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Dando continuidade ao bate-papo com quem anda fazendo quadrinhos no Brasil, hoje seguimos um rumo completamente diferente da última coluna, quando fomos à Espanha conversar com Marcello Quintanilha. Agora, Quadrinhofilia entrevista o cartunista paranaense Benett. Quem é esse fulano? Ah, ele é meu ex-vizinho. Um dos muitos que nunca visitei, mas que sempre encontrava na esquina ou no mercado. Certo, isso não é uma grande referência... Você pode até não conhecê-lo ainda, mas depois desta entrevista certamente vai querer se aprofundar no universo das tiras desse cartunista que tem um blog (www.benett-o-matic.blogger.com.br), publica seus trabalhos diariamente no jornal paranaense Gazeta do Povo, ocasionalmente no Jornal do Brasil, faz tiras em quadrinhos para o site do Banco Real Amro-Bank e foi o primeiro colocado na categoria tiras da última edição do mais que tradicional Salão de Humor de Piracicaba. Ah, sim, e tem novidade: O rapaz está lançando agora em dezembro sua primeira obra solo: Zongo Comix, pela editora Travessa dos Editores, justamente no festival Internacional de Humor das Cataratas, evento do qual é um dos fomentadores.
Então, deixando a pompa e circunstância de lado, vamos à entevista:
Para você, quem é esse tal de Benett???
Um pária qualquer. 50% não entende e os outros 50% entende mal. Resumindo, um idiota a mais no mundo.
Oh, meu deus, então eu devo ser mais idiota ainda por estar te entrevistando! Mas diga-me de onde você veio, qual a sua idade e de onde tirou a idéia de que poderia ganhar a vida desenhando, ou pior, fazendo HQ?
Tenho 31 anos e não tinha muita esperança dessa coisa de desenhos de humor dar certo. Já tinha sido demitido de um jornal em 1994 por problemas de censura e achei que estava acabado. Voltei em 1999, desenhando charges e publicando uma página de humor chamada "Bananas" - homenagem ao Woody Allen -, com textos e tiras em quadrinhos. Imagina, uma página standart colorida, toda semana. Isso durou 4 anos, até eu vir para a Gazeta do Povo.
Saí de PG (Ponta Grossa) para vir para GP.
Para que serve um tira de quadrinhos?
Mais do que uma simples piada ou uma rotina de banalidades dos personagens, eu gostaria que ela instigasse os leitores a pensar, debater algum assunto relevante. Mas a merda é que as reações que tenho observado - e sobretudo sentido - me deixam bem pessimista em relação a estes últimos propósitos. As pessoas estão perdendo o senso de humor. Ou, pior, se acostumando a uma espécie de humor estúpido, como o de blogs de fotomontagens ou programas de TV. Cara, ter uma opinião um pouco diferente do senso comum é passível de apedrejamento em praça pública. Discordar é morrer.
Então, que tipo de reação o seu leitor tem manifestado? Você acha que as pessoas não sabem mais ler nem uma tirinha? Que estão imbecilizadas pela Internet e TV de baixo nível?
As pessoas querem diversão mais interativa e menos instrospectiva. Entre ficar no MSN ou orkut e a solidão que é ler uma HQ, não há dúvida de que preferem as duas primeiras alternativas. Acho que preferem isso, inclusive ao sexo. E, claro, preferem sexo às HQs. Não acho que estão mais ou menos imbecis. Só têm outras alternativas mais interessantes. Estão sempre buscando algo que possam se identificar e acrescentar à sua personalidade, e não imagino elas imitando o Garfield para impressionar as meninas. As reações dos leitores? Imagine uma centena de pessoas com tochas e ancinhos e foices correndo atrás, essas coisas...
Graças aos céus, Garfield não é uma religião... Quais sãos quadrinhos que você lê?
Cara, bem pouco. Honestamente não consegui ir além do que lia há 10 anos. Schulz, Bill Waterson, Angeli, Crumb... Recentemente curti o Daniel Clowes. Mas acho que nem o melhor Will Eisner se compara a um roteiro do Charlie Kaufman, por exemplo - de Brilho Eterno... Sorry.
Calma, eu não te crucifixo por isso. Então, nem Laerte, nem Fernando Gonzalez? Quanto ao Angeli eu acho que as tiras dele não são mais aquelas coisas... Mas os cartuns, esses sim são muito legais. Fora esses medalhões, tem mais algum cartunista nacional que você curte?
Não quer dizer que eu não goste. O Laerte é um gênio. Tem uma HQ dele, que é praticamente igual àquele filme Dogville, mas ele a desenhou em 89, 88!!! E as tiras de hoje, ele tá atrás de um novo estilo e vai, pra variar, criar um novo gênero de humor. Os cartunistas nacionais que curto são o Jean e o Arnaldo Branco. Dois caras que, como diz o Millôr, não precisam subir num andaime para construir uma piada. Aliás, o Millôr é outro que admiro um monte.
O Millôr é pedra fundamental no nosso humor, não? O Laerte é poderoso... Ele também antecipou o Show de Truman com a sua HQ A Insustentável Leveza do ser... O Jean e o Arnaldo Branco são caras que estão montando aos poucos suas legiões de fãs e seguidores. Até já li uma vez numa comunidade do Orkut um cara dizendo que você copia o Jean (?!). O que você desse tipo de acusação?
Num sei... já fui acusado de copiar o Angeli, o Schulz, o Woody Allen... eles estão enganados: eu copio o Milo Manara. hahaha
Nem dá pra comparar o Eisner com o Kaufman, né? Os dois têm formações tão distintas. Mas realmente, os roteiros do Kaufman são uma salada de gêneros única. Você deve ter curtido Adaptação, não? Quem gosta de escrever , eu acho, se identifica muito com os dilemas do roteirista naquele filme.
Sim, são formações distintas. Mas ambos partem de idéias para uma história, e depois sua construção, etc. O Eisner sai perdendo porque o formato de HQ é infinitamente mais limitado e ele tem de lidar com essas limitações antes mesmo de botar a idéia no papel, então, é como se ele parasse no story-board do filme. Por exemplo, em Sin City, por incrível que pareça, o que estraga é o lado do Frank Miller. Diálogos bobos, enredo previsível. Adoro o filme, mas tem umas coisas...
Ah, gosto do Adaptação, mas prefiro o Brilho Eterno... e o Quero Ser John Malkovich.
Então você acha o cinema mais completo do que a HQ? Vindo de um cartunista isso me surprende. Eu acho que o cinema também tem suas limitações exatamente porque o espectador é passivo, diferente dos quadrinhos. Mas numa coisa eu concordo sobre Sin City, filme que eu também adoro, mas que é um trabalho de roteiro bem ruim do Miller, isso é. Eu sempre preferi apreciar os desenhos dele do que ler essas histórias...
E as influências no seu trabalho, são todas relacionadas a cartum e HQ ou tem mais escondido?
Adoro Woody Allen e Groucho Marx. Adoro os irmãos Farrely e essa nova onda de comédias com Will Ferrell, Owen Wilson, Ben Stiller e Jack Black. Na verdade, eu gosto mesmo é de escrever textos de humor. Não tenho muita paciência pra desenhar. Minhas tiras são gags desenhadas.
Então você não se considra quadrinhista? Mas um escritor que ilustra?
Schulz dizia que um cartunista é um cara que não sabe desenhar bem o suficiente para ser um pintor nem escrever muito bem para ser um escritor. Eu me considero cartunista. Raramente desenho uma HQ. No máximo tiras em quadrinhos. Bem, e tem o lance da charge, que gosto muito de fazer e gostaria de ter mais tempo e fazer com mais frequência...
Pra mim, quem faz tiras também é quadrinhista. Então vou continuar te atucanando por esse lado: fale das suas séries Bennet-o-matic e Punkadinha.
Bem, se partirmos do pressuposto de que o formato define o conteúdo, então um sujeito que escreve bulas de remédio é um escritor brilhante.
O Punkadinha é um punk dos dias de hoje - com maquiagem na cara - mas não ouve Good Charlotte, apesar de ter uma tara incrível pela Avril Lavigne. O Benett-o-matic é bem diferente. O personagem principal é o autor e fala das coisas que acontecem em minha vida. Um Curb Your Entusiasm desenhado, mas sem o mesmo "entusiasm", saca?
O que é um Zongo? Como é, quando sai, por onde, onde achar, essas coisas...
Zongo é o contrário de Gonzo, a página de humor e quadrinhos que eu editava na Gazeta do Povo. Depois descobri - o Arnaldo Branco me deu o toque - que esse nome era o da editora do Matt Groening. Espero que não dê merda...
Não fuja da pergunta: quando sai a Zongo? Como você descreve a revista? E o principal: vai ser baratinho?
Meu, tá nas mãos da editora, mas parece que a porra filhadaputa do ISBN - aquela paradinha para por no código de barras - tá demorando. A Zongo é algo como... um álbum. Meio álbum-meio revista, sei lá. Graficamente está impecável.
Acho que vai ser uma revista meio estranha, com um humor estranho. Propósitos estranhos, não sei...bem, vai ter um preço estranho: não mais que 5 pilas, eu espero. Distribuição em salões de humor, internet, comic shops, etc.
A Zongo terá colaborações pra lá de importantes, como o Jean, que mandou tiras da Vó e charges, André Dahmer, autor das tiras Malvados, Arnaldo Branco, com o Super Loser, o Dálcio o Solda e o Paixão, com charges entre outros.
Qual é a editora? Tem data pra sair?
Travessa dos Editores e deve sair em outubro. Talvez novembro. Tem que sair este ano ou corto meu pau fora!
[Nota do colunusta: a revista está saindo em dezembro. Foi por muuuuito pouco que não houve uma mutilação]
Como você vê a profissão de cartunista que trabalha em jornal?
É quase o contínuo gráfico do jornal. Ilustra, faz tiras, charges, cartuns e, se precisar, engraxa sapatos. Existem cada vez menos, mas é uma escola fodida pra se aprender, com o dia-a-dia, prazos, horários, responsa, essas coisas.
O importante é não perder a personalidade. Caso não tenha uma, é importante para desenvolver. Por sinal, estou vendendo a minha ou trocando por uma mais parecida com a do Glauco Villas-Boas.
Como é a sua rotina de trabalho? Você cria uma tira por dia ou coisa assim?
Duas ou três tiras por dia. Já foi 10, 12 tiras. Gosto de bolar as piadas, mas não tenho muito saco pra desenhar. Tento fazer o mais simples possível. Mas em casa fico o tempo todo fazendo outras coisas, menos desenhando... ouço música o tempo todo, leio o tempo todo, escrevo...
No fim das contas, na sua opinião, por que (com tanta gente no Brasil fazendo tiras) o espaço das tiras está minguando cada vez mais nos jornais?
Primeiro porque os jornais estão minguando. Depois, porque as boas tiras estão minguando. Quando você pega uma tira como o Malvados, do André Dahmer, as pessoas procuram e querem ler isso.
Depois, os quadrinistas têm de parar de achar que a culpa está nos outros, nos leitores. Sempre se colocando como vítima de um sistema que conspira o tempo todo contra ele. Uma parte da culpa está nos próprios quadrinhos que não têm apresentado nada muito emocionante...
Concordo com você. Falando especificamente em tiras, não tenho visto nada de realmente novo ultimamente. Parece que estamos ainda na ressaca da turma do Chiclete com Banana... Muita tira nova se limita a seguir o estilo de algum artista em evidência. Você não acha que é essa autofagia que anda prejudicando o andar da carroça?? Impedido que surjam coisas originais?
Sim, essa autofagia que faz o sujeito não ter outras referências, não buscar inspiração em outros segmentos, não viver... é complicado, até os pandas se reproduzem mais rápido do que os grandes cartunistas.
E os salões de humor?
Olha... é um grande dilema: premiar o mais engraçado ou o mais inteligente? Nos últimos tempos eles têm resolvido isso não premiando nem um nem outro. Eu sou o maior exemplo disso. Mas ainda é uma grande vitrine. Mas... com excessão dos cartunistas, quem se importa com isso hoje? Tenho medo que o cartum se transforme em uma profissão em extinção, curiosa, como a das mulheres que fazem pêssankas ou dos tecelões...
Vade retro!!!!
Mas nunca teve tanto salão como atualmente. Será que a tendência é a coisa se fechar numa corporação de ofício? Você vê uma alternativa para desovar toda essa produção para as pessoas conhecerem?
Um pouco é essa tendência, sim. Outro fator é a falta de espaço nos jornais.
Os salões são meios de integração para os novos cartunistas, vitrine para os velhos e fonte de renda para os mais desesperados. Um problema dos salões é que eles não têm um apelo para os jovens, assim como um festival de bandas alternativas, por exemplo. E, com isso, a mídia não se interessa. Salão de humor parece, na verdade, um congresso de desenhistas. Nada contra, adoro os salões de humor e sobretudo encontrar os cartunistas, conhecer o pessoal. Mas para popularizar isso, tem de se reinventar... colocar umas bandas de rock, mulheres fazendo strip-tease, tatoos do Zé do Boné, piercings do Brucutu, graffitis do Capitão Nemo... Por outro lado, não sei se estamos dispostos a isso. Exceto pelo fato das mulheres fazendo strip-tease, o restante me parece tão cansativo e... falso!
Então o jeito seria perder um pouco a pose de "somos artistas, nos valorizem!" E passar pra um maketing mais agressivo? Tipo: usar as mesmas armas do "inimigo" para seduzir as pessoas?
Que inimigo? Ultimamente tenho estado paranóico com essas coisas, me sinto o Dobel, personagem lunático de Anything Else. Não sei... acho que sim. O que importa é não ser chato num mundo onde as pessoas se entediam muito, muito rápido.
Para você, vencer Piracicaba representou o que em sua carreira?
Depois de perder a virgindade, foi a coisa mais importante que me aconteceu. Sempre sonhei em ganhar, assim como sempre sonhei em publicar na Mad. Quando li os nomes do Baptistão e do Spacca... me senti um ladrão entre dois Cristos.
Você, sendo ladrão do prêmio dos medalhões ou não, já publicou na Mad? Você sabe que ela é um reduto de idiotas. Parte importante da formação de todos nós...
Nunca publiquei, mas gostaria, nem que fosse na Sessão Pretensão...
Alou, pessoal da Mad! Vamos dar uma força para este rapaz! Hehehe
O Omelete agradece a Bennet pela entrevista e pede, claro, desculpas caso alguém se sinta ofendido pelas porras dos palavrões dispersos nas respostas. Não foi culpa nossa, caralho! ;-)