Os Embaixadores

Créditos da imagem: Image Comics/Millarworld/Divulgação

HQ/Livros

Entrevista

Mark Millar detalha origens de Os Embaixadores, HQ sobre heróis do mundo todo

“O mundo é um lugar muito maior que só os Estados Unidos”, disse o quadrinista ao Omelete

Omelete
8 min de leitura
24.03.2023, às 13H42.
Atualizada em 29.03.2023, ÀS 09H29

Percebi que quando vou para outros países, tudo o que faço é ir ao bar, nunca vi o que eu deveria ver”, brincou Mark Millar ao Omelete. Conhecido tanto por seus trabalhos autorais quanto por histórias adoradas na Marvel e na DC, o escocês lança agora em março Os Embaixadores, HQ que traz heróis de diferentes partes do mundo – incluindo o Brasil. A primeira edição, inclusive, está disponível de graça (e em português)

Foi o trabalho [de pesquisa] mais extenso que já fiz”, disse Millar, embora admita que contou com amigos e colegas que conheceu pela indústria (e, depois, nas mesas de bar) para ajudá-lo a recriar países como Coreia do Sul, México, França e Austrália, que também serão retratados nos gibis. “Diria que 75% ou 80% dos artistas com quem eu trabalho são da América do Sul, e três dos meus grandes amigos são do Brasil. [...] Então isso foi muito útil. Sabe, sempre que eu queria me certificar de alguma coisa, simplesmente ligava para eles e dizia: ‘escute, se você morasse em tal bairro, o que você acharia desse cara?’. Aí, mandava o roteiro e, então, a arte para que eles conferissem e tudo mais, sabe?

“Os Embaixadores foi uma das coisas mais difíceis que já escrevi, porque estava tão determinado a torná-lo bom”, seguiu o roteirista.“Imagine que você é um diretor e os seis melhores atores do mundo estarão em seu filme. É um pouco assim quando você é um escritor e os seis artistas com quem você trabalha tão bons. [...] Então, foi difícil. Como disse, queria que houvesse um realismo em todas as edições, mas não queria que os franceses pegassem a edição francesa e dissessem: ‘esse cara nunca esteve em Paris na vida’. Queria que fosse verdadeiro.

Em Os Embaixadores, que chegará ao Brasil pela Panini, a Dra. Chung, uma cientista sul-coreana, descobre como dar superpoderes a seres humanos e, ao invés de vender suas pesquisas para grupos militares ou governos, decide guardar a fórmula para si e outras seis pessoas que fossem consideradas merecedoras. “Ela faz uma convocação como Willy Wonka [de A Fantástica Fábrica de Chocolate]. Você sabe, ela faz essa convocação mundial e diz: ‘eu quero as seis melhores pessoas do mundo’”, explica Millar, que diz ainda que até a forma como cada candidato a herói se voluntaria conta na escolha da pesquisadora.

O sentimento [de Chung] conforme a história continua é de que alguém que entra em contato para dizer por que deveria ganhar esses poderes talvez seja exatamente o tipo errado de pessoa para recebê-los”, segue Millar, que traça outro paralelo à obra de Roald Dahl. “Amo essa coisa do Willy Wonka jogar com a moralidade para procurar pela criança mais honesta. E Charlie Bucket é o mais honesto, enquanto os outros são todos mentirosos, enganosos e tudo mais. E ele só está fazendo um processo para saber quem é a pessoa que realmente merece sua herança.

O representante brasileiro de Os Embaixadores, por exemplo, será um padre católico conhecido por peitar milícias e policiais corruptos. Indicado pela própria comunidade, o personagem inicialmente se choca com sua seleção. “Ele é meio que um herói local e [Chung] entra em contato com ele e diz ‘gostaríamos de lhe oferecer um lugar na equipe’, e ele responde ‘mas eu sou um padre católico. Não posso’. [...] gosto dessa ideia de alguém que não quer ser um super-herói é um cara que já serve sua comunidade de alguma forma, mas não quer [poderes]. Isso pareceu ser um ponto de partida interessante para mim.

Conhecido por sua tendência de quebrar os moldes estabelecidos por DC e Marvel ao longo das décadas, Millar lembra que histórias de heróis, super ou não, existem desde os tempos antigos e nunca se limitaram apenas a um país. “O mundo é um lugar muito maior que só os Estados Unidos”, disse o autor, que quer que Os Embaixadores mostre mais do que “um monte de nova-iorquinos sentados numa mesa.” “Acho que o arquétipo do super-herói está conosco há pelo menos 5 mil anos, talvez até 11 mil anos. Se você voltar aos tempos da Babilônia, sabe, como 5 mil anos atrás com as histórias egípcias [...], e então as histórias romanas de 2 mil anos atrás. Você poderia facilmente traçar uma linha de ligação entre os deuses romanos e a Liga da Justiça. Temos um Superman, um Batman, personagens parecidos com a Mulher Maravilha. Acho que [histórias de heróis] nunca nos deixam. Mesmo nos tempos vitorianos, tivemos Sherlock Holmes e depois tivemos O Sombra, que levou ao Batman. Então as pessoas precisam desses ícones e eles mudam de forma de vez em quando, a cada cem anos ou mais, eles se tornam outra coisa.

Segundo o roteirista, seu novo quadrinho chega como uma forma de devolver a internacionalidade da noção de heroísmo, há décadas centralizada nos EUA. “Temos 7 bilhões de pessoas no planeta. Há apenas 300 milhões de americanos. Quer dizer, só o Brasil tem um número tão grande de pessoas. Então não seria legal ter um grande super-herói brasileiro?

A (futura) superprodução de Os Embaixadores

Em 2017, Millar levou seu selo, o Millarworld, à Netflix. Além de cuidar da distribuição mundial dos títulos da editora, o streaming também cuida das adaptações televisivas das histórias da editora, incluindo a série O Legado de Júpiter e o anime Supercroocks. Os Embaixadores, obviamente, também já entrou na esteira de futuras produções e o roteirista espera que o foco menos localizado da história se conecte com o público ao redor do mundo. “Este é o tipo de série e filme que quero fazer para a Netflix e para um público internacional. Então, nós temos esse grande alcance. Não seria legal dar a todos esses diferentes territórios ao redor do mundo seu próprio herói e quando eles talvez tiverem seu próprio programa de televisão, colocamos todos eles juntos em filmes de vez em quando?

Embora a primeira edição do quadrinho ainda não tenha sido lançada, Millar revelou que já está animado para que o mundo conheça uma de suas personagens, que será apresentada na mesma edição que o herói brasileiro. “Não vou dar spoiler porque estraga o final da história. Mas tem uma nova personagem introduzida junto com o padre que acho que pode ser um dos meus personagens favoritos que já criei. E quando fizermos a série, ela será enorme. Ela é como a Hit-Girl [de Kick-Ass: Quebrando Tudo], uma dessas personagens que transcendem e as pessoas simplesmente amam.

Para Millar, a Netflix pode ser essencial em mostrar ao público que, assim como prega Os Embaixadores, super-heróis podem vir de qualquer lugar do mundo. “Se, quando era criança, visse uma história em quadrinhos onde havia um super-herói escocês, ficaria muito animado.

Uma seleção de grandes artistas

Ao longo de sua carreira, Millar acumulou trabalhos com alguns dos artistas mais respeitados da indústria, incluindo John Romita Jr., Leinil Yu e Dave Gibbons. Para Os Embaixadores, o roteirista recrutou outros velhos conhecidos: Frank Quitely (O Legado de Júpiter), Travis Charest (Flash), Olivier Coipel (A Ordem Mágica), Matteo Scalera (Space Bandits), Matteo Buffagni (Prodígio) e Karl Kerschl (Jovens Titãs: Ano Um). Esse timaço, no entanto, quase não se reuniu. Segundo o roteirista, ele não acreditava que Quitely, Coipel e Charest, famosos na indústria por demorar para entregar suas páginas, fossem conseguir participar do projeto.

Fui muito sortudo por conseguir [Quitely e Coipel], mas quem achei que não ia conseguir nem em um milhão de anos é o Travis Charest”, seguiu Millar, dizendo admirar as artes do colega desde que ele começou a ganhar destaque na indústria, no meio dos anos 1990. "Ele era famoso por ser lento, a ponto de levar cerca de duas ou três semanas em uma página, enquanto a maioria dos artistas fazia cerca de três ou quatro páginas por semana.

O ritmo de Charest, no entanto, não desanimou Millar, que segurou o lançamento de Os Embaixadores só para que o livro pudesse contar com a arte do canadense. “Escrevi isso há quatro anos e esperei por Travis. Apenas lhe perguntei ‘vem cá, de quanto tempo você precisa para desenhar 26 páginas?’ E ele disse ‘vou tentar fazer isso em três anos’, ele conseguiu em quatro e ficou incrível. Ele realmente estava na minha lista de desejos de com quem eu gostaria de trabalhar.

Perguntado sobre que outros artistas podemos esperar ver em volumes futuros de Os Embaixadores, Millar disse que, por enquanto, ainda não começou a trabalhar em novas histórias, já que está desenvolvendo uma adaptação de Huck junto à Netflix. Isso não quer dizer, no entanto, que ele não esteja de olho em alguns grandes nomes para ilustrar seus próximos títulos. “[Bilquis Evely] não seria uma ideia nada ruim. Ela é incrível. A história da Supergirl [A Mulher do Amanhã] que ela fez recentemente com Tom King é fantástica”, afirmou ele após o nome da brasileira ser citado.

Não estou falando só porque você é brasileiro, pode até olhar no meu Twitter, mas acho que o Brasil é um dos três melhores [celeiros de talento] para artistas de quadrinhos no momento”, opinou Millar, citando também o Canadá e a Itália como grandes polos da Nona Arte. “Mas acho que o Brasil está no topo. Vocês têm o Rafael Grampá, amo as artes dele e nós somos grandes amigos. Tem o Rafael Albuquerque, que até fica conosco aqui em Glasgow e tudo. Fizemos Huck e Prodígio juntos. Mas existem vários bons braços no Brasil. Inclusive acho que têm mais bons braços no Brasil do que nos EUA hoje, o que é ótimo.

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