O Omelete esteve na Crack Bang Boom - o evento apelidado de “Comicon Argentina” - em Rosario, onde pudemos conversar com Jim Lee, atual co-publisher (chefe editorial) da DC Comics e um dos nomes mais importantes nos quadrinhos norte-americanos nas últimas duas décadas. Nela, o ilustrador que explodiu na década de 1990 com os X-Men, criou a Wildstorm e hoje cuida das linhas de quadrinhos e mídias digitais na DC, fala a respeito da sua carreira, o mercado de HQs, o cinema de super-heróis e como os personagens da editora estão prosperando em novas mídias, como o jogo DC Universe Online.
Como você se sente sendo um dos salvadores da indústria dos quadrinhos nos anos 2000? Batman: Silêncio foi uma das primeiras HQs da década a vender mais de 100 mil exemplares.
Grandes Astros Batman e Robin
Superman: Pelo Amanhã
Batman: Europa
Jim Lee
Icons, livro de arte do quadrinista
Batman: Silêncio
DC Universe Online
Foi ótimo. No final, estávamos vendendo mais de 300 mil unidades. Começamos com 60 ou 65 mil cópias por mês e crescemos rapidamente para mais de 100 mil cópias. E ao final das 12 edições, tínhamos chegado a mais de 300 mil cópias, com duas capas, é claro. Mas mesmo assim, foi um desafio divertido. É sempre empolgante ver algo crescer, ao invés de ter vendas altas na primeira edição e aí vê-las cair.
Você ficou um tempo sem ilustrar quadrinhos. O que te atraiu para voltar para Batman ou um personagem grande?
Essencialmente, o que me motivou foi a oportunidade de trabalhar com Jeph Loeb, um roteirista de alto calibre, alguém muito apaixonado e empolgado por contar histórias. Na época, em 1998, eu tinha acabado de vender minha empresa para a DC Comics. Batman: Silêncio foi em 2002, então foi um intervalo de quatro anos, o que é bastante tempo, mas é que teve um tempo de transição entre administrar e ser dono de uma empresa, versus trabalhar como executivo e administrar a Wildstorm para a DC. Demorou muito tempo para acontecer. Acho que parte do sucesso de Silêncio foi porque eu não publicava quadrinhos há muitos anos e muitos fãs que já conheciam meu trabalho antes, dos X-Men, ficaram empolgados em ver - finalmente - algum lançamento.
Depois você fez Superman: Pelo Amanhã e Grandes Astros: Batman e Robin. Como você está lidando com esse retorno?
Não muito bem! Hahahahaha. Alguns dias são mais fáceis que outros. Estou aqui nesta convenção na Argentina como um criador, não como um editor. E, ainda assim, tem muito trabalho como editor. Essas responsabilidades nunca acabam às 17 horas. Sempre tem alguma coisa acontecendo na empresa, algo que precisa ser feito. Acho que podemos dizer o mesmo sobre as histórias. Sempre há uma capa para desenhar ou uma história a se contar. Nesse aspecto, sou muito feliz de ter um bom emprego, sem precisar me preocupar com o amanhã mas, por outro lado, é muita coisa para fazer. E ainda tenho que equilibrar isso com minha vida familiar, mas acho que é possível. Os últimos oito meses têm sido mais difíceis, devido a novidade do emprego, entender quais são as responsabilidades e trabalhar com a nova equipe demanda mais esforço do que vai demandar no futuro, espero. Então acho que até o fim do ano as coisas ficarão mais estáveis e poderei desenhar mais páginas internas. Tenho desenhado muitas capas, mas quero muito voltar a desenhar histórias inteiras.
No momento, você está morando na Califórnia, certo?
Certo.
Mas a DC permanece em Nova York?
Bem, a parte de publicações da DC vai continuar em Nova York, mas a parte digital será sediada em Burbank, Califórnia. Outros departamentos, como licenciamentos e mídia também serão em Burbank.
Mas você terá que viajar muito para Nova York?
Não, porque a maior parte do meu trabalho será focada nas publicações digitais. Terei que ir a Nova York uma vez por mês só. Mas passo muito tempo no telefone com Dan DiDio, o outro co-publisher, e estamos sempre nos comunicando por telefone ou e-mail sobre os negócios da DC Comics.
Hoje existe a preocupação de que a indústria está em decadência novamente, especialmente quando olhamos os números dos últimos meses. Qual a sua opinião sobre isso? Isso foi causado pelo preço das HQs?
Existem muitas especulações. Acho que a razão principal para as vendas terem caído nos últimos tempos é que não existe nada tremendamente empolgante saindo em todas as editoras. Blackest Night e Brightest Day foram dois sucessos enormes para a DC, mas é melhor quando todas as editoras têm projetos legais sendo lançados, porque acho que é isso que gera o maior interesse pela nossa indústria. E também faz algum tempo que não sai um grande filme de super-herói. Então acho que isso faz parte do interesse e empolgação em tudo que fazemos. Não é mais apenas uma questão apenas do que está acontecendo no mundo dos quadrinhos. Existem videogames e filmes... tudo se entrelaça agora. Se você é um fã desses personagens, você é fã deles em geral, em todas essas mídias diferentes, inclusive nos quadrinhos. Estamos num ponto baixo agora, mas não vejo isso como algo que vai durar muito tempo.
Preço também é definitivamente uma questão importante. E esse é um dos motivos que nos levaram a baixar o valor de todas as nossas HQs para U$ 2,99 e segurá-lo assim. Achamos importante assumir que o preço realmente afeta a capacidade do consumidor de acompanhar uma história. Queríamos que isso mudasse e queríamos que fosse uma mudança significativa.
Então você acha que os filmes de super-herói incentivam as vendas?
Não, acho que tudo se amarra. O fato que faz tempo que não sai um desses filmes afeta o mercado. O próximo que vai sair é Lanterna Verde, e a adaptação ganhou no Scream Awards como o filme mais esperado para o ano que vem, então temos altas expectativas para esse personagem. É um dos personagens clássicos, um dos meus preferidos desde a infância, então estou empolgado para vê-lo ganhar vida na telona.
Você está envolvido de alguma forma na produção?
Na verdade não. Quer dizer, vi algumas imagens e cenas do personagem e o visual está incrível, mas eu trabalho na parte impressa do negócio e nos quadrinhos digitais. Isso é mais parte do trabalho do Geoff Johns, que é diretor da criação, que fez um trabalho incrível em transpor esses personagens para Hollywood.
Você mencionou Blackest Night e Brightest Day como grandes sucessos. Existe alguma outra como Blackest Night saindo, para impulsionar o mercado?
Flashpoint será o grande projeto para a primeira metade do ano que vem. Será um projeto bem grande, e acho que o legal disso é que será movida pelos personagens e Geoff Johns é o principal criador dessa série. Ele já me explicou a história muitas vezes e acho que é incrível. Mas não posso dizer nada, porque ele viria me encontrar e me mataria. É uma história grande e contratamos muitos roteiristas novos para a DC e acho que vai realmente surpreender as pessoas. Tudo que posso dizer é que tem uns trechos incríveis da história, o final é sensacional e os fãs ficarão muito animados com tudo que acontece.
Você falou sobre voltar a desenhar histórias, não só capas, e mencionou Grandes Astros Batman e Robin. Essa série agora mudou de nome, certo?
Sim, agora se chama Dark Knight Comic Boy Wonder. Essa será a segunda metade da história que começou em Grandes Astros Batman e Robin.
Quando ela sai?
No primeiro bimestre do ano que vem. E Batman: Europa está marcada para fevereiro, eu acho. É uma série em quatro partes, com diferentes artistas trabalhando em cada capítulo. Estou fazendo o primeiro capítulo com Giuseppe Camuncoli, que foi escrito por Brian Azarello e Matteo Casali.
Qual a sua opinião sobre os quadrinhos como plataforma multimídia, já que você também está trabalhando no game DC Universe Online?
O mundo dos super-heróis e dos quadrinhos é muito rico e tem uma história muito longa, então acho que é um dos maiores trabalhos colaborativos da história da humanidade. Sinceramente, é só pensar no número de criadores que trabalharam nos mesmos personagens nesses 75 anos. Então é uma colaboração única, que não existe em nenhuma outra mídia, e especialistas em cinema, TV ou videogames podem encontrar aqui personagens e tramas que podem mostrados nessas diferentes mídias, de maneira apropriada. Alguém pode chegar e fazer um game como Batman: Arkham Asylum porque temos um personagem tão louco quanto o Coringa e temos o cenário perfeito, que é uma cidade fictícia chamada Gotham. Isso te permite criar um game que provavelmente não seria possível com outra propriedade intelectual ou marca. E essa é só a ponta do iceberg. Existem tantos personagens da DC que estão abertos para interpretação e para serem usados em outras mídias. É um território muito fértil e é por isso que a DC Entertainment foi criada, em primeiro lugar. Foi para explorar, da melhor maneira possível, essa biblioteca incrível criada nos últimos 75 anos.
O jogo DC Universe Online vai permitir que os jogadores criem personagens. Seria legalmente possível que esses personagens depois fossem incorporados aos quadrinhos da DC?
Em todos esses jogos, você não é dono do personagem que você criou. Em qualquer MMO, se você criar um personagem, não será o dono dele, porque a empresa que criou o jogo possui aquela propriedade intelectual. Então não existe nenhum problema legal com isso. É claro que se alguém criasse um personagem muito incrível no jogo e ele fosse usado em formato impresso ou digital, nós compensaríamos essa pessoa da maneira apropriada. Mas o objetivo do jogo é que as pessoas criem seus próprios super-heróis ou supervilões, entrem no Universo DC e joguem ao lado de personagens como Batman, Superman, Coringa ou Lex Luthor e experimentem esse mundo através de jogabilidade, missões, derrotando inimigos e desafiando as probabilidades. É muito empolgante porque no momento o jogo está em beta, estamos jogando-o há 4 ou 5 anos, então é muito legal para mim ver isso se tornar realidade.
E vocês imaginam lançar HQs ligadas ao jogo?
Acho que teremos um gibi sobre o jogo DC Universe Online, que será lançado a cada 15 dias, mais ou menos. Nele vamos destacar e mostrar o perfil de alguns jogadores específicos e personagens que as pessoas criaram no jogo. Acho que isso acontecerá em uma página de perfil, mostrando talvez os personagens mais conhecidos neste ou naquele servidor, esse tipo de coisa, para que possamos destacar as pessoas que são viciadas em game, mostrar alguns jogadores aleatórios, alguns que investiram tempo e ideias para criar um personagem legal, com nome e poderes legais, com história passada...
Algumas pessoas, que são gamers mais ávidos, querem apenas criar um personagem simples e jogar o máximo possível e chegar no nível máximo, atingir todas as fases legais do jogo. Enquanto outras pessoas preferem criar um personagem e aproveitar o lado social, transitar pelo mundo mais devagar e contar para os outros sobre seu personagem e suas experiências online. E se houver um jeito de destacar ambos os tipos de gamers no nosso gibi, isso seria o ideal.
Quando será o lançamento?
Em fevereiro.
A DC pediu pra que vocês jogassem e criassem personagens?
Não, ninguém foi obrigado a jogar o game. Mas, por sorte, muita gente pediu para jogar voluntariamente. Mas, na verdade, acho que muita gente deveria experimentar o jogo, porque você verá o Universo DC de uma maneira muito diferente. Já fizeram muitos videogames baseados no nome DC, mas quase sempre concentrados em Superman, Batman ou na Liga da Justiça. Poucos jogos mostraram o lado do vilão no Universo DC - como é ser um vilão em Metrópolis, lutando contra o Superman. Poucos games mostraram personagens como Arqueiro Verde ou Canário Negro, todas as versões do Flash e todos os personagens secundários e terciários que são uma grande parte da mitologia do Universo DC. Alguns serão vistos pela primeira vez em forma virtual nesse jogo. Então foi uma experiência empolgante, especialmente para os roteiristas do Universo DC.
Vocês só precisam ficar espertos com a Marvel, para não deixar que eles joguem o game.
Hahahahaha! Estamos de portas abertas para qualquer pessoas. É a mesma diversão, trabalhando para Marvel ou DC.
Você está planejando uma visita ao Brasil, no furuto próximo?
Sabe, era para eu ir para lá depois desta convenção, mas não terei tempo suficiente. É muito difícil ter tempo. Depois desta viagem eu vou direto para San Diego, nem terei uma noite para dormir. Vou imediatamente para Nova York, no voo da madrugada. Então eu chego às 10 horas em San Diego, e depois, às 21 horas eu voo para Nova York, e chego lá umas 5 horas da manhã para umas entrevistas e depois volto para San Diego.
Sobre quadrinhos digitais, qual a tendência agora?
Tendência? Mais quadrinhos digitais. Já estamos no iPad e no iPhone. Agora você pode entrar online e comprar seu quadrinho e ler no iPad. Mas uma vez comprado, não precisará comprar de novo, ficará lá no seu desktop ou o que for. Ou se tiver um PSP também pode comprar e baixar nossos quadrinhos.
Você acha que o papel acabou?
Por que teria acabado, porque você diria isso?
Sabe, no futuro.
No futuro nós vamos apenas pensar e eu vou te contar uma história pelo meu cérebro. Acho que é muito prematuro dizer que o papel acabou, sabe. Já disseram que não haveria mais papel quando os computadores se popularizaram, há 15 ou 10 anos. E a verdade é que provavelmente existe mais papel agora do que nunca. Se você olhar para as soluções digitais, CDs e DVDs começam a falhar depois de 10 anos, nossos drives precisam ser constantemente atualizados. Então a ideia de que tudo será apenas digital, para mim, é um argumento ilógico. Eu acho que quadrinhos impressos e digitais são duas experiências diferentes. Um bom exemplo são os ensaios em página dupla, tripla, quádrula, como fizemos em Grandes Astros Batman e Robin, acho que fizemos em cinco páginas. Não dá para repplicar isso no seu iPad, não há como. Há coisas que funcionaram melhor impressas e outras que ficaram melhor em plataformas digitais. Então, como criadores, teremos que pensar nisso antes e otimizar nossas histórias para o canal, seja ele impresso, um aparelho móvel, laptop, desktop. Acho que esse é o futuro da indústria: tipos diferentes de conteúdo, criados para diferentes plataformas. Ainda teremos gibis criados como impressos e que você lerá em várias plataformas, mas acho que coisas legais e empolgantes serão criadas para plataformas diferentes. Tipos diferentes de histórias, de narrativas, oportunidades diferentes para que os quadrinistas interajam com os fãs.
Não vejo o fim dos quadrinhos ou o fim do papel. Nossa maior audiência ainda não migrou para os quadrinhos digitais, eles preferem ler em papel. Mas as próximas gerações serão mais acostumadas a ler tudo digitalmente. Ainda acho que a experiência digital não é 100% análoga à experiência do papel. E por essa razão apenas é que eu acho que sempre haverá o impresso.