para o cinema, aliás, é ideal.

O texto do escocês Mark Millar é mais um pitch de filme do que uma HQ; em muitos momentos parece a adaptação em quadrinhos de Nemesis - O Filme. Tudo nele grita “Hollywood, estou aqui”, da forma como a trama de suspense se desenrola às escolhas de roteiro, passando pelos diálogos. Não é por acaso que o segundo número da minissérie em quatro partes demorou a sair: Millar estava negociando a venda dos direitos para o cinema. Também não é a toa que a fisionomia do herói lembra muito a do ator Viggo Mortensen.

Nemesis esquiva-se das cobranças por não ser uma obra de arte multi-facetada de significado profundo. É assumidamente uma diversão rápida, pop e descomplicada, com um final-surpresa que tenta se colocar perto dos melhores filmes-pipoca do gênero. Por outro lado, o leitor (ou espectador) não merece ser tratado como um ignorante. Só que o autor sabe que superblockbusters hoje em dia quase não devem exigir esforço, e que uma alta dose de violência gráfica e ironia podem não só reforçar sua marca pessoal mas fazer o filme cair nas graças do público médio.

Resta saber se o público aguentará ainda muito tempo a mão pesada de Millar, que já se pronunciava em O Procurado... mão esta que nos soca a troco de nada. Quando somos informados em Nemesis, por exemplo, que rapaz foi forçado pelo vilão a violentar sexualmente a própria irmã o sêmen de um rapaz foi
utilizado para inseminar a própria irmã (e esta teve o útero modificado para se desfazer caso aconteça uma tentativa de aborto), parece que estamos diante apenas da piada sem graça de um garoto bobo que fala palavrão na sala de jantar para provocar a família.

Uma pena que o autor, no ensejo do choque e dos cheques polpudos de Hollywood, tenha desaprendido como fazer diversão com tempero e sustância, algo que ele soube fazer tão bem na época de sua parceria com o ex-mentor Grant Morrison. Kick-Ass segue, assim, como seu melhor trabalho autoral até o momento. Nemesis não passa de boas sequências de ação emendadas por um amontoado de bravatas adolescentes e uma carta de apresentação descarada aos estúdios de cinema.

Nota do Crítico
Bom

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